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Se eu tivesse de eleger o vencedor absoluto das autárquicas, esse homem seria, sem margem para dúvida, Rui Moreira. As suas primeiras frases de declaração de vitória não servem apenas a cidade do Porto, devem servir o país: "pela primeira vez, o partido que venceu na cidade foi o Porto". Esta simples linha política é mais do que um mero chavão de ocasião e não será esquecida tão facilmente. A afirmação - uma espécie de primeiro tijolo do processo político -, tem implicações para a totalidade do território. É um aviso sério à navegação partidária dos compinchas e um estímulo para todos os movimentos alternativos ou independentes. Portugal viu nascer um político com um sistema operativo totalmente novo - não é um upgrade de um modelo já existente no mercado. É um design original com a folha limpa, com futuro pela frente e sem passado duvidoso. Os detractores e delatores da bola, invocaram desde o primeiro minuto dos festejos do independente Moreira, que este representava uma mera extensão figurada do CDS, como se este fosse uma marioneta ao serviço dos centristas. Mas não se trata disso. Rui Moreira tem o seu quadro-base de valores, mas soube afastar-se da catequese doutrinária para granjear a confiança da sociedade civil. Em duas penadas de inteligência demonstrou que é o extremo oposto de Seguro - é competente e sabe transmití-lo -, e ao fazê-lo inspira confiança muito para além da cidade do Porto. Penso que estamos diante de alguém com carisma suficiente para servir Portugal de um modo muito mais substantivo. Ainda bem que não tem percurso político. Ainda bem que não é um notável recauchutado de um município para o seguinte, de um partido para outro. Nos próximos dias seremos surpreendidos com a inclusão na sua equipa de indivíduos sem cadastro político mas com perfil adequado para servir um Porto em crise, um Portugal em descalabro. Se Costa foi o vencedor incontestado de Lisboa, Moreira será mais do que um "simples" vencedor do Porto. Será, se assim o desejar, o embaixador de um Portugal que quer acreditar no futuro. Os socialistas que cantam vitória em todas as categorias, assentam a sua existência numa matriz de apoio tradicional que conhece os seus limites e define a sua doutrina com muita convicção e auto-suficiência. Rui Moreira, que não é partido e não é nada, apenas depende de si, mas já declarou que irá incluir uma panóplia de protagonistas para atingir os objectivos da sua missão. E é aqui que reside a sua vantagem. Os outros, os partidos, têm valores de referência e notáveis, mas que deixaram de o ser de um modo inequívoco. O movimento dos indignados e os protestos de rua não estão necessariamente por detrás de Rui Moreira, mas têm uma quota importante de responsabilidade na sua eleição. Agitaram as águas políticas e alertaram para a corrosão dos partidos políticos. Mas Moreira fez o que fez, sem se aproveitar de marchas por avenidas com aliados ou por alamedas da liberdade. Foi suave e inteligente, sabendo interpretar o mood social e político dos portuenses. Neste caso em particular, foi o Porto a centralidade da sua acção, mas o que invocou serve um manifesto geral. Lentamente começamos a vislumbrar uma nova disposição política em Portugal. Não sei se Costa aguenta os quatro anos de mandato que a população de Lisboa lhe conferiu, mas terá seriamente de pensar nas agruras que um dirigente como Seguro pode trazer. Moreira, sem o desejar, é uma pedra no sapato de Seguro, por demonstrar de um modo abismal que há certas pessoas que parecem ter nascido para a política e outras não. Contudo, como já havia referido antes, os resultados das autárquicas não desequilibram as contas da troika nem servem para afastar a expressão dos juros da dívida. A vida negra decorrerá debaixo das mesmas nuvens de contrariedades. Mas o que aconteceu no Porto é de aproveitar. É uma tocha à entrada do túnel. A contagem dos votos ainda decorre, mas podemos afirmar de um modo paradoxal, que nada e tudo mudou em Portugal. No Porto e quem sabe nos arredores.
Até que o sol não brilhe, acendamos uma vela na escuridão.
Confúcio