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A polémica em torno da substituição do regime monárquico constitucional pelo republicano tem-se baseado demasiadas vezes em premissas ideológicas, em geral descontextualizadas da realidade Histórica.
Penso que a questão fulcral é a de reflectir se a existência de um rei impediria ou não as modificações / reformas mais significativas feitas pelos republicanos após 1910.
Pessoalmente não vejo porque impedisse, pelo que o argumento que se baseia no confronto de dois projectos políticos antagónicos e irreconciliáveis não explica claramente a inevitabilidade do fim da monarquia.
Portugal no fim do século XIX não era um produto da governação do rei, mas dos grupos políticos e sociais que o apoiavam e dos quais estava refém desde a derrota dos miguelistas.
Muita gente veio a culpar o ditador João Franco pela morte de D. Carlos porque o seu governo suscitou viva oposição tanto dos partidos monárquicos como do republicano. Portanto penso ser pacifico que o projecto político de João Franco era exclusivamente o de D. Carlos , visto ser este que legitimava o seu governo.
Acredito que a causa que justifica o regicídio está no conflito de interesses dos grupos sociais / políticos que estavam por trás dos partidos monarquicos e do republicano. Durante o liberalismo o rei tinha-se sempre apoiado num pequeno grupo social que resultava da fusão entre a nobreza e a alta burguesia, que detinha todo poder político e económico.
As reformas económicas desenvolvidas na segunda metade do século XIX por Fontes Pereira de Melo, permitiram o desenvolvimento de uma pequena e média burguesia ambiciosa e dinâmica que exigia direitos políticos e acesso às lucrativas posições no Estado que lhes eram vedadas. As suas exigências eram apoiadas ainda por um proletariado urbano não muito numeroso, mas activamente contestatário da ordem estabelecida.
O referido crescimento dos grupos contestatários foi aproveitado pelos republicanos para começaram a minar a posição do monarca e do regime. Simultaneamente as questões levantadas em torno do ultimato britânico foram intensamente aproveitadas pelos republicanos com o fito de emprestar um cunho patriótico ao derrube da monarquia (e às ambições pessoais dos primeiros).
Portanto no final do século XIX, o rei estava no meio de dois grupos políticos que se confrontavam, um exigindo direitos políticos e reformas, outro lutando para defender os seus privilégios e o status quo existente.
Os ideólogos republicanos ambicionavam o controle total do Estado através da eliminação da figura do rei, que desejavam substituir por pessoas mais comprometidas com os partidos políticos.
D. Carlos, apercebendo-se do rumo dos acontecimentos e da situação cada vez mais perigosa em que se encontrava, optou pela única solução que lhe restava que era a da governação indirecta através da interposta pessoa de um político da sua inteira confiança (João Franco). O seu objectivo era logicamente por em prática as reformas políticas prometidas pelos republicanos à pequena e média burguesias, reconquistando a sua lealdade e alterando a base de apoio da monarquia. Retiraria assim dessa forma qualquer sentido ao seu derrube. Obviamente que estas intenções suscitaram a oposição tanto dos republicanos como dos sectores privilegiados que tradicionalmente apoiavam a monarquia.
A alienação de parte do sector monárquico motivada pela ditadura de João Franco, explica em boa medida porque razão em 1910 a minoria republicana conseguiu tomar o poder com tão pouca resistência. As trágicas mortes de D. Carlos e de D. Luís Felipe, selaram portanto o destino da monarquia portuguesa e deixaram o projecto politico do rei para sempre inacabado e envolto numa aura de ambiguidade e mistério.