Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Tinha cerca de oito anos quando fui pela primeira vez a Fátima, com um grupo de catequese, a bordo de um autocarro, com uma mochila cheia de comida e algum dinheiro para recordações. Não trouxe de lá nada de relevante, excepto as recordações que era suposto trazer. Depois disso, fui a Fátima praticamente todos os anos, e de lá já não trazia nem lembranças. A adolescência é a adolescência: a idade em que se acredita em tudo, ou em que não se acredita em nada. Eu preferi a segunda. Lembro-me de, ainda criança, me emocionar na missa. De olhar para o Cristo crucificado e ver Nele o homem que tinha morrido por todos nós – incluindo por mim. Com a adolescência, além de ter perdido a capacidade de me emocionar na missa, perdi a esperança na Igreja, em Deus, nos homens. Não sei se não cheguei a perder a esperança em mim, ao contrário do Cristo crucificado que anos antes me fazia chorar. Não me sinto menos católico por isto. Por ter duvidado, por ter sido herege, por ter pecado inúmeras vezes, por não querer saber. Voltei a abrir o coração para Deus, arrependi-me e, em consequência da minha natureza humana, continuei a pecar e a arrepender-me. Ao longo de todos estes anos nunca deixei de olhar com curiosidade e admiração para os peregrinos de Fátima, para todos aqueles que, de joelhos, rezavam à volta da Capelinha das Aparições, dando voltas sem cessar. Hoje volto a vê-los com os meus olhos. Os olhos de quem peca, de quem sofre, de quem tem esperança, de quem tem fé. Os olhos de quem não está sozinho. Haverá muitos motivos que levam as pessoas a Fátima. Haverá até muitos motivos que levam as pessoas a ter fé. Ou muitas razões que levam as pessoas a gostar do Papa Francisco. Há quem olhe para Nossa Senhora, para Cristo, para Deus, como uma superstição, uma fezada. Há, de certeza, muito desespero e uma grande necessidade de sentir que não se está sozinho. Através de Maria chegamos a Cristo; no silêncio do Santuário está também o silêncio de Deus que acompanha quem ali vai. Nestes dias, tenho notado nas elites urbanas algum incómodo com as celebrações do centenário das aparições. A esquerda ateia, claro, não as tolera porque não tolera nada. A direita ateia também não gosta porque vê nas celebrações o comunitarismo e a solidariedade que o seu egocentrismo e o seu individualismo desprezam – e a emoção e a espiritualidade que acham perfeitamente substituível por dinheiro, procurando socialismo em tudo o que não percebe. E alguma direita beata – cheia de jejuns e missas e nojo por quem não tem vinte valores no quadro de honra da perfeição moral – não perde tempo a criticar tudo o que tem envolvido as celebrações porque tem a raiva ao Papa Francisco que os fariseus tinham a Cristo. Os portugueses, ricos ou pobres, mais ou menos instruídos, estão em Fátima, física ou espiritualmente. Estão a emocionar-se juntos, a dar as mãos, a arrepender-se. Com a consciência de que todos somos pecadores, lado a lado com um Papa que nos acolhe a todos sem distinção. Cem anos depois, Fátima resiste: não por causa das lembranças que de lá trouxe um dia, mas porque eu, e muitos, a temos no coração. Deixem-nos em paz.