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Processo "Retornados" II

por Nuno Castelo-Branco, em 08.09.13

Aquilo que John Wolf aqui manifesta a propósito de um possível apelo a potenciais imigrantes, poderá ter imprevistos desenvolvimentos. Portugal poderá até receber um insuspeitado e numeroso contingente de salvadores do défice demográfico, repetindo uma outra chegada que ocorreu há perto de quarenta anos.

 

A situação na África do Sul é bastante diferente daquele idílico panorama arco-íris que os media insistem em apresentar como exclusivo. A violência urbana é espantosa e os sectores radicais do partido no poder reclamam pelo fim daquilo a que sugestiva e sintomaticamente designam de transição. Por outras palavras, pretendem a liquidação do processo de reconciliação nacional, a feliz solução que Mandela terá patrocinado. Os catastróficos acontecimentos verificados em todos os países fronteiriços da África do Sul, aconselhou a uma prudente rejeição do modelo "tudo ou nada" implementado em Moçambique e em Angola e numa apressada segunda fase do processo pós-independência, no Zimbabué-Rodésia. O resultado foi aquele que se previa e não merecerá a pena apresentarmos números que confirmam o desastre de norte a sul e de este a oeste. Estados fracassados e onde imperam os mais despóticos e  ineptos regimes cleptocráticos, apenas sobrevivem mercê dos importantes recursos que a natureza propicia. A África do Sul durante anos beneficiou do fluxo migratório de muitos daqueles que tendo vivido perto das suas fronteiras, neste país encontraram o destino final da sua permanência no continente. 

 

Quantos portugueses e luso-descendentes vivem no extremo sul de África? Os números são díspares, mas sem dúvida importantes e potencialmente aterradores para o Estado português. A situação interna tem evoluído negativamente. Os centros urbanos, outrora razoavelmente seguros, são pasto da mais violenta criminalidade imaginável e nas zonas rurais, o exemplo rodesiano também parece ter alastrado para sul, ocorrendo todo o tipo de abusos e depredações exercidas sobre fazendeiros brancos e respectivas propriedades. 

 

É desejável que tudo ocorra normalmente, evitando-se confrontos e êxodos, mas a realidade parece perpectivar algo de muito diferente. A incógnita do marco do cada vez mais próximo desaparecimento físico de Mandela, não se prende com esta ou aquela alteração nas instituições que conformam a África do Sul pós-apartheid, colocando-se já como uma certeza, a indesejável possibilidade da formalização de um racismo revanchista como norma. O afastamento dos brancos dos cargos públicos, o cerceamento dos direitos de representatividade que até hoje têm sido constitucionalmente garantidos, a expropriação extensiva da propriedade e a impunidade da violência a que os tribunais não podem dar a devida resposta, surgem como declaradas e bem sonoras reivindicações dos sucessores da geração de Mbeki.  O fim do mandato de Zuma, cuja escandalosa impreparação é demasiadamente evidente, poderá significar o liquidar do ansiosamente esperado sucesso da ainda muito recente sociedade multirracial. A insegurança fez disparar os índices de pobreza -  muitas fazendas foram abandonadas, o comércio e a indústria definham - e aquilo que outrora era apontado ao governo da minoria, pode hoje ser atribuído como disfarçada cópia às autoridades formalmente responsáveis pela manutenção da ordem nas ruas e nos locais de trabalho. Muita gente tem saído do país num silencioso e discreto processo de abandono, na Austrália e América procurando refazer a sua vida. Os portugueses, rotineiramente atingidos pela vaga de crimes, não serão excepção. Na sua maioria pretenderão permanecer em África e decerto acalentarão a esperança de um inverter da espiral a que têm assistido. Portugal terá todo o interesse de manter uma presença, digamos, física, naquelas paragens, colmatando a perda de influência abruptamente interrompida em 1975.

 

Moçambique é um país vizinho e onde uma certa calma - muito diferente daquela que existiu até 1974 - ainda poderá acalentar algumas ilusões quanto a um fazer de novo, um recomeçar. Neste caso, muitos portugueses possuem bens e aptidões capazes de trazerem o desenvolvimento a muitos sectores que estiolaram após 25 de Junho de 1975, mas o problema político, aliás confirmado pelos círculos próximos do partido no poder, apontam para um certo anti-portuguesismo que não se verificando de forma grave junto da população negra, é evidente em alguns órgãos da informação, habituais correias de transmissão do regime. Os insucessos da situação presente são sempre apontadas como responsabilidade do passado, também se obliterando aquilo que já existiu e terá desaparecido pela falta de quadros - escorraçados pelo regime implantado por S. Machel - e total desinteresse pela manutenção de serviços outrora considerados essenciais. A verdade é que no afã de garantirem privilégios jamais sonhados, as cúpulas dos poderes vigentes em quase todos os Estados sub-saharianos, têm sido coerentes nos extensivos esquemas de apropriação dos recursos, para isso eternizando-se no exercício da autoridade: Os Congos, o Gabão, a Guiné Equatorial, a Tanzânia, o Uganda, Ruanda e Burundi, a Zâmbia, Quénia, Malawi e Tanzânia, somam-se aos já apontados exemplos surgidos na década de setenta. 

 

Portugal deverá estar preparado para qualquer eventualidade, gizando atempados programas de emergência. Para isso, deverá estabelecer os necessários contactos com grupos organizados de luso-descendentes, também dotando a nossa representação com quadros capazes de estudarem os problemas que se apresentam, encontrando soluções para os mesmos.

 

Está-nos totalmente vedado o enfrentar de outra ignomínia como aquela ocorrida durante o PREC.

 

O portugueses da África do Sul são industriosos, muitos deles possuem recursos próprios e capazes de trazer claros benefícios à nossa economia e tão importante como isto, poderão oferecer alguma segurança à solvência do Estado Social e ao sempre sibilinamente mencionado défice demográfico. Há que atrair os investimentos, facilitar procedimentos legais - burocracia, impostos, justiça -, oferecer perspectivas de actividades empresariais e garantias de segurança.

 

Serão inevitáveis algumas alterações no mapa político português, quanto a este aspecto não existirão quaisquer dúvidas. Será este um dos maiores problemas, dado o que se sabe sobre o pendor caciquista da nossa política e a apropriação da mesma por bem conhecidos círculos que dela reivindicam o exclusivo exercício. Os agentes políticos nacionais que estão conscientes da realidade da situação da nossa comunidade na África do Sul, disto poderão ter algum receio, adiando indefinidamente os planos de contingência que parecem estar a tornar-se cada vez mais urgentes. Este é um perigo que o normalizado laxismo oportunista que tanto pesa sobre a tomada de decisões, poderá desastrosamente implicar a repetição de uma nova desgraça, neste caso, um Processo "Retornados" II. 

 

Há que estarmos preparados para o que poderá acontecer. A morte de Mandela será apenas uma simbólica abertura formal de uma potencial escalada mugabizante da política sul-africana. Os boer - hoje muito empobrecidos, marginalizados e alvos de uma violência como ainda há poucos anos jamais poderíamos prever -, encontram-se numa situação infinitamente mais perigosa que aquela reservada aos nossos concidadãos a quem Portugal não poderá deixar de prestar, no seu próprio interesse, uma total e competente assistência. 

 

O tempo urge. Não se trata de generosidade, mas sim de uma obrigação nacional. 

publicado às 09:29







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