Obrigado, John. :) Caro Francisco P. Lacerda, fico grato pelo seu reparo, porém, gostaria de fazer uma pequena correcção ao seu comentário. É certo que prosopopeia tem o significado que indicou, todavia, o termo em questão abarca, igualmente, outros significados, tais como, "discurso ou prosa afectada", ou, "discurso empolado" - veja, entre outros, o nem sempre fiável Priberam. Foi com este significado em mente que escrevi o termo supra citado. Creio que estamos esclarecidos. Um abraço.
De Francisco P. Lacerda a 31.05.2013 às 13:44
Caro João Pinto Bastos, a palavra-chave é, precisamente, "fiável". A fiabilidade de muitos dicionários é discutível e, em muitos casos, é preciso pensar um bocado para perceber se faz sentido ou não que uma palavra tenha um determinado significado. Há exemplos de palavras que, por força dos meios de comunicação, por usos indevidos e modas, por contágio de outras línguas, adquirem significados que, a longo prazo, levam a que possam querer dizer coisas completamente diferentes.
Os exemplos mais fáceis de dar são os que provêm de anglicismos, como o verbo "realizar", que muita gente usa já para designar "perceber". Poderia dar muitos outros, mas penso que não valha a pena.
Outro fenómeno engraçado é o oposto, tendo ficado celebrizado na expressão de George W. Bush que, traduzida para português, deu "armas de destruição maciça". O problema desta expressão estava no adjectivo "massive", que não tem propriamente correlato em português. Os mais puristas não quiseram introduzir o adjectivo "massivo" na língua, mas também não quiseram ficar com a expressão "destruição em massa". Por força dessas circunstâncias, pegaram no adjectivo "maciço", que significa pura e simplesmente "sólido", "espesso", "compacto", e deram-lhe uma nova acepção, precisamente "em massa". A expressão é errada, não significa o que querem que signifique, mas ficou consagrada, e vem, aliás, registada em vários dicionários, entre eles o Priberam. Este é apenas um de muitos exemplos de palavras ou expressões que os dicionários consagram e que, francamente, ou são erradas ou resultam de usos errados.
Posso ainda dar-lhe um último exemplo, pois é tão contemporâneo que não resisto: hoje em dia, quando se fala em esforço, seja ele de que tipo for, fala-se em "empenhamento". O uso desta palavra, uma vez mais, é não só escusado (o que queriam dizer eram empenho, que é uma palavra bem mais agradável ao ouvido e com menos sílabas) como é errado, pois "empenhamento" designa o acto de "empenhar" qualquer coisa, não o acto de "empenhar-se" em algo.
Voltando à prosopopeia. A palavra tem um significado técnico muitíssimo preciso; é uma figura de retórica, não a própria retórica. O que acontece é que, por metonímia (ou por sinédoque), se passou a aceitar que uma figura de retórica específica, com características específicas, passasse a significar pura e simplesmente "retórica". O sentido figurado de que fala e que os dicionários atestam não é mais do que o resultado da substituição metonímica do significado de uma figura de retórica pelo significado do conjunto de figuras de retórica. Isto é, quando se diz que "prosopopeia" pode significar "discurso empolado", o que se está, no fundo, a dizer é que a palavra "prosopopeia" pode ser utilizada em vez da palavra "retórica".
Evidentemente, uma das principais razões da evolução de qualquer língua é este tipo de mutações, quer sejam metonímicas, quer sejam metafóricas. O problema é que isso não deve ser feito nem por estipulação nem arbitrariamente. E, sobretudo, deve corresponder a um princípio de sensatez. Dizer que "prosopopeia", que tem dentro do conjunto das figuras de retórica um sentido técnico preciso, características precisas, e uma função precisa, pode passar a significar indiscriminadamente todo o conjunto de figuras de retórica seria o mesmo que dizer que "andebol", que tem dentro do conjunto dos desportos características específicas, podia passar a significar indiscriminadamente todo o conjunto de desportos. Poeticamente, até me parece tolerável a liberdade destes saltos metonímicos. Mas num discurso que se quer claro, num discurso argumentativo ou expositivo, parece-lhe sensato dizer, por exemplo, que "fazer andebol faz bem à saúde", em vez de dizer "fazer desporto faz bem à saúde"? Dizer "prosopopeia europeia" é o mesmo que dizer que, num hiper-mercado, as canas de pesca se encontram não na secção de desporto, mas na secção de andebol. Tal como qualquer funcionário que arrume canas de pesca na secção de andebol é naturalmente repreendido, merece repreensão quem use a palavra "prosopopeia" querendo dizer "retórica". E nenhum dicionário, por maior reputação que tenha, tem legitimidade para refutar a sensatez disto.
Outro abraço!