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Do pato-bravismo

por Nuno Gonçalo Poças, em 14.03.18

O novo-rico é o primeiro rico da família e, ao contrário dos velhos-ricos, sabe bem que foi ele o primeiro não-pobre da sua casa. Aprecia que o tratem por doutor ou por engenheiro, mesmo quando não é doutor nem engenheiro. O novo-rico gosta de carros, relógios e sapatos, geralmente mais feios que bonitos e, quando não gosta, é pelo menos apreciador de mandar toda a gente à merda porque o dinheiro permite mandar à merda como nenhuma outra coisa no mundo. Acham os novos-ricos, como os pequenos-novos-ricos (um género de novo-rico que, já não sendo pobre, não deixa de viver uns degraus acima dos velhos-pobres lá de casa), que na vida tudo se compra e que o que conta é ser mais rico para comprar mais coisas. Portugal investiu muito no novo-riquismo, mesmo contra algumas vontades mais adeptas da velha-pobreza. A direita dos patos bravos viu no novo-riquismo o sucesso do País. A esquerda operária não os suporta, apesar de desejar todos os dias vir a pertencer ao clube dos novos-ricos - sendo que, à esquerda, mesmo um novo-rico nunca é um novo-rico, é sempre um intelectual com massa que pede redistribuição só com o dinheiro dos outros patos-bravos. A direita queque nunca suportou os novos-ricos, dos pequenos e médios intelectuais, da ostentação do material, da pouca cultura e da falta de mundo, preferindo os velhos-pobres de que se recorda mais ou menos pela hora das refeições. A esquerda queque detesta, como a sua irmã queque da direita, o novo-riquismo, que lhe rouba protagonismo, mas abomina também o pequeno-novo-riquismo, os tais homens que, não tendo alcançado o nível financeiro de um pato-bravo, sempre conseguiram comprar, com empréstimo a quarenta anos, um T3 nos subúrbios. Na verdade, nunca ninguém quis saber da classe média, na sua generalidade pequena-nova-rica. Uns optaram por olhar para cima e acolher os patos-bravos. Outros olharam mais para cima, e ligeiramente para o lado, recusando a bandalheira que é o novo-riquismo. Outros olharam para baixo e viram na ascensão novo-riquista uma parolada, glorificando quem nada tinha e rezando para que continuasse a nada ter. Este tomatal de novos-ricos durou mais ou menos vinte anos e acabou quando acabou o dinheiro, para agora voltar com ares mais cosmopolitas e mais gourmet. Ao longo destes anos todos, parece-me facilmente constatável que nunca ninguém quis saber da classe média para nada. Ela, a classe média, se se estabilizou, se ganhou mundo e cultura, se estudou e comprou casa, foi porque se esforçou e porque não se deslumbrou, foi porque teve a coragem de ir mais longe e o medo conservador de não ir tão longe assim. A classe média fez por si porque os novos-ricos fizeram mais ainda por eles próprios. Mérito têm todos, pois sim. Mas era fácil de perceber que um País não constrói alicerces nas areias movediças do pato-bravismo. Perceber a crise é também perceber isto.

publicado às 11:16







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