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Temos de admitir que existe uma certa ironia no derradeiro anúncio da Autoridade Tributária (AT). O aparelho fiscal quer dar o exemplo à FMI, e demonstrar que é possível perdoar a dívida para recuperar uma parte daquilo que era considerado totalmente perdido. Ao perdoar a dívida dos contribuintes portugueses ao fisco, os responsáveis pelas finanças nacionais piscam o olho aos credores internacionais. Como se utilizassem linguagem gestual para sugerir um perdão de dívida a Portugal. Talvez a troika e os cobradores do FMI estejam a ver e aprendam como se faz. A derradeira oportunidade fiscal, que funciona como um indulto antecipado (já é Natal?), é uma forma de escapar aos insultos das vítimas da austeridade e à perda total das quantias em causa. A Autoridade Tributária que tem sido o alvo de grande parte da ira colectiva, quer mostrar o seu lado samaritano, o seu espírito Quaker, e alterar a sua péssima imagem. Essencialmente, deseja matar dois coelhos com uma cajadada. Ou seja, recuperar algum do carcanhol e afastar a terrível fama de monstro papão. O problema desta solução, na minha taxativa opinião, é validar a tése do Isaltino - o crime compensa. Aqueles que fugiram ao fisco anos a fio, de um modo sistemático e não por questões de sobrevivência, acabam por ser premiados. E dirão: "estás a ver, afinal safei-me". A administração tributária, cheia de falsas intenções monetárias, cria um dilema moral. Divide o país entre cumpridores e prevaricadores. Valida uma matriz moral duvidosa pouco ou muito católica, conforme a missa. Confessai a sua dívida, que tereis lugar no céu dos pagadores. Quanto àqueles que durante toda a sua vida laboral foram correctos, e pagaram pela sua Segurança Social e a dos outros, que forma de justiça poderá ser concedida? Ou será que por terem sido cidadãos exemplares se encontram além da possibilidade de salvação? A única coisa que parece interessar ao governo é a receita fiscal - sacada a bem ou a mal. Não existe nada de grandiloquente nem de extraordinário neste gesto fiscal. O que está em causa é o crédito junto de certas instituições da União Europeia. Se algumas das metas não forem cumpridas, dinheiro fresco não entrará tão facilmente em Portugal e nas quantidades requeridas. A cada dia que passa, e à medida que o círculo dos compromissos orçamentais aperta, a administração central fará uso de todo o tipo de engodos para apanhar o mexilhão. O problema é que o polvo continua à solta (o de Oeiras? esse é peixe miúdo e já está dentro - queima jornais) como se nada tivesse a ver com os rombos e os assaltos aos cofres do Estado. Falo da rede que não foi lançada para apanhar os grandalhões; as divídas do BPN, do Banco Privado, de Oliveira e Costa e outros que tais. Esses e os demais que integram uma extensa lista de convidados de honra já foram perdoados. Se eu fosse devedor teria algum cuidado com estes cavalos de Tróia. Eu bem sei que a cavalo dado não se olha ao dente, mas essa parece ser a máxima lá para os lados das finanças. O que interessa é entrar. O resto são detalhes de carácter, corredores inúteis - que se lixem os valores que ainda sustentam algumas casas portuguesas, alguns indivíduos honrados.