Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



Sem norte

por Samuel de Paiva Pires, em 30.11.20

Fátima Bonifácio realiza hoje um exercício que tem tanto de intelectualmente desonesto como de revelador. Diz-se uma conservadora liberal burkeana defensora do reformismo gradualista ao mesmo tempo que defende a perturbação da ordem social e política pelo Chega, um partido que, na tipologia de Jaime Nogueira Pinto, em A Direita e as Direitas, anda algures entre a direita revolucionária e a autoritária, esta última uma corrente da direita conservadora. Ainda seguindo JNP, dentro da família conservadora temos uma segunda corrente, a liberal, que é a das Revoluções Atlânticas que nos deram a democracia liberal, a do conservadorismo anglo-saxónico, onde se inclui Burke, e da democracia cristã. Esta corrente é a antítese da direita autoritária, onde pontificam populistas vários. A literatura recente sobre o populismo mostra que o aparecimento deste (seja de esquerda ou de direita) em democracias liberais consolidadas leva invariavelmente à erosão democrática e, no limite, à quebra da ordem demo-liberal que a historiadora defende. A mesma historiadora que não se inibe de aplaudir o Chega pela possibilidade de terraplanar a ordem política vigente. Tamanha confusão e incoerência só é passível de ser compreendida se levarmos em consideração a enésima vez em que alguém da direita protofascista aventa os fantasmas da alegada supremacia da esquerda a que a direita liberal andaria constantemente a tentar agradar. Boa parte da discussão espoletada pelo artigo dos 54 no Público não é intelectualmente séria, porquanto a direita protofascista é informada por percepções e vieses psicológicos que atestam uma tormenta permanente em relação a um papão esquerdista, seja ele do PS, do BE ou do PCP, o que justificaria todos os meios, inclusivamente entendimentos com extremismos à direita, para desalojar a esquerda do poder. É certo que a política não é só racional, tem muito de emoção. Mas assim sendo, ou bem que deixam a teoria política de lado para não incorrerem em contradições várias, ou assumem a filiação na direita revolucionária ou na autoritária para serem intelectualmente coerentes. Foi esta, no fundo, a clareza que defendemos, contra a amálgama patente no artigo de Fátima Bonifácio. De resto, para os que temem o papão, sugiro que, na hora de irem dormir, comecem a deixar uma luz de presença ligada.

publicado às 15:43

Enganos em tempos de coronavírus

por Samuel de Paiva Pires, em 31.03.20

O primeiro engano: a dicotomia entre salvar vidas vs. salvar a economia. Como escreveu há dias Steve Horwitz, os custos económicos são custos humanos e todos os custos humanos têm custos económicos. Qualquer das opções (manter a actividade económica a decorrer normalmente e aumentar o grau de propagação do vírus e os seus efeitos a longo prazo vs. quarentena e distanciamento social com a consequente redução na actividade económica, mas com controlo do vírus e relançamento da actividade económica a curto e médio prazo) tem custos económicos. A política é a arte do possível, pelo que quanto à tomada de decisão sobre políticas públicas, não só a primeira opção é moralmente superior como é também a que, numa análise custo-benefício, provavelmente será menos dispendiosa, segundo dois estudos (este e este) referidos por Cass Sunstein. Como é óbvio, requer um forte pacote estatal de estímulo à economia, que no caso de países detentores de moeda própria é mais fácil e rapidamente implementável, o que me leva ao próximo ponto.

O segundo engano: a ideia de que os países do norte da Europa são muito produtivos e frugais ao passo que os países do sul são pouco produtivos, gastadores e pedintes em relação aos do norte com os “eurobonds” e/ou a impressão de dinheiro pelo BCE. Esta narrativa popular tem feito escola até entre muitos cidadãos de países do sul, sendo visível uma quantidade não-negligenciável dos seus adeptos, muitos deles defensores também da estratégia de salvar a economia em detrimento de vidas humanas aflorada no ponto anterior. Para estes, que no ano de 2020, tendo já passado pela crise do euro, ainda não conseguiram perceber que a União Económica e Monetária tem falhas estruturais conducentes a um funcionamento perverso que privilegia os países do norte e prejudica os do sul, dificilmente haverá salvação. Acresce que o actual choque é simétrico, afecta todos os países, ao contrário do choque assimétrico da crise do euro, típico de uma união monetária com as características que enunciei noutro post. O importante a reter é que percebem tanto de uniões monetárias e política internacional como eu percebo de crochê. Se o país dependesse deles enquanto governantes, morreria boa parte da população e outra grande parte ficaria debilitada, o SNS ficaria arruinado e a retoma económica seria uma miragem à distância de várias décadas.

Na origem destas posições parece-me estar a incapacidade de encarar e lidar com uma problemática que provoca imensas mudanças em tantos sectores das nossas vidas e terá consequências que ainda não conseguimos vislumbrar na sua totalidade e probabilidade, embora não sejam inimagináveis. Muitas empresas irão fechar e muitas deveriam fazê-lo o mais rapidamente possível para não se sobreendividarem e desperdiçarem recursos financeiros e humanos em actividades que não serão viáveis durante bastante tempo (estou a pensar especialmente no sector do turismo), muito provavelmente teremos de nacionalizar empresas de sectores estratégicos (ocorre-me desde logo a TAP), a taxa de desemprego vai disparar, tendo o subsídio de desemprego e as políticas sociais de amparar grande parte da população enquanto esta se reconverte para outros sectores de actividade, não sendo de colocar de lado a possibilidade de implementação de medidas como o Rendimento Básico Incondicional. Quem mais rapidamente se adaptar e transformar em face da mudança, mais depressa conseguirá ultrapassar os efeitos negativos desta.

Já Edmund Burke salientava que “Todos temos de obedecer à grande lei da mudança. É a mais poderosa lei da Natureza, e porventura o meio da sua conservação,” e que “Um estado sem os meios de alguma mudança encontra-se sem os meios da sua conservação”, um eco daqueles ensinamentos de Maquiavel a respeito da capacidade de adaptação do príncipe, de quem afirma ser “preciso que ele tenha um ânimo disposto a virar-se consoante os ventos da fortuna e a variação das coisas lhe mandam.” Como Diogo Pires Aurélio sublinha a propósito da obra do florentino, “O hábito (…) molda uma maneira de agir e, nessa medida, reduz a capacidade de improvisação e adaptação.” E como a política é “por definição uma actividade que se defronta irremediavelmente com a novidade, uma vez que a mudança dos tempos é inevitável: ou se é capaz de os mudar ou há um outro que os muda, ou se triunfa ou se perde.”

Nos tempos relativamente estáveis das últimas décadas, se quiserem, de normalidade, com mudanças relativamente moderadas, a economia tomou precedência sobre a política. Mas não vivemos tempos normais e os quadros mentais da cartilha neo-liberal não servem para estes tempos. E saliento a palavra cartilha, porque os nossos aprendizes de neo-liberais deviam ler mais um dos pais do neo-liberalismo, Friedrich Hayek, de cujo Law, Legislation and Liberty deixo um excerto:

The basic principle of a free society, that the coercive powers of government are restricted to the enforcement of universal rules of just conduct, and cannot be used for the achievement of particular purposes, though essential to the normal working of such a society, may yet have to be temporarily suspended when the long-run preservation of that order is itself threatened. Though normally the individuals need be concerned only with their own concrete aims, and in pursuing them will best serve the common welfare, there may temporarily arise circumstances when the preservation of the overall order becomes the overruling common purpose, and when in consequence the spontaneous order, on a local or national scale, must for a time be converted into an organization. When an external enemy threatens, when rebellion or lawless violence has broken out, or a natural catastrophe requires quick action by whatever means can be secured, powers of compulsory organization, which normally nobody possesses, must be granted to somebody. Like an animal in flight from mortal danger society may in such situations have to suspend temporarily even vital functions on which in the long run its existence depends if it is to escape destruction.

publicado às 20:50

In Memoriam - Sir Roger Scruton (1944-2020)

por Samuel de Paiva Pires, em 12.01.20

roger-scruton.jpg

Há 8 anos tive o privilégio de assistir a uma conferência de Sir Roger Scruton, em Lisboa, dedicada essencialmente à temática do Estado-nação como resposta às crises que vamos vivendo e em que o filósofo britânico não deixou de tecer críticas ao processo de integração europeia, um tema recorrente nas suas reflexões e a que dedicou parte de um dos livros que mais o deu a conhecer em Portugal, As Vantagens do Pessimismo. Diria até que se Nigel Farage, Boris Johnson e Dominic Cummings foram os principais artífices do Brexit na praxis política, Scruton terá sido quem mais fez por esta causa no plano das ideias, especialmente atendendo à sua apaixonada defesa de uma certa ideia de Inglaterra que tantas vezes lhe causou dissabores ao longo da sua tumultuosa carreira académica. Da conferência em Lisboa, guardo a memória não só do seu brilhantismo intelectual, mas da sua simpatia e genuíno gosto pelo debate de ideias, numa tarde em que se dispôs a partilhar as suas reflexões com uma dúzia de académicos portugueses, alguns dos quais, aliás, se têm dedicado a estudar o seu pensamento - como é, de resto, o meu caso, figurando Scruton como um dos autores conservadores cujas ideias sobre os conceitos de tradição, razão e mudança analisei na minha tese de doutoramento.

Tratando-se de um herdeiro de Burke e de Hegel, de um crítico do liberalismo mas que coincide parcialmente com autores como Hayek (outro herdeiro de Burke) no que à teoria social concerne, Scruton é um dos pensadores contemporâneos responsáveis por desconstruir o mito de que ser conservador é igual a ser-se imobilista. Só um incauto poderia ser surpreendido pela sua afirmação tipicamente burkeana, em How to be a Conservative, de que o “desejo de conservar é compatível com toda a forma de mudança, desde que a mudança também seja continuidade”. Dificilmente se pode concordar com tudo no seu pensamento - é, também, o meu caso -, ainda para mais tratando-se de um autor tão prolífico, mas é impossível lermos Scruton e não nos sentirmos desafiados e estimulados a reflectir sobre os mais diversos temas. A minha evolução intelectual é parcialmente devedora do seu trabalho, que me permitiu compreender melhor as falhas do liberalismo e as potencialidades do conservadorismo, quer na teoria quer na acção política. A sua morte, hoje, aos 75 anos, é uma notícia triste e representa uma perda inestimável para a reflexão política dos conservadores - bem como dos seus adversários, alguns dos quais analisados em Fools, Frauds and Firebrands, uma das suas obras mais polémicas e cuja primeira edição, em 1985, com o título Thinkers of the New Left, lhe valeu o repúdio de boa parte da academia britânica. Afinal, numa época de ortodoxias e dogmatismos vários, à esquerda e à direita, a sua moderação foi quase sempre vista como herética. Partiu prematuramente, mas o seu trabalho e as suas ideias continuarão a florescer e a resistir ao teste do tempo.  

Nesta hora, e para terminar, permitam-me relembrar o que creio ser uma das passagens mais emblemáticas de How to be a Conservative e que resume a sua posição moderada a respeito do papel do Estado. Para Scruton, e em tradução livre da minha lavra, este

é, ou deve ser, tanto menos do que os socialistas requerem, e mais do que os liberais clássicos permitem. O Estado tem um objectivo, que é proteger a sociedade civil dos seus inimigos externos e das suas desordens internas. Não pode ser meramente o Estado ‘night watchman’ defendido por Robert Nozick, visto que a sociedade civil depende de relações que devem ser renovadas e, nas circunstâncias modernas, estas relações não podem ser renovadas sem a provisão colectiva do bem-estar. Por outro lado, o Estado não pode ser o fornecedor e regulador universal proposto pelos igualitários, visto que o valor e o compromisso emergem das associações autónomas, que florescem apenas se puderem crescer de baixo. Ademais, o Estado só pode redistribuir riqueza se a riqueza for criada e a riqueza é criada por aqueles que esperam ter uma parte dela.”

Descanse em paz, Sir Roger Scruton.

publicado às 21:45

Ainda o marxismo cultural

por Samuel de Paiva Pires, em 10.04.19

Francisco Mendes da Silva:

Para além disso, não percebo bem em que é que o "Marxismo cultural" é uma ameaça assim tão assustadora, ao ponto de em 2019 alguma direita achar que vive numa luta mortal contra o dito.

Nada disto é novo. Já no início do século XX Gramci tentou engendrar nos seus escritos "a longa marcha" do Marxismo "através das instituições". Mais tarde essa estratégia foi desenvolvida na Escola de Frankfurt de Marcuse e outros. Marcuse defendia "uma coligação de negros, estudantes, mulheres feministas e homossexuais", supostamente para destruir a civilização ocidental. Seguiram-se décadas, até hoje, em que as universidades do Ocidente foram ocupadas por departamentos de "culture studies" inspirados em Frankfurt.

Mas talvez fosse bom lembrar à direita mais stressada que as ideias sobre o avanço do Marxismo por via cultural partiram sempre da confissão de que o Marxismo, enquanto sistema económico, não era naturalmente aceite pelas pessoas. O argumento era o de que os proletários não aderiam à revolução porque as suas cabecinhas estavam formatadas pela ordem tradicional do capitalismo e da repressão sexual. Se os Marxistas acham que têm de mudar a cultura, é porque reconhecem a sua fragilidade original.

E, de facto, o que é que os "Marxistas culturais" conseguiram? Ao que se sabe o capitalismo ainda anda por aí. Com avanços e recuos, com méritos e erros, mas ainda assim a espalhar-se pelo mundo, galgando terreno ao Marxismo, que é mais forte na caserna académica do que no coração dos povos e no cérebro dos governantes.

Quanto às "marchas" e "coligações" de Gramci e Marcuse, o que mais há são estudantes, trabalhadores e minorias a querer casar, ter filhos e ganhar dinheiro honestamente. A ordem tradicional, baseada socialmente na família e economicamente no capitalismo, tem uma grande capacidade de conquistar e absorver as vanguardas dos "marxistas-culturais". E isso só prova a sua inultrapassável validade civilizacional.

 

publicado às 00:03

Marxismo cultural e preguiça mental

por Samuel de Paiva Pires, em 09.04.19

Pessoas indignadas com o artigo do Adolfo Mesquita Nunes sobre o marxismo cultural e que vislumbram o declínio da civilização Ocidental já amanhã (um tema que é quase um fetiche de ocidentais diletantes) em resultado de exageros e delírios pós-modernistas (a acontecer, será pela demissão do Ocidente de líder da ordem internacional, pasme-se, graças à tal direita musculada de Trump, Bolsonaro, Farage, Orbán e afins, e pela ascensão de uma potência revisionista como a China, e estejam descansados que nessa altura vão poder preocupar-se com coisas sérias como o fim da democracia liberal e das liberdades que lhe são inerentes): levantem-se da cadeira, larguem a Internet, especialmente as vossas bolhas e câmaras de eco nas redes sociais, e vão ver que as teorias da conspiração que meteram na cabeça acabam por passar. Ou talvez não, porque já Karl Popper explicava a atracção de certas mentes por estas teorias, por serem incapazes de percepcionar a complexidade e o pluralismo da realidade social, especialmente de sociedades abertas, daí o seu pensamento de carácter maniqueísta ancorado em absolutos, que é, na verdade, contrário ao liberalismo, também ele tantas vezes proclamado morto, ainda que continue a ser a teoria mais adequada precisamente às sociedades Ocidentais, abertas e plurais, porque pautado pelo anti-dogmatismo que permeia o decálogo liberal de Bertrand Russell,  porque se fundamenta na tradição, no racionalismo crítico e numa concepção evolucionista de mudança social e política, porque valoriza e respeita a existência de diferentes concepções de vida boa numa mesma sociedade, e porque, ao contrário do que muitos ditos liberais acreditam, assenta na moderação. Em todo o caso, com o tempo livre com que vão ficar por passarem menos tempo no Facebook, aproveitem e dêem uma vista de olhos neste livro, em que são abordados Raymond Aron, Isaiah Berlin, Norberto Bobbio e Michael Oakeshott enquanto expoentes da virtude da moderação - todos eles, como se sabe, perigosos marxistas culturais. 

IMG_3060.jpg

publicado às 22:27

Tradição, Razão e Mudança

por Samuel de Paiva Pires, em 14.12.18

11.jpg

Tendo sido sondado por várias pessoas a respeito de como adquirir o meu livro, e enquanto este não chega às livrarias, informo que, por ora, podem adquiri-lo directamente junto de mim, pela módica quantia de 18 euros, bastando para tal enviar-me uma mensagem ou e-mail (samuelppires@gmail.com). Posso entregá-lo pessoalmente em Lisboa ou na Covilhã ou enviar por correio (acrescendo os portes no valor de 4,73 euros). Saliento que já só tenho 25 exemplares, pelo que sugiro que se apressem se quiserem ser os orgulhosos proprietários de um exemplar da obra mais aborrecida do ano com dedicatória e autógrafo com a caligrafia esteticamente mais pavorosa que possam imaginar, defeitos compensados largamente pela beleza da capa, onde figura uma pintura do Nuno Castelo-Branco, dos prefácios dos Professores José Maltez e Cristina Montalvão Sarmento e do posfácio da Ana Rodrigues Bidarra.

publicado às 10:45

No seguimento do meu post anterior, renovo o convite para estarem presentes numa das sessões de lançamento do meu livro, desta feita deixando a imagem do convite para a sessão a ter lugar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade da Beira Interior, no dia 11 de Dezembro, pelas 14h30, no anfiteatro 7.22, bem como a ligação para a respectiva página do evento no Facebook

11Dez_TradicaoRazaoMudanca_UBI_Convites.jpg

(também publicado aqui.)

publicado às 14:45

A minha tese de doutoramento, subordinada à temática "Tradição, Razão e Mudança", conceitos abordados à luz de ideias liberais, conservadoras e comunitaristas, será publicada nos próximos dias pela Edições Esgotadas e terá uma sessão de lançamento em Lisboa, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, a 5 de Dezembro, pelas 19h00, e outra na Covilhã, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade da Beira Interior, a 11 de Dezembro, pelas 14h30.

 

É com muito gosto que vos convido a estarem presentes, aproveitando a oportunidade para vos persuadir com as apresentações a cargo do Professor Doutor José Adelino Maltez, da Professora Doutora Cristina Montalvão Sarmento e da Dr.ª Ana Rodrigues Bidarra, autores, respectivamente, dos dois prefácios e do posfácio, bem como com a belíssima ilustração da capa da obra, onde figura um quadro do Dr. Nuno Castelo-Branco apropriadamente intitulado "O Fim do Ocidente".

 

Aqui ficam a imagem e a ligação para página da primeira sessão de lançamento. Em breve partilharei a imagem e a página da segunda sessão.

05Dez_TradicaoRazaoMudanca_Lisboa_Convites.jpg

(também publicado aqui.)

publicado às 17:24

A direita, a esquerda e a minha liberdade

por Samuel de Paiva Pires, em 02.06.18

Tenho lido críticas a uma certa direita trauliteira que não tem - nem remotamente - o nível intelectual e cultural de verdadeiras referências direitistas. De facto, do Observador às redes sociais, passando pelo CDS, a direita portuguesa tem-se tornado um espaço pouco recomendável, porque dominado por caceteiros, hiper-moralistas com telhados de vidro e que não passam de aprendizes de Maquiavel, muito economês, liberalismo de pacotilha e pouca ou nenhuma capacidade de pensamento e reflexão e de diálogo moderado e civilizado com outras perspectivas filosóficas, ideológicas e partidárias. Dir-me-ão que os jornais, os partidos e as redes sociais não são universidades ou think tanks, mas quer-me parecer que o grau de indigência intelectual não necessitava de ser tão elevado. Trata-se, tomando emprestada uma expressão, de uma direita analfabeta, uma direita que pouco ou nada lê, permeada por um dogmatismo impressionante para quem, como eu, subscreve o decálogo liberal de Bertrand Russell

 

Não que a esquerda seja necessariamente melhor. Com efeito, continuamos a ter, como assinala José Adelino Maltez, "A direita e a esquerda mais estúpidas do mundo", que "são como aquelas claques da futebolítica que afectaram socrateiros e continuam a infestar certos coelheiros, segundo os quais quem não é por mim é contra mim, porque quem não é por estes é a favor dos outros. Eu continuo a seguir a velha máxima de Unamuno: o essencial do homem ocidental é ser do contra. Para poder ser qualquer coisinha..."

 

Na verdade, a direita que habitualmente critica a esquerda por esta se alcandorar a uma certa superioridade moral, mimetiza esta atitude, o seu modo de pensar e comportamentos. Ambas reflectem aquilo a que me referi como a política do dogmatismo e a política da utopia, ambas alicerçadas no que Oakeshott chamava de política racionalista ou política do livro, da cartilha ideológica. Afinal, como também há tempos escrevi, é muito fácil ser libertário ou comunista: "Não por acaso, para o esquerdista, o Estado é o principal instrumento a utilizar e o mercado é o principal inimigo a abater, enquanto para o libertário é precisamente o contrário. Um pensador conservador pensa a partir do real, das circunstâncias práticas, sem deixar de criticar a sociedade em que vive, encontrando no Estado e no mercado diferentes esferas da vida humana, ambas necessárias a uma sociedade livre e próspera; um pensador esquerdista ou um libertário pensam a partir de um qualquer ideal e clamam contra tudo o que não se conforma a esse ideal. O racionalismo dogmático ou construtivista do esquerdista ou do libertário que defendem um valor acima de todos os outros em qualquer tempo e lugar, independentemente das circunstâncias práticas, consubstancia a política dos mentalmente preguiçosos."

 

Talvez valha a pena relembrar uma célebre passagem de Alçada Baptista, para quem "Em Portugal, a liberdade é muito difícil, sobretudo porque não temos liberais. Temos libertinos, demagogos ou ultramontanos de todas as cores, mas pessoas que compreendam a dimensão profunda da liberdade já reparei que há muito poucas.”

 

Ao que eu acrescento que conservadores não dogmáticos, que entendam a dimensão pluralista e flexível da reflexão e da praxis política a que alude Kekes, também já reparei que há muito poucos. Há muito poucas pessoas, em Portugal, que, atentando especificamente no domínio do político, compreendam o que Oakeshott transmitiu, em "On Being Conservative", ao considerar que a disposição conservadora não implica necessariamente quaisquer crenças religiosas, morais ou de outros domínios “acerca do universo, do mundo em geral ou da conduta humana em geral.” O que está implícito na disposição conservadora em política são “determinadas crenças acerca da actividade governativa e dos instrumentos do governo,” que nada "têm a ver com uma lei natural ou uma ordem providencial, nada têm a ver com a moral ou a religião; é a observação da nossa actual forma de viver combinada com a crença (que do nosso ponto de vista pode ser considerada apenas como uma hipótese) que governar é uma actividade específica e limitada, nomeadamente a provisão e a custódia de regras gerais de conduta, que são entendidas não como planos para impor actividades substantivas, mas como instrumentos que permitem às pessoas prosseguir as actividades que escolham com o mínimo de frustração, e portanto sobre a qual é adequado ser conservador."

 

Tendo eu passado por uma escola, o ISCSP, onde, citando Adriano Moreira, aprendi "a olhar em frente e para cima", tendo como referências mestres como José Adelino Maltez e Jaime Nogueira Pinto, tendo ao longo da última década lido e reflectido sobre diversos autores, como Hayek, Popper, Oakeshott e Kekes, ou seja, como alguém que privilegia o mundo intelectual sobre o político ou partidário, torna-se particularmente penoso não só constatar tudo o que acima escrevi, mas também continuar a compactuar com este estado de coisas através da minha condição de militante do CDS. Por tudo isto, solicitei hoje a minha desfiliação. Porque mais importante ainda do que ser do contra, é ser livre, e porque como escreveu Ortega y Gasset, "A obra intelectual aspira, com frequência em vão, a aclarar um pouco as coisas, enquanto que a do político, pelo contrário, costuma consistir em confundi-las mais do que já estavam. Ser da esquerda é, como ser da direita, uma das infinitas maneiras que o homem pode escolher para ser um imbecil: ambas são, com efeito, formas da hemiplegia moral."

publicado às 18:49

O regresso da utopia

por Samuel de Paiva Pires, em 12.03.18

No seio do CDS parece ter sido adaptada e adoptada aquela máxima de que uma mentira muitas vezes repetida se torna verdade. No caso, a ideia de que o CDS poderá rapidamente ultrapassar o PSD, tornar-se na principal força partidária à direita e liderar um governo já após as próximas legislativas. É uma ideia fomentada e verbalizada por Assunção Cristas e pessoas que lhe são próximas, os mesmos que falam na necessidade de o CDS se pautar pelo pragmatismo. Pensava que o pragmatismo (ou realismo), que em larga medida se inspira no conservadorismo, aconselhava contra sonhos utópicos e incentivava a ter em consideração as lições da história, a olhar para a realidade política e a actuar no quadro dos constrangimentos que esta apresenta. Mas talvez seja eu que esteja enganado. Vou reler Burke. 

 

(também publicado aqui.)

publicado às 00:23

O CDS não conseguirá substituir o PSD

por Samuel de Paiva Pires, em 07.03.18

Quando me juntei à JP e ao CDS, em 2011, fi-lo por convicção ideológica. Antes deste acto, conheci suficientemente de perto as realidades da JS/PS e JSD/PSD, onde tinha e tenho vários amigos, mas sentia-me ideologicamente mais confortável num partido que proclamava alicerçar-se no liberalismo e no conservadorismo (para além da democracia cristã, principal pilar ideológico do partido), ainda que ali não conhecesse ninguém. Até residia perto do Caldas e, por isso, não foi complicado integrar-me rapidamente nas estruturas e ali encontrar pessoas interessantes.

 

Posto isto, como qualquer bom conservador sabe, o bem e o mal estão presentes em todo o lado, ou como ensina John Kekes, a natureza humana não é definitivamente boa nem má, é ambivalente. Depois de perceber que também na JP e no CDS fazem escola as práticas imorais que observei noutras organizações político-partidárias, decidi manter-me num partido onde me sinto ideologicamente confortável, mas no seio do qual sou apenas um militante de base com pouca ou nenhuma actividade política, pese embora tenha, nos últimos anos, subscrito as posições de alguns movimentos internos, em larga medida pela amizade e respeito que nutro por alguns dos seus membros, dos quais até discordo ideologicamente em alguns pontos.

 

Mas, actualmente, assistindo à onda que o partido tem vindo a cavalgar desde o resultado da sua líder nas autárquicas em Lisboa, não posso deixar de sorrir ao observar a pretensão de algumas hostes democratas cristãs de tornar o CDS no grande partido de direita em Portugal. Antes de ser militante e, aliás, acima disso, tenho uma profissão e sou cidadão e, portanto, permito-me observar aquilo que a minha experiência e a minha intuição enquanto politólogo me dizem: pese embora reivindique ser inter-classista, o CDS não deixa de ser uma agremiação dominada por indivíduos oriundos da burguesia, na sua maioria de Lisboa e Porto, sobretudo os chamados profissionais liberais (com destaque para os advogados), alguns empresários e aqueles que nas últimas duas décadas, com o crescimento do partido em resultado da liderança de Paulo Portas, se tornaram profissionais da política. Perdoem-me, portanto, os meus correligionários, mas mantendo-se a sociedade portuguesa e o nosso sistema político mais ou menos como os conhecemos, é altamente improvável que um partido com esta caracterização sociológica seja capaz de ultrapassar o PSD e tornar-se o grande partido da direita ou centro-direita (deixo as questiúnculas posicionais para outros). Quer se esvazie ideologicamente e procure ser um catch-all party, quer transborde de ideologia por todos os seus poros, seja ela liberal, conservadora e/ou democrata cristã, há uma enorme desconformidade social e política entre a maioria dos militantes do partido e suas ideologias e a sociedade portuguesa na sua generalidade - o que é evidenciado quer por as três mencionadas ideologias serem minoritárias em Portugal, quer pela fraca implantação do CDS a nível autárquico - que obsta a que o CDS possa substituir o PSD.

 

Por tudo isto, está coberto de razão o João Tavares:

 

É cíclico. Ao mínimo abalo nos partidos vizinhos, o CDS convence-se que os portugueses lhe darão, finalmente, o devido valor. Vai ser o grande partido da direita portuguesa, esperem só uns mesitos, que ele até se abre todo "à sociedade civil", aglutinador, total, moderníssimo, pragmático, eles merecem, é desta, é desta, foda-se. E depois, olha. Ia fondo mas não sendo. Poder-se-á dizer do CDS o que von Bismarck disse dos italianos: tem um grande apetite mas dentes fracos.

publicado às 23:42

Populismo, representação, redes sociais e conservadorismo

por Samuel de Paiva Pires, em 01.03.17

roger scruton.jpg

 

Roger Scruton, "Populism, VII: Representation & the people":

 

The fact remains, however, that the accusation of “populism” is applied now largely to politicians on the right, with the implication that they are mobilizing passions that are both widespread and dangerous. On the whole liberals believe that politicians on the left win elections because they are popular, while politicians on the right win elections because they are populist. Populism is a kind of cheating, deploying weapons that civilized people agree not to use and which, once used, entirely change the nature of the game, so that those of gentle and considerate leanings are at an insuperable disadvantage. The division between the popular and the populist corresponds to the deep division in human nature, between the reasonable interests that are engaged by politics, and the dark passions that threaten to leave negotiation, conciliation, and compromise behind. Like “racism,” “xenophobia,” and “Islamophobia,” “populism” is a crime laid at the door of conservatives. For the desire of conservatives to protect the inherited identity of the nation, and to stand against what they see as the real existential threats posed by mass migration, is seen by their opponents as fear and hatred of the Other, which is seen in turn as the root cause of inter-communal violence.

 

(...).

 

The phenomenon of the instant plebiscite—what one might call the “webiscite”—is therefore far more important than has yet been recognized. Nor does it serve the interests only of the Right in politics. Almost every day there pops up on my screen a petition from Change.org or Avaaz.org urging me to experience the “one click” passport to moral virtue, bypassing all political processes and all representative institutions in order to add my vote to the cause of the day. Avaaz was and remains at the forefront of the groups opposing the “populism” of Donald Trump, warning against his apparent contempt for the procedures that would put brakes on his power. But in the instant politics of the webiscite such contradictions don’t matter. Consistency belongs with those checks and balances. Get over them, and get clicking instead.

 

It is not that the instant causes of the webiscites are wrong: without the kind of extensive debate that is the duty of a legislative assembly it is hard to decide on their merits. Nevertheless, we are constantly being encouraged to vote in the absence of any institution that will hold anyone to account for the decision. Nobody is asking us to think the matter through, or to raise the question of what other interests need to be considered, besides the one mentioned in the petition. Nobody in this process, neither the one who proposes the petition nor the many who sign it, has the responsibility of getting things right or runs the risk of being ejected from office if he fails to do so. The background conditions of representative government have simply been thought away, and all we have is the mass expression of opinion, without responsibility or risk. Not a single person who signs the petition, including those who compose it, will bear the full cost of it. For the cost is transferred to everyone, on behalf of whatever single-issue pressure group takes the benefit.

 

We are not creatures of the moment; we do not necessarily know what our own interests are, but depend upon advice and discussion. Hence we need processes that impede us from making impetuous choices; we need the filter that will bring us face to face with our real interests. It is precisely this that is being obscured by the emerging webiscite culture. Decisions are being made at the point of least responsibility, by the man or woman in the street with an iPhone, asked suddenly to click “yes” or “no” in response to an issue that they have never thought about before and may never think about again.

 

Reflect on these matters and you will come to see, I believe, that if “populism” threatens the political stability of democracies, it is because it is part of a wider failure to appreciate the virtue and the necessity of representation. For representative government to work, representatives must be free to ignore those who elected them, to consider each matter on its merits, and to address the interests of those who did not vote for them just as much as the interests of those who did. The point was made two centuries ago by Edmund Burke, that representation, unlike delegation, is an office, defined by its responsibilities. To refer every matter to the constituents and to act on majority opinion case by case is precisely to avoid those responsibilities, to retreat behind the consensus, and to cease to be genuinely accountable for what one does.

This brings me to the real question raised by the upheavals of 2016. In modern conditions, in which governments rarely enjoy a majority vote, most of us are living under a government of which we don’t approve. We accept to be ruled by laws and decisions made by politicians with whom we disagree, and whom we perhaps deeply dislike. How is that possible? Why don’t democracies constantly collapse, as people refuse to be governed by those they never voted for? Why do the protests of disenchanted voters crying “not my president!” peter out, and why has there been after all no mass exodus of liberals to Canada?

 

The answer is that democracies are held together by something stronger than politics. There is a “first person plural,” a pre-political loyalty, which causes neighbors who voted in opposing ways to treat each other as fellow citizens, for whom the government is not “mine” or “yours” but “ours,” whether or not we approve of it. Many are the flaws in this system of government, but one feature gives it an insuperable advantage over all others so far devised, which is that it makes those who exercise power accountable to those who did not vote for them. This kind of accountability is possible only if the electorate is bound together as a “we.” Only if this “we” is in place can the people trust the politicians to look after their interests. Trust enables people to cooperate in ensuring that the legislative process is reversible when it makes a mistake; it enables them to accept decisions that run counter to their individual desires and which express views of the nation and its future that they do not share. And it enables them to do this because they can look forward to an election in which they have a chance to rectify the damage.

 

That simple observation reminds us that representative democracy injects hesitation, circumspection, and accountability into the heart of government—qualities that play no part in the emotions of the crowd. Representative government is for this reason infinitely to be preferred to direct appeals to the people, whether by referendum, plebiscite, or webiscite. But the observation also reminds us that accountable politics depends on mutual trust. We must trust our political opponents to acknowledge that they have the duty to represent the people as a whole, and not merely to advance the agenda of their own political supporters.

 

But what happens when that trust disintegrates? In particular, what happens when the issues closest to people’s hearts are neither discussed nor mentioned by their representatives, and when these issues are precisely issues of identity—of “who we are” and “what unites us”? This, it seems to me, is where we have got to in Western democracies—in the United States just as much as in Europe. And recent events on both continents would be less surprising if the media and the politicians had woken up earlier to the fact that Western democracies—all of them without exception—are suffering from a crisis of identity. The “we” that is the foundation of trust and the sine qua non of representative government, has been jeopardized not only by the global economy and the rapid decline of indigenous ways of life, but also by the mass immigration of people with other languages, other customs, other religions, other ways of life, and other and competing loyalties. Worse than this is the fact that ordinary people have been forbidden to mention this, forbidden to complain about it publicly, forbidden even to begin the process of coming to terms with it by discussing what the costs and benefits might be.

 

Of course they have not been forbidden to discuss immigration in the way that Muslims are forbidden to discuss the origins of the Koran. Nor have they been forbidden by some express government decree. If they say the wrong things, they are not arrested and imprisoned—not yet, at least. They are silenced by labels—“racism,” “xenophobia,” “hate speech”—designed to associate them with the worst of recent crimes. In my experience, ordinary people wish to discuss mass immigration in order to prevent those crimes. But this idea is one that cannot be put in circulation, for the reason that the attempt to express it puts you beyond the pale of civilized discourse. Hillary Clinton made the point in her election campaign, with her notorious reference to the “deplorables”—in other words, the people who bear the costs of liberal policies and respond to them with predictable resentments.

 

(...)

 

ll this has left the conservative movement at an impasse. The leading virtue of conservative politics as I see it is the preference for procedure over ideological programs. Liberals tend to believe that government exists in order to lead the people into a better future, in which liberty, equality, social justice, the socialist millennium, or something of that kind will be realized. The same goal-directed politics has been attempted by the EU, which sees all governance as moving towards an “ever closer union,” in which borders, nations, and the antagonisms that allegedly grow from them will finally disappear. Conservatives believe that the role of government is not to lead society towards a goal but to ensure that, wherever society goes, it goes there peacefully. Government exists in order to conciliate opposing views, to manage conflicts, and to ensure peaceful transactions between the citizens, as they compete in the market, and associate in what Burke called their “little platoons.”

 

That conception of government is, to me, so obviously superior to all others that have entered the imperfect brains of political thinkers that I find myself irresistibly drawn to it. But it depends on a pre-political unity defined within recognized borders, and a sovereign territory that is recognizably “ours,” the place where “we” are, the home that we share with the strangers who are our “fellow countrymen.” All other ways of defining the “we” of human communities—whether through dynasty, tribe, religion, or the ruling Party—threaten the political process, since they make no room for opposition, and depend on conscripting the people to purposes that are not their own. But procedural politics of the conservative kind is possible only within the confines of a nation state—which is to say, a state defined over sovereign territory, whose citizens regard that territory as their legitimate home.

 

(também publicado aqui.)

publicado às 14:04

Nuno Garoupa, "Confrontação":

Nem já os americanos recordam o senador Bill Richardson, um conservador, hoje com 90 anos, que serviu no Senado da Califórnia vários mandatos entre 1966 e 1989 e nunca conseguindo ser eleito para o congresso federal. Fundou um grupo chamado Gun Owners of America (GOA) em 1975, rompendo com a National Rifle Association (NRA) por estar incomodado com os desvios de esquerdismo. E, em 1998, escreveu um livro algo desconhecido, Confrontational Politics, reeditado em 2010. Esta "obra literária" de 135 páginas seria irrelevante não fosse o "livrinho vermelho" de Steve Bannon e Jeff Sessions, os dois ideólogos da administração Trump.

 

Confrontational Politics abre com um diagnóstico do mundo em que vivemos - uma batalha fundamental entre os valores tradicionais (defendidos pelos conservadores) e os dogmas humanistas contemporâneos (impostos pelos progressistas). Acontece que os conservadores entram na discussão política com cortesia, civilidade, educação, ponderação e respeito pelas regras do debate. Pela sua forma de pensar e por respeito a uma tradição de elevação no espaço público, evitam o confronto direto e a retórica agressiva. Frente a um progressismo que não comunga de tais pruridos, o conservador acaba em posição defensiva. O progressista, adepto das técnicas marxistas e leninistas, inspirado na máxima "os fins justificam os meios", provoca o confronto, usa retórica abusiva e agressiva para condicionar o conservador. Tudo isto resulta numa crescente influência da agenda progressista em detrimento do pensamento conservador. A fleuma, o respeito, a preferência por um debate equilibrado e institucional são desvantagens competitivas do conservador. Consequentemente, o conservador tem de abandonar esta forma de intervenção. Tem de passar ao confronto aberto. E esse confronto tem de ser agressivo e sem compromissos ou equilíbrios. Não há acordos possíveis com o progressismo enquanto a agenda conservadora não vingar. Política já não é procurar consensos ou mínimos denominadores comuns, mas guerra aberta - embora sem prisioneiros -, gritar mais alto, até o progressismo ser varrido dos tribunais, dos meios de comunicação, do espaço público. Mas, se os progressistas são o adversário a combater, o inimigo a obliterar são os conservadores consensuais. Porque são a quinta coluna, são quem mina o pensamento conservador e colabora com o adversário, permitindo a expansão do progressismo.

 

(também publicado aqui.)

publicado às 18:42

Liberais e conservadores precisam uns dos outros

por Samuel de Paiva Pires, em 13.02.17

George H. Nash, "Populism, I: American conservatism and the problem of populism":

In the late 1950s and early 1960s the three independent wings of the conservative revolt against the Left began to coalesce around National Review, founded by William F. Buckley Jr. in 1955. Apart from his extraordinary talents as a writer, debater, and public intellectual, Buckley personified each impulse in the developing coalition. He was at once a traditional Christian, a defender of the free market, and a staunch anticommunist (a source of his ecumenical appeal to conservatives).

 

As this consolidation began to occur, a serious challenge arose to the fragile conservative identity: a growing and permanent tension between the libertarians and the traditionalists. To the libertarians the highest good in society was individual liberty, the emancipation of the autonomous self from external (especially governmental) restraint. To the traditionalists (who tended to be more religiously oriented than most libertarians) the highest social good was not unqualified freedom but ordered freedom grounded in community and resting on the cultivation of virtue in the individual soul. Such cultivation, argued the traditionalists, did not arise spontaneously. It needed the reinforcement of mediating institutions (such as schools, churches, and synagogues) and at times of the government itself. To put it another way, libertarians tended to believe in the beneficence of an uncoerced social order, both in markets and morals. The traditionalists often agreed, more or less, about the market order (as opposed to statism), but they were far less sanguine about an unregulated moral order.

 

Not surprisingly, this conflict of visions generated a tremendous controversy on the American Right in the early 1960s, as conservative intellectuals attempted to sort out their first principles. The argument became known as the freedom-versus-virtue debate. It fell to a former Communist and chief ideologist at National Review, a man named Frank Meyer, to formulate a middle way that became known as fusionism—that is, a fusing or merging of the competing paradigms of the libertarians and the traditionalists. In brief, Meyer argued that the overriding purpose of government was to protect and promote individual liberty, but that the supreme purpose of the free individual should be to pursue a life of virtue, unfettered by and unaided by the State.

 

As a purely theoretical construct, Meyer’s fusionism did not convince all his critics, then or later. But as a formula for political action and as an insight into the actual character of American conservatism, his project was a considerable success. He taught libertarian and traditionalist purists that they needed one another and that American conservatism must not become doctrinaire. To be relevant and influential, it must stand neither for dogmatic antistatism at one extreme nor for moral authoritarianism at the other, but for a society in which people are simultaneously free to choose and desirous of choosing the path of virtue.

 

(...).

 

What do conservatives want? To put it in elementary terms, I believe they want what nearly all conservatives since 1945 have wanted: they want to be free; they want to live virtuous and meaningful lives; and they want to be secure from threats both beyond and within our borders. They want to live in a society whose government respects and encourages these aspirations while otherwise leaving people alone. Freedom, virtue, and safety: goals reflected in the libertarian, traditionalist, and national security dimensions of the conservative movement as it has developed over the past seventy years. In other words, there is at least a little fusionism in nearly all of us. It is something to build on. But it will take time.

 

(também publicado aqui.)

publicado às 16:54

Multiculturalismo e imigração

por Samuel de Paiva Pires, em 12.02.17

Scruton - How to be a Conservative.jpg

 Roger Scruton, How to Be a Conservative (London: Bloomsbury Publishing Plc, 2014), 90-92:

 

Once we distinguish race and culture, the way is open to acknowledge that not all cultures are equally admirable, and that not all cultures can exist comfortably side by side. To deny this is to forgo the very possibility of moral judgement, and therefore to deny the fundamental experience of community. It is precisely this that has caused the multiculturalists to hesitate. It is culture, not nature, that tells a family that their daughter who has fallen in love outside the permitted circle must be killed, that girls must undergo genital mutilation if they are to be respectable, that the infidel must be destroyed when Allah commands it. You can read about those things and think they belong to the pre-history of our world. But when suddenly they are happening in your midst, you are apt to wake up to the truth about the culture that advocates them. You are apt to say, that is not our culture, and it has no business here. And you will probably be tempted to go one stage further, the stage that the Enlightenment naturally invites, and to say that it has no business anywhere.

 

For what is brought home to us, through painful experiences that we might have avoided had it been permitted before now to say the truth, is that we, like everyone else, depend upon a shared culture for our security, our prosperity and our freedom to be. We don’t require everyone to have the same faith, to lead the same kind of family life or to participate in the same festivals. But we have a shared civic culture, a shared language and a shared public sphere. Our societies are built upon the Judaeo-Christian ideal of neighbour-love, according to which strangers and intimates deserve equal concern. They require each of us to respect the freedom and sovereignty of every person, and to acknowledge the threshold of privacy beyond which it is a trespass to go unless invited. Our societies depend upon law-abidingness and open contracts, and they reinforce these things through the educational traditions that have shaped our common curriculum. It is not an arbitrary cultural imperialism that leads us to value Greek philosophy and literature, the Hebrew Bible, Roman law, and the medieval epics and romances and to teach these things in our schools. They are ours in just the way that the legal order and the political institutions are ours: they form part of what made us, and convey the message that it is right to be what we are. And reason endorses these things, and tells us that our civic culture is not just a parochial possession of inward-looking communities, but a justified way of life.

 

Over time, immigrants can come to share these things with us: the experience of America bears ample witness to this. And they more easily do so when they recognize that, in any meaningful sense of the word, our culture is also a multi-culture, incorporating elements absorbed in ancient times from all around the Mediterranean basin and in modern times from the adventures of European traders and explorers across the world. But this kaleidoscopic culture is still one thing, with a set of inviolable principles at its core; and it is the source of social cohesion across Europe and America. Our culture allows for a great range of ways of life; it enables people to privatize their religion and their family customs, while still belonging to the public realm of open dealings and shared allegiance. For it defines that public realm in legal and territorial terms, and not in terms of creed or kinship.

 

So what happens when people whose identity is fixed by creed or kinship immigrate into places settled by Western culture? The activists say that we must make room for them, and that we do this by relinquishing the space in which their culture can flourish. Our political class has at last recognized that this is a recipe for disaster, and that we can welcome immigrants only if we welcome them into our culture, and not beside or against it. But that means telling them to accept rules, customs and procedures that may be alien to their old way of life. Is this an injustice? I do not think that it is. If immigrants come it is because they gain by doing so. It is therefore reasonable to remind them that there is also a cost. Only now, however, is our political class prepared to say so, and to insist that cost be paid.

 

(também publicado aqui.)

publicado às 14:10

Da ciência do governo

por Samuel de Paiva Pires, em 09.02.17

Edmund_Burke_by_James_Northcote.JPG

 Edmund Burke, Select Works of Edmund Burke, vol. 2 (Indianapolis: Liberty Fund, 1999), 153 (tradução minha):

Sendo a ciência do governo, portanto, tão prática em si mesma, e destinada a tais propósitos práticos, uma matéria que requer experiência, e ainda mais experiência do que uma pessoa pode adquirir em toda a sua vida, por mais sagaz e observador que possa ser, é com infinita cautela que qualquer homem deve aventurar-se a demolir um edifício que tenha respondido em qualquer grau tolerável, durante épocas, aos propósitos comuns da sociedade, ou a reconstruí-lo novamente sem ter modelos e padrões de utilidade aprovados perante os seus olhos.

 

(também publicado aqui.)

publicado às 21:09

Programa para amanhã

por Samuel de Paiva Pires, em 02.02.17

Amanhã, dia 3 de Fevereiro, no International Congress of Political Psychology, que tem lugar na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, entre as 12:00 e as 13:00, farei uma comunicação subordinada à temática que abordei na minha tese de doutoramento, "Tradição, razão e mudança", no Laboratório III - Investigação em Estudos Políticos.

publicado às 20:17

Russell Kirk.jpg

Russell Kirk, "Libertarians: the Chirping Sectaries":

The ruinous failing of the ideologues who call themselves libertarians is their fanatic attachment to a simple solitary principle – that is, to the notion of personal freedom as the whole end of the civil social order, and indeed of human existence.


The libertarians are oldfangled folk, in the sense that they live by certain abstractions of the nineteenth century. They carry to absurdity the doctrines of John Stuart Mill (before Mill’s wife converted him to socialism, that is).

 

(...)

 

In every principle premise of his argument, Stephen declared, Mill suffered from an inadequate understanding of human nature and history. All the great movements of humankind, Stephen said, have been achieved by force, not by free discussion; and if we leave force out of our calculations, very soon we will be subject to the intolerant wills of men who know no scruples about employing force against us. (So, one may remark, the twentieth century libertarians would have us stand defenseless before the Soviet Russians.) It is consummate folly to tolerate every variety of opinion, on every topic, out of devotion to an abstract “liberty”; for opinion soon finds its expression in action, and the fanatics whom we tolerated will not tolerate us when they have power.

 

The fierce current of events, in our century, has supplied the proof for Stephen’s case. Was the world improved by free discussion of the Nazis’ thesis that Jews ought to be treated as less than human? Just this subject was presented to the population of one of the most advanced and most thoroughly schooled nations of the modern world; and then the crew of adventurers who had contrived to win the argument proceeded to act after the fashion with which we now are dreadfully familiar. We have come to understand, to our cost, what Burke meant by a “licentious toleration.” An incessant zeal for repression is not the answer to the complex difficulties of liberty and order, either.

 

What Stephen was saying, however, and what we recognize now, is that liberty cannot be maintained or extended by an abstract appeal to free discussion, sweet reasonableness, and solitary simple principle.

publicado às 19:53

17 de Janeiro de 2017

por Samuel de Paiva Pires, em 17.01.17

IMG_3898.JPG

17 de Janeiro de 2017 ficará indelevelmente gravado na minha memória como o dia em que concluí o doutoramento. Agradeço aos membros do júri das provas públicas que hoje prestei pelos comentários, críticas e pelo estimulante debate. Aproveito ainda para agradecer novamente a todos os que, de alguma forma, me apoiaram nesta caminhada, em especial à Ana Rodrigues Bidarra, sem a qual esta aventura não teria sido possível.

publicado às 22:06

Provas públicas de doutoramento

por Samuel de Paiva Pires, em 04.01.17

Convido os interessados a estarem presentes nas minhas provas públicas de doutoramento que terão lugar na Aula Magna Professor Doutor Adriano Moreira, no ISCSP-UL, no dia 17 de Janeiro de 2017, pelas 15h00. 

 

O júri será composto pelos Professores Doutores Manuel Meirinho Martins (Presidente do júri), José Adelino Maltez (ISCSP-UL), Cristina Montalvão Sarmento (ISCSP-UL), Miguel Morgado (IEP-UCP), André Azevedo Alves (IEP-UCP), André Freire (ISCTE), Pedro da Fonseca (ISCSP-UL) e Isabel David (ISCSP-UL).

 

A minha tese é subordinada à temática "Tradição, razão e mudança", podem ficar a conhecer alguns breves excertos, que divulgarei ao longo dos próximos dias, no Facebook e aproveito ainda para aqui deixar o abstract:

 

Nesta tese considera-se a relação entre tradição, razão e mudança que marca a modernidade e diversas correntes da teoria política moderna e contemporânea. Esta relação é analisada à luz das ideias de autores liberais, conservadores e comunitaristas, procurando-se contribuir para iluminar divergências e convergências entre estas teorias políticas. Desta forma, as noções de tradição, razão e mudança são abordadas colocando em diálogo as três teorias através de autores que consideramos serem representativos destas e que contribuíram significativamente para a temática em análise, nomeadamente Friedrich Hayek, Karl Popper, Michael Polanyi e Edward Shils, no que ao liberalismo diz respeito; Edmund Burke, Michael Oakeshott e Roger Scruton, por parte do conservadorismo; e Alasdair MacIntyre, no que ao comunitarismo concerne. Procura-se realizar uma interpretação, uma síntese teórica, resultante da sistematização das ideias destes autores e demonstrar que tradição e razão, na concepção do racionalismo crítico ou evolucionista não se opõem e que, na verdade, estão intrinsecamente ligadas, contrariando a tese do racionalismo construtivista de que a razão tem de rejeitar a tradição. No que concerne à componente empírica, procura-se aplicar a abordagem metodológica neo-institucionalista, em particular na sua variante discursiva, combinada com a síntese teórica interpretativa da relação entre tradição, razão e mudança – ou seja, com uma abordagem tradicionalista – à análise da ideia de sociedade civil enquanto tradição, realizando, para o efeito, uma sistematização da evolução deste conceito, evidenciando como foi originado, como foi transmitido e alterado ao longo do tempo, como se cindiu e ramificou em várias tradições distintas, incorporando as tradições políticas liberal e marxista, mostrando que estas duas tradições competiram entre si no século XX e demonstrando ainda de que forma a prevalência da tradição liberal contribui para a crise do Estado soberano.

publicado às 11:59






Arquivo

  1. 2024
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2023
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2022
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2021
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2020
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2019
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2018
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2017
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2016
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2015
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2014
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2013
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2012
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2011
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2010
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D
  196. 2009
  197. J
  198. F
  199. M
  200. A
  201. M
  202. J
  203. J
  204. A
  205. S
  206. O
  207. N
  208. D
  209. 2008
  210. J
  211. F
  212. M
  213. A
  214. M
  215. J
  216. J
  217. A
  218. S
  219. O
  220. N
  221. D
  222. 2007
  223. J
  224. F
  225. M
  226. A
  227. M
  228. J
  229. J
  230. A
  231. S
  232. O
  233. N
  234. D

Links

Estados protegidos

  •  
  • Estados amigos

  •  
  • Estados soberanos

  •  
  • Estados soberanos de outras línguas

  •  
  • Monarquia

  •  
  • Monarquia em outras línguas

  •  
  • Think tanks e organizações nacionais

  •  
  • Think tanks e organizações estrangeiros

  •  
  • Informação nacional

  •  
  • Informação internacional

  •  
  • Revistas