Figura-se uma sala branca, sem tecto nem paredes, apenas uma entrada, uma mesa, duas cadeiras, um papel com dois versos escritos e um quadro com um vaso pintado partido ao meio onde no atrás se podia ler, Regarde-moi dans le miroir et voir la victime de la poésie. É aí que me encontro, sentado, de perna cruzada, de barba desfeita segurando uma lapiseira sem tinta a olhar para um relógio que não existe. A mente estava no ponto zero, completamente limpa, à espera que algo rompesse com desinteresse da sala branca. E assim foi durante horas.
I
Há passos no corredor,
- Serás tu, candura fugida
Que me escapou entre os dedos
Quando não soube ser teu?
(Fecho os olhos)
E cada vez os passos soam mais alto
Numa batida que já não conhecia.
O meu pensamento estava inquieto,
Preso à cadeira pelo medo,
A minha mente deambulava pelo corredor
Ao seu encontro, talvez.
II
(Abro os olhos)
Vejo um vulto encostado à porta
Do lado de fora como se pretendesse
Surpreender-me com a chegada
E não era mais aquela candura
Que havia deixado fugir.
(Faço uma vénia)
As mãos vibram
(Faz-me sinal para levantar a cabeça)
Pousa a mala com delicadeza
E acendeu um cigarro de fumo espesso
Enquanto me olhava nos olhos.
III
(Inspirei e expirei duas vezes)
-Votre parfum n'est pas le même
Où est l'odeur de l'innocence?
-Je l’ai perdu
Como muda o cheiro das rosas
Quando finalmente desabrocham…
Pensamos que as conhecemos pelo botão
Mas somente as pétalas nos mostram a essência.
IV
(Puxa uma cadeira e senta-se à minha frente)
Beija-me a face em sinal de cordialidade,
O beijo que outrora era brando e doce
Tornou-se num acto gritante de formalismo.
- Senti a tua falta (suspiro) porque fechaste a porta
Quando saíste? – Pergunta-me ela
(Aperta-me no braço)
A lapiseira seca cai no chão
E desfaz-se numa mancha de tinta;
A verdade é que já não sabia
O porquê de a ter deixado,
E a alegria de a ver chegar
Sucumbe no arrependimento da partida.
V
Uma lágrima salgada cai
Resvalando no rosto
Até ao canto da minha boca.
-Deixei um ponto final,
Numa história que merecia reticências.
Perdão, não o mereço.
(Sinto a aproximação dos lábios dela)
Um beijo terno e uma frase:
O perdão pelos lábios selado
Jamais será quebrado.
Este é um sonho. Aquele que não é só meu. Aquele que já todos sonhámos. Aquele em que vemos as nossas guerras ao pormenor, aquelas em que fomos Imperadores, aquelas em que fomos soldados derrotados.