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No seguimento deste post, onde dou conta de um determinado artigo de Karl Popper, deixo uma tradução feita por mim de parte do mesmo. Trata-se de "Towards a Rational Theory of Tradition", in Karl Popper, Conjectures and Refutations, Londres, Routledge, 2010, pp. 165-168:

 

«Uma teoria da tradição tem de ser uma teoria sociológica, porque a tradição é obviamente um fenómeno social. Menciono isto porque pretendo brevemente discutir convosco a tarefa das ciências sociais teoréticas. Esta tem sido frequentemente mal compreendida. De forma a explicar qual é, penso eu, a tarefa central das ciências sociais, gostaria de começar por descrever uma teoria que é defendida por muitos racionalistas – uma teoria que eu penso que implica exactamente o oposto do verdadeiro objectivo das ciências sociais. Chamarei a esta teoria a ‘teoria da conspiração da sociedade’. Esta teoria, que é mais primitiva que a maioria das formas de teísmo, é semelhante à teoria da sociedade de Homero. Homero concebeu o poder dos deuses de tal forma que tudo aquilo que acontecesse na planície de Tróia seria apenas um reflexo das várias conspirações no Olimpo. A teoria da conspiração da sociedade é apenas uma versão deste teísmo, de uma crença em deuses cujos caprichos e vontades regulam tudo. Deriva de se abandonar Deus e depois perguntar ‘Quem está no seu lugar?’ E o lugar dele é então preenchido por vários homens e grupos poderosos – sinistros grupos de pressão, que são culpados de terem planeado a grande depressão e todos os males de que sofremos.

A teoria da conspiração da sociedade é muito difundida, e contém muito pouca verdade nela. Só quando teóricos da conspiração chegam ao poder é que se torna algo como uma teoria responsável pelas coisas que realmente acontecem (um exemplo do que eu chamei “Efeito de Édipo”). Por exemplo, quando Hitler chegou ao poder, acreditando no mito conspirativo dos Sábios do Sião, tentou ultrapassar a conspiração destes com a sua própria contra-conspiração. Mas o interessante é que uma teoria da conspiração nunca – ou quase nunca – acontece da forma que se pretende.

Esta observação pode ser vista como uma pista quanto à verdadeira tarefa de uma teoria social. Hitler, disse eu, elaborou uma teoria da conspiração que falhou. Porque falhou? Não apenas porque outras pessoas conspiraram contra Hitler. Falhou, simplesmente, porque uma das coisas notáveis acerca da vida social é que nunca nada acontece exactamente como se pretende. As coisas acontecem sempre de forma um pouco diferente. Raramente produzimos na vida social precisamente o efeito que queremos produzir, e geralmente acontecem-nos coisas que não queremos no processo de barganha. Claro que agimos com determinados objectivos em mente; mas à parte destes objectivos (que podemos ou não realmente atingir) existem sempre consequências não pretendidas das nossas acções; e normalmente estas consequências não pretendidas não podem ser eliminadas. Explicar porque não podem ser eliminadas é a tarefa principal da teoria social.

(…)

Eu penso que as pessoas que se aproximam das ciências sociais com uma vulgar teoria da conspiração negam a elas próprias a possibilidade de alguma vez entenderem qual é a tarefa das ciências sociais, pois assumem que podemos explicar praticamente tudo numa sociedade perguntando quem o quis, quando a tarefa real das ciências sociais é explicar aquelas coisas que ninguém quer – como, por exemplo, a guerra, ou a depressão. (A revolução de Lenine, e especialmente a revolução de Hitler e a guerra de Hitler são, penso, excepções. Estas foram realmente conspirações. Mas foram consequências do facto de teóricos da conspiração terem chegado ao poder – que, de forma significativa, falharam na consumação das suas teorias).

A tarefa das ciências sociais é explicar como é que as consequências não pretendidas resultam das nossas intenções e acções, e que tipo de consequências resulta se as pessoas fizerem isto ou aquilo ou aqueloutro numa determinada situação social. E é, especialmente, a tarefa das ciências sociais analisar desta forma a existência e funcionamento de instituições (como as forças policiais ou companhias de seguros ou escolas ou governos) e colectivos sociais (como estados ou nações ou classes ou outros grupos sociais). O teórico da conspiração acreditará que as instituições podem ser entendidas completamente como resultado de um desenho consciente; e quanto aos colectivos, habitualmente confere-lhes uma espécie de personalidade de grupo, tratando-os como agentes conspirativos, como se fossem homens individuais. Opondo-se a esta visão, o teórico social deve reconhecer que a persistência de instituições e colectivos cria um problema a ser resolvido em termos de análise das acções sociais individuais e das suas consequências sociais não pretendidas (e muitas vezes não desejadas), assim como das pretendidas.» 

publicado às 13:52


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