Paulo, não sejas faccioso. Uma monarquia também pode ser um verdadeiro colete de forças e, por definição, até tem muito mais probabilidades de sê-lo. O defeito não está na essência da democracia mas na prática que dela fazemos. A democracia é um regime perigoso para a nossa índole conformista? Talvez, mas qualquer outro mais fechado não o será menos.
Ana uma monarquia absolutista, coisa que seria impensável nos nossos dias, essa sim é um verdadeiro colete de forças. Uma monarquia liberal, constitucional, parlamentar, como o são as monarquias europeias ou o foi a nossa monarquia desde 1834, são por definição mais democráticas do que um regime republicano onde os partidos esgotam o Estado simplesmente porque o rei e a eventual 2.ª câmara difundem o poder e geram uma dinâmica de checks and balances que impede tiques autoritários. Basta olhar para as monarquias europeias vigentes e depois cruzar com os índices relativos à qualidade da democracia nos diversos países. Por alguma razão aparecemos sempre nos últimos lugares...
Tinha deixado aqui um comentário que não apareceu... o que dizia é que tenho, pelos vistos, muito a aprender sobre monarquias, Samuel.
Admito que as modernas monarquias europeias têm demonstrado ser regimes equilibrados e flexíveis, até porque têm um parlamento com poder executivo, que as regula e "tempera". Mas se são assim é porque se aproximaram da democracia, ou estou enganada?
Seja como for, o que eu queria dizer ao Paulo é que não é justo culpar a essência da democracia, o mal está (em relação ao nosso país, pelo menos) em sermos um povo abúlico e demissionário na aplicação e no uso da nossa liberdade.
Ana mas não há uma dialética entre democracia e monarquia, como por exemplo me recordo que Fernanda Câncio há cerca de um ano atrás fazia passar, dizendo que a democracia está associada ao conceito de república, o que é um erro crasso. A democracia moderna começou precisamente numa monarquia (Grã-Bretanha). A democracia em Portugal foi o liberalismo de D. Pedro IV e demais liberais oitocentistas que a trouxeram a Portugal e foi a I República e o Estado Novo que representaram o rompimento com a democracia em Portugal. Ainda assim, claro que sim, foram as monarquias que se aproximaram do conceito moderno de democracia, até porque praticamente todos os regimes eram monarquias, só a França e a Suíça não o eram quando se dá a implantação da I República.
Será então um erro crasso, e nunca tinha pensado nisso por esse prisma. Instintivamente associo a democracia à república e nunca à monarquia, possivelmente pela impossibilidade de eleição livre dos governantes, que a sucessão monárquica impõe. E que é, já agora, o meu principal óbice quanto à monarquia.
Ana mas isso acontece quando o monarca é efectivamente governante, ou seja, em monarquias absolutistas que na Europa há muito deixaram de existir. O problema é mesmo esse, é as pessoas associarem democracia a república (quando a I República era tudo menos democrática, especialmente se comparada com o regime anterior), e associarem a monarquia ao absolutismo quando a nossa monarquia desde 1834 que foi uma monarquia constitucional, parlamentarista, liberal, ou seja, o conceito moderno de monarquia. No conceito moderno de monarquia o monarca não é governante, é um símbolo da unidade da nação com poderes muito limitados, um chefe de estado preparado especialmente para tal que carrega o ónus da História da nação que representa, representando-a melhor do que qualquer presidente o possa fazer (é eleito por apenas parte do eleitorado, está dependente de muitos interesses instalados e comprometido porque já fez parte do jogo da politiquice, coisa que o monarca está impedido de fazer). Os governantes, quem tem efectivamente o poder, são eleitos, são os governos, deputados, senadores (ou o que exista, se existir, enquanto 2.ª câmara do parlamento). Se assim não fosse Ana acha que o regime britânico ou as demais monarquias europeias eram sustentáveis? E sem esquecer que as suas democracias são bem mais saudáveis que a nossa...
Caro Samuel, assim de repente ocorre-me dizer que a parte do eleitorado que elege um presidente é, apesar de tudo, maior do que aquela que elege um rei... a sua própria família! Nada tenho a opor ao papel do rei como símbolo da unidade da nação e seu representante. Mas se o rei for completamente esvaziado de poder e só lhe restar um papel simbólico, então não estamos a falar de uma alternativa mas de uma coabitação entre monarquia e outro qualquer regime que se ocupe da governação. Ou seja, a monarquia não constitui uma verdadeira alternativa, é apenas um parceiro... certo?
Se formos aos ensinamentos de Cícero rapidamente nos apercebemos que os melhores regimes são os regimes mistos onde se geram contrapoderes. Na prática, em Portugal há um regime tripartido: monarquia enquanto elemento simbólico e chefia de estado (presidência da república), democracia (primeiro-ministro e governo) e aristocracia (deputados, magistrados). E também na prática, alguém tem a ilusão que qualquer um pode ser Presidente da República? O eleitorado só escolhe à priori, e mesmo assim...E na prática, podemos inventar todas as formas mas a substância será a mesma em todas as democracias liberais ocidentais: o primado do executivo. E é ao executivo que cabe essencialmente a governação, seja em regimes republicanos ou monárquicos. Mas o poder de influência e defesa dos interesses da nação que um Rei pressupõe é muito maior que o de um Presidente da República, pelo que as próprias instituições monárquicas são perpassadas por um sentido de estado que a república nunca conseguirá incutir. E isso em si, é para mim uma alternativa. Em monarquia liberal a governação nunca coube ao Rei. É que se se vir apenas como alternativa o conceito de monarquia absolutista, então eu terei obrigatoriamente que deixar de ser monárquico.
Oh, Samuel, tenho muita dificuldade em ver no nosso Cavaco a figura de um rei (a não ser em forma de bolo...), e ainda maior dificuldade em ver aristocratas nos míseros deputados que nos "representam", com as atitudes pouco nobres a que assistimos todos os dias...
Mas esta minha apreciação foi um fait divers, claro. Brincadeira, embora meio a sério. Voltando ao tema, não concordo inteiramente consigo: depende muito do rei ou do presidente a capacidade de influência no exterior e a qualidade da representação do seu país... não é o regime que lhe dará essa faculdade se ele não estiver à altura do papel, seja ele um ou outro.