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A "Otelaria" milionária

por Nuno Castelo-Branco, em 24.04.09

 

 

 Não o considero propriamente um "romântico" e, como pessimista empedernido, recuso uma visão romântica da história e, em especial, de Otelo. As FP-25, os negócios com Angola etc., etc. afastam qualquer tipo de "romantismo". Percebo que "camaradas de armas" o tivessem defendido enquanto tal. Isso, porém, não absolve Otelo de nada. Nem como homem, nem como o "herói nacional" que, em boa hora, a história que ele queria montar devolveu à procedência.

 

Portugal é um país onde o insólito se reveste de normalidade. O infeliz caso Otelo que teve agora como pretexto uma promoção para o periódico regresso ao palco do teatro de guignol em que a política nacional se transformou, é exemplar.

 

É uma certeza absoluta o facto de se lhe apontarem as qualidades organizadoras que ditaram o sucesso do golpe de Estado de 25 de Abril de 1974, compreendendo-se desta forma, a eterna gratidão daqueles que sucessivamente se vão revezando na cúpula do poder deste regime.  Nada temos a contestar, porque os factos falam por si.

 

Na vida dos povos, existem momentos em que um punhado de homens é capaz de façanhas que o bom senso desaconselharia, mas que beneficiando de uma por vezes fortuita conjuntura, ditam o sucesso de  uma iniciativa. Assim aconteceu em 1383, no 1º de Dezembro de 1640 e até no 3-5 de Outubro de 1910. A vitória surgiu devido a múltiplos factores, entre os quais o bafejar da sorte faz desabar o campo adversário, entorpecido pelo desmazelo perante o dever ou pela inércia da vontade. 

 

Otelo é um caso típico do aventureiro sem preparação que beneficiou daqueles raros momentos em que a liquidação de um estado de coisas, propicia uma até então improvável ascensão ao lugar cimeiro. A esquerda tem esse inegável talento para revestir o absurdo e o grotesco, com aquela aceitabilidade ditada pelo latente sentimentalismo das gentes simples que esquecidas de exorcismos, pagamento de promessas ou dolorosos rastejares pela fé, estão sempre dispostas a encontrar  "um homem simples e bom como nós". Esses homens bons e simples como todos os outros, têm dos negócios públicos aquela limitada visão imediatista das coisas, vogando ao sabor do momento e sobretudo, da inebriante experiência de pela primeira - e talvez derradeira - vez na vida, se sentirem no topo do mundo. Delegações que de longe os vêem saudar, cançonetas onde o seu nome é invocado, fotos distribuídas à guisa de piedosos ex-votos, dão-lhes aquela sensação de poder que finalmente poderá por si só, simplificar a vida de toda uma comunidade. Estes condottieri da época da televisão, são de tudo capazes. Reivindicando a condição de libertadores, desde cedo iniciam a perseguição a inimigos que apenas existem nas suas perturbadas mentes onde já se instalou aquela mania das grandezas que acabará por os perder. É a constante necessidade da fuga em frente, de fazer o outro sentir-se ameaçado por quem sendo tão perigoso, consegue o dom da invisibilidade. Passa-se então rapidamente para a fase das listas em branco onde o capricho ou a maldade vão inscrevendo nomes ao acaso, muitas das vezes pertencentes  a infelizes que sem o suspeitar, devem pagar agora velhas e esquecidas contas de pequenas ninharias. Chega o tempo dos espancamentos em pleno pátio da sede do novo poder militarizado, onde garotos de partidos "inimigos do povo" são regados com mangueiras de jardim, após o que, sofrem na carne  o espancamento ritual demonstrativo da coragem e força de quem manda.

Num plano mais elevado - o das decisões inadiáveis -, os novos iluminados podem tomar o lugar de Estado numa conferência, onde a vida e a morte de milhões é decidida sem um pestanejar ou uma hesitação que pelo menos indicasse uma réstia de humanidade ou compreensão pelo direito dos outros. Não. Julgam-se infalíveis e novos Salomões cujo ditado reflecte o novo querer de uma História que nem sequer começaram a conhecer. Com uma simples assinatura, liquidam séculos, destroem comunidades e afinidades que o tempo consagrou. Pouco se lhes importa que exista o sofrimento real, evidente nos rostos desesperados de quem num sempre curto momento, deve ser o bode expiatório que justifica a simples incúria, estupidez ou brutal crime.

 

A glória é transitória e o turbilhão que engole impérios e povos, inevitavelmente cria polos de oposição geralmente formada por aqueles que melhor preparados, sabem que o poder  lhes pertence pelo direito que deriva sobretudo, da melhor qualificação que os simples lhes  reconhecem.

Os impostores messias, alquebrados pelo revés de um trajecto para a imortalidade que julgavam garantido, optam pelos ínvios caminhos da conspiração que agrega todo o tipo de gente de mente retorcida e pronta para todos os excessos vingadores do seu derrotado projecto de domínio sobre os demais. É a época da eliminação física do inimigo até então anónimo, pouco importando se existe qualquer tipo de culpa - mesmo ideológica - ou verosimilhança de imputada ameaça. Se numa explosão ficar despedaçada uma criança, tal justificar-se-á com um argumento de condição de classe.  Se uma família se vir para sempre privada daquele que lhe dava o sustento, esse é o preço a pagar pelo mais alto interesse de um colectivo que apenas existe na imaginação de uma meia dúzia de loucos homicidas. Crimes de lesa-pátria ou de sangue, são apenas meros recursos ditados pela momentânea e justificada necessidade.

 

Na Alemanha, um grupo terrorista como o Baader-Meinhof tem como fatal destino, a espera pelo fim da passagem dos seus membros pela Terra, dentro de estreitas celas prisionais, onde o silêncio e a frugalidade do dia a dia, são a contrapartida que a decência do "inimigo" lhes oferece, preservando contudo a vida daqueles que tantos outros mataram. 

 

Em Portugal, encontra-se sempre um rasto de nojo romântico que nos conduz ao aparentemente regenerado malfeitor. Pode assim negociar à vontade, fazer a sua nem sempre anónima vidinha de classe média e ainda uma vez por ano, sorver a plenos pulmões, aquele oxigénio que noutros tempos lhe deu a ilusão de imaginada grandeza. É esta a pequenez de quem tão injustamente decide, em prejuízo da honorabilidade de uma nação inteira. Ontem foi Otelo, mas o futuro poderá reservar-nos um outro tolo com veleidades a Macbeth.


Ouçam com atenção a conversa destes patriotas de conferência hoteleira. Vale a pena.

publicado às 17:16


4 comentários

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De LUIS BARATA a 24.04.2009 às 18:54

Não há pachorra para o "coronel" Otelo, que ouvi hoje de manhã entrevistado na TSF a misturar ópera, Tarrafal e muitos épás.
Porque no te callas?
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De João Pedro a 25.04.2009 às 00:25

«A esquerda tem esse inegável talento para revestir o absurdo e o grotesco, com aquela aceitabilidade ditada pelo latente sentimentalismo das gentes simples que esquecidas de exorcismos, pagamento de promessas ou dolorosos rastejares pela fé, estão sempre dispostas a encontrar "um homem simples e bom como nós". »

Por acaso não acho que seja só a esquerda, Nuno, e aqui estou-me a lembrar de alguns conservadores americanos e do caso de Sarah Palin, que era também tida como uma "mulher simples", coisa muito empolada entre o "republicanismo "profundo" (americano, bem entendido).

Quanto a Otelo, não estou certo, mas já ouvi dizer que carregou a urna de Salazar com lágrimas nos olhos. Se é para santificar os "heróis de Abril". ao menos que se lembrem do Salgueiro Maia, que esse deu o peito às balas quando os outros estavam refugiados na amadora.
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De Nuno Castelo-Branco a 25.04.2009 às 13:03

Pode incluir a direita, João Pedro: é tudo "vinho da mesma pipa".
Quanto ao Salgueiro Maia, apenas uma questão: quais balas?
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De João Pedro a 26.04.2009 às 16:06

O Salgueiro arriscou-se mesmo a apanhar um balázio, directamente para ele ou num fogo cruzado. Teve a coragem de dar a cara no terreno (não só ele, mas sobretudo ele), e a sorte das coisas se passarem de forma pacífica. Os que estavam no "posto de comando" se a coisa desse para o torto, fugiriam, ou na pior das hipóteses, eram presos. Para mais, nunca veio posteriormente armar-se em "herói nacional" ou em dono da revolução.

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