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Obama e a hora zero

por Nuno Castelo-Branco, em 24.03.09

 

No verão de 1945, os portos da Europa ocidental registaram um intenso tráfego de todo o tipo de veículos que transportavam de regresso a casa, as tropas norte-americanas que tinham participado na fase final da guerra contra a Alemanha. Homens, tanques, canhões e toda a logística necessária à manutenção de um exército expedicionário, deixavam para sempre uma Europa devastada física e moralmente. No antigo Reich ocupado, permaneceram apenas os necessários administradores militares e civis que garantiam o cumprimento dos acordos celebrados com ingleses e soviéticos, preparando-se agora os americanos, para a iminente invasão do arquipélago japonês.

 

Cinco anos decorridos e em plena tensão leste-oeste devido à recente vitória de Mao e à guerra na Coreia, o gigantesco Exército Vermelho concentrado na Alemanha, Checoslováquia e Hungria, desencadeou uma fulminante operação em direcção ao Reno, coadjuvado por sublevações comunistas na Itália e em França. O móbil da liquidação do fascismo na península ibérica serviu de justificação política, sem que existisse qualquer força capaz que se opusesse ao esmagador poderio militar da URSS. A finlandização da Europa consumara-se e o sistema demo-liberal restringia-se nos anos cinquenta ao hemisfério ocidental, enquanto no velho continente apenas restava uma Inglaterra desarmada e cooperante, imitando os países escandinavos.

 

                                                                .........................................

 

Poderia ter sido este o cenário após uma precipitada retirada norte-americana da Europa. Tendo vestido, calçado, alimentado os soldados do campo Aliado, ao mesmo tempo que a lei do Cash and Carry recheava os seus arsenais com todo o tipo de armas e propiciava à indústria soviética e britânica os materiais estratégicos e o combustível de que necessitavam. Paradoxalmente, os EUA  abdicavam dos seus deveres inerentes a uma grande potência hegemónica e vencedora, regressando ao isolacionismo que após a I Guerra Mundial tinha permitido uma instabilidade política e financeira que fizera eclodir o totalitarismo na Europa e conduzido à quebra do ténue Armistício de 1918.

 

O discurso de Obama não pode hoje ser apressadamente confundido com platónicas manifestações de paz a todo o preço, mas insere-se no cumprimento da agenda mediática de aproximação aos grandes apelos tradicionais do sector liberal da opinião pública americana, geralmente bem recebidos no resto do mundo.  Não será possível uma retirada total do dispositivo militar estabelecido numa zona onde os interesses económicos e estratégicos são de decisiva importância, exactamente no momento em que se torna inevitável o abrandar da recente prosperidade russa, a provável total subversão do regime paquistanês e o adiamento sine die da solução do problema nacional iraquiano.

 

As administrações do Partido Democrata, tendem a não fazer coincidir o discurso oficial com a política de intervenção militar nos pontos mais sensíveis do planeta e tal se provou desde 1917 até à intervenção na Bósnia, não nos podendo esquecer de 1941-45, da Coreia, Indochina e do longo conflito no Médio Oriente. Também desta vez, não será possível prever uma súbita retirada de efectivos, precisamente quando a região da Ásia central se tornou num essencial peão nos interesses económicos do sector energético, não sendo igualmente desdenhável a sua posição chave onde as principais potências - EUA, Rússia e China - estabelecem as zonas de influência. Obama não pode arriscar e deve hoje compreender as razões que a anterior administração teve na prossecução de uma política aparentemente errónea a todos os níveis.

 

A tradicional incompreensão dos diversos gabinetes do Departamento de Estado no que respeita às realidades sociais, políticas e culturais - a História - de países distantes e desconhecidos para o grande público, tem conduzido os Estados Unidos a grandes desastres sem remédio. A deposição forçada do Kaiser (1918) e a liquidação do conjunto austro-húngaro; os acordos celebrados com a máfia italiana de Nova Iorque que levaria à queda dos Sabóia na Itália, com a imediata instauração de um instável regime de contornos sombrios; a péssima gestão do conflito que opôs Chang-kai chek a Mao; a desastrosa intervenção no Vietname e o desrespeito pelos tradicionais regimes de Phnom-Phen e Vienciana; o estímulo suicida á guerrillha anti-europeia em África; a falta de sensatez da política desenvolvida no Egipto pré-nasseriano, impossibilitando uma satisfatória e atempada resolução do conflito israelo-árabe; o abandono do regime do Xá Reza Pahlevi e a consequente eclosão do integrismo islamita global. São estes, alguns dos resultados de uma política de um século, completamente cega perante as realidades exógenas, mas permanentemente obcecada por princípios onde as grandes tiradas sentimentais de apelo a uma humanidade desinteressada, escondem as comezinhas estratégias delineadas por um omnipresente "mundo de negócios".

 

Obama não recuará, disso estamos certos. Limitar-se-á a um ruidoso espectáculo de mímica, arte em que os americanos primam por indisputada excelência. É o erro da grandeza.

 

O discurso que Obama dirigiu aos iranianos não colheu o resultado previsto. Porquê ? Porque soa a folheto de agência de viagens. 

 

 

publicado às 11:00





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