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A propósito do caso Raríssimas

por Samuel de Paiva Pires, em 14.12.17

Não deixa de ser curioso observar que, para muitos, o problema não se coloca apenas nos planos ético, legal ou político, mas sim, e sobretudo, no que diz respeito às origens sociais da fundadora e presidente da associação. Parece que o nepotismo e a corrupção, desde que praticados pelas pessoas certas, ou seja, de determinadas origens sociais e/ou familiares, são desculpáveis ou, pelo menos, a sua crítica não vem acompanhada de qualquer juízo acerca das origens sociais dos seus praticantes. Já uma "suburbana de Loures que começou a vida a vender jornais num quiosque" e que ainda teve o desplante de colocar um "e" entre os seus apelidos de forma a tornar o seu nome mais sonante (o que só mostra que percebeu bem a sociedade em que vivemos), não poderia nunca apropriar-se de fundos públicos de forma indevida sem ser, logo que descoberta, escorraçada como se tivesse peste bubónica. 

 

Isto, aliás, constitui quase uma lei que qualquer português de origens humildes ou de classe média que ascenda socialmente deve ter em mente: os que nascem no seio de uma família sem poder político ou económico ou privilégios sociais ligados a uma determinada classe têm de ser moralmente impolutos, sob pena de caírem em desgraça se se descobrir que incorreram numa prática eticamente duvidosa e/ou ilegal. 

 

Não quero com isto defender seja quem for, justificar seja o que for. Limito-me a observar uma característica transversal a muitos portugueses. Provavelmente, alguns, noutros tempos, fariam sempre questão de salientar que Cavaco Silva era "o filho do gasolineiro de Boliqueime." Outros, talvez ainda não se tenham refeito do choque com a desgraça em que caiu Ricardo Salgado, certamente uma vítima de circunstâncias excepcionais e nunca um ladrão sem escrúpulos que destruiu a vida a milhares de pessoas, a quem, ainda por cima, um Primeiro-Ministo sem pergaminhos de classe e que vivia e vive em Massamá ousou recusar ajuda. Não será, aliás, por acaso, que certas pessoas não só nunca se esquecem de sublinhar que Passos Coelho vive em Massamá - porque nas suas mentes parolas, quem tem um papel social de relevo e não vive na Lapa, Campo de Ourique, Estrela, Roma, Cascais ou Foz deveria ser um pária -, como criticam o ex-Primeiro-Ministro do PSD pelo caso Tecnoforma enquanto simultaneamente continuam a defender José Sócrates - embora isto também seja reflexo da clubite aguda aplicada à política. 

 

Ainda que, parafraseando Orwell, reconheça que alguns são mais iguais que outros - e isto é assim em Portugal como em qualquer outra sociedade, por mais igualitária que seja -, nem por isso a manifestação especificamente portuguesa deste traço de neo-feudalismo deixa de me parecer particularmente lamentável.

publicado às 23:32


1 comentário

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De Anónimo a 15.12.2017 às 19:27

no governo social-fascista existem várias famílias dependentes dos contribuintes privados
ss, mai, cezarzinho, zurrinho


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