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Não sei em que fase da vida nos podemos dar ao luxo de dizer que ainda somos do tempo em que. Não me sinto nesse direito, apesar de muitas vezes apelar ao meu tempo. No meu tempo isto, no meu tempo aquilo. No meu tempo, com grande probabilidade, aconteciam imensas coisas que se reproduzem, talvez de outras formas, neste tempo que não sendo já o meu, na verdade ainda o é. No meu tempo, por exemplo, ensinavam-nos provérbios. Que devagar se vai ao longe. Que depressa e bem não há quem. Que quem espera sempre alcança. Neste tempo, que é, na verdade, o nosso, já ninguém quer ir longe porque ninguém tem disponibilidade para ir devagar. Neste tempo que é tão nosso, se não há quem consiga depressa e bem, há pressa em encontrar quem o faça. E hoje, afinal, quem espera só se cansa. Começamos nas tarefas diárias, no trabalho, na velocidade dos carros, na rapidez da comunicação. É aqui que ser “do tempo em que” nós dá alguma autoridade moral, mesmo que de autoridade tenha muito pouco e de moral ainda menos. Sou do tempo em que nem toda a gente tinha telefone em casa e muito menos telemóvel. Telefonar a alguém e não obter resposta tinha um só significado: não está em casa. Hoje, se não nos atendem o telemóvel ao segundo toque, o coração palpita. O outro morreu. Ou, pior, o outro não quer falar connosco. Se não nos respondem a um email em cinco minutos, ligamos a pedir respostas e justificações. Atrasamo-nos mais porque estamos a uma mensagem escrita de dizer que estamos atrasados. Saímos mais tarde de casa porque os carros e a sua velocidade compensam o tempo perdido. É tudo cada vez mais rápido, mas temos cada vez menos tempo – e eu estou a tentar fazer com que isto não se pareça com um texto de psicologia reles e barata. O tempo é um recurso escasso, na linguagem dos economistas. O tempo passa a correr. E fico a olhar para o ponteiro dos segundos, na sua lentidão, e um minuto parece uma eternidade. É tudo uma treta. O tempo é escasso, mas não passa a correr. Passamos nós a correr por ele, dirá um treinador mental dos novos tempos que nos fará comer melhor, viver melhor, respirar melhor. Para sermos mais felizes, seja lá isso o que for. Como é que se é feliz a fazer contas, a analisar resultados, sempre preocupado com o sucesso físico e mental, com o sucesso profissional e social? É pouco inteligente, essa coisa da pressa – ou o prazer da velocidade é uma coisa de cretinos, como dizia Nelson Rodrigues. Para quando é que queres isto? Para ontem. Os prazos, as agendas, tudo organizado, tudo controlado com aplicações e plataformas que nos permitem não perder tempo. É que não há tempo a perder, dizem. O raio é que não há. Como é que uma coisa tão luxuosa como o tempo não se deita a perder? Os luxos não são para gozar? Neste tempo, que é o meu e que é o nosso, em que nos queixamos das perdas de tempo, em que lamentamos não saber lidar com a velocidade da comunicação, em que parecemos todos alienados, acelerados, ansiosos, deprimidos, o diabo, o que nos faz falta já não é, como no tempo em que havia tempo, animar a malta. É abrandar a malta.