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Penso, imodestamente, que devemos olhar para o big picture e não tropeçarmos em simplificações ideológicas ou nacionalistas. O que decorre na Catalunha transcende a noção de legitimidade constitucional do referendo. Assistimos, um pouco por toda a Europa, a níveis de insatisfação económica e social das populações que depositaram grande fé política nas decisões de administrações centrais. Quer Madrid quer a União Europeia das Comissões e Parlamentos, dos regulamentos ou dos fundos estruturais, não foram capazes de interpretar os anseios das suas gentes. A Catalunha tem sido um contribuinte importante para o erário público de Espanha e, decorrente desse facto, esperava mais retorno do investimento político realizado. Observamos um evento que poderá ser designado por um "processo de descolonização". O império espanhol é composto por regiões que reclamam historicamente a sua independência e, à luz dessas mesmas considerações, a "luta armada" a que assistimos hoje (e os feridos resultantes da mesma), fazem parte do mesmo esquema de sucessão colonial - existem semelhanças entre os processos de separação que são flagrantes. E nem é preciso viajar a África ou à América Latina. A ex-Jugoslávia também havia empacotado no seu "Estado" um conjunto de nações e culturas dissonantes, uma lista de línguas maternas e um rol de dissidências internas de natureza política, social, económica e étnica. A repressão policial de Madrid, conduzida em nome da legalidade constitucional do referendo, servirá apenas para agudizar as posições, distanciar ainda mais aqueles que fazem fé da independência da Catalunha daqueles que desejam (a qualquer custo) a união de Espanha. Quando a violência eclode deixa de haver grande margem para um regresso saudável à mesa de negociações. Passam a valer ferramentas de toda a ordem. Não nos esqueçamos dos danos causados pela luta "por outros meios" da ETA - o terrorismo e as mortes violentas. O governo de Madrid enfrenta deste modo alguns dilemas existenciais. Remete o cidadão trans-regional para os tempos de censura e repressão de Franco e ao mesmo tempo promove a luta política (por outros meios) dos independentistas. Tinha a intenção de me afastar de considerações de ordem ideológica, mas não resisto à tentação. Estranho, de um modo visceral, que a Esquerda não esteja alinhada com a luta de um povo que reclama para si elementos absolutamente lineares; a possibilidade de escolher o seu destino enquanto aglutinador dos vectores nação, território, língua e poder político. A Espanha está em apuros, mas não será a única. Os factores de desagregação do conceito de união estão em alta. Foram muitos erros cometidos em Espanha, mas também na União Europeia. Não chamemos nacionalismo a esta manifestação de vontade. Essa é a arrumação clássica, fundamentalista, daqueles que não compreendem como nascem Estados e como findam impérios.