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Teoria da Conspiração (Richard Donner, 1997)

por Fernando Melro dos Santos, em 31.07.14

 

"Como foi possível terem feito isto ao país?"

- Anónimo, 2011

 

Excerto de uma entrevista imaginária com o antigo primeiro-ministro e procônsul de Alijó, José Sócrates, na qualidade de cidadão:

 

- Senhor Engenheiro...

 

- José. Não precisamos dessas formalidades, estou aqui enquanto simples cidadão. Sou uma pessoa como outra qualquer. 

 

- José. É verdade que os governos por si liderados, enquanto foi mais do que um simples cidadão, desbarataram os fundos da União Europeia, criando acessoriamente uma rede tentacular de corrupção e controle corporativo de vários sectores da economia, mergulhando Portugal numa bancarrota irreversível e que cerceará o futuro das próximas oito gerações?

 

- É uma absoluta mentira. Repare, não nota que há um padrão evidente na regularidade com que vêm a lume esses alvitres cujo objectivo não é outro senão descredibilizar o trabalho histórico que o partido socialista tem feito no sentido de arrancar Portugal às garras da Idade Média em que os especuladores, tecnocratas, invejosos e inimigos da verdade gostariam que o nosso país ficasse? Os números não mentem.

 

- Mas os números dizem que de todo o dinheiro que veio, só 5% foi devidamente aproveitado, e que agora só temos fundos para quatro dias de funcionamento ao ritmo normal a que o Estado consome dinheiro.

 

- Isso é o tipo de bota-abaixismos que são cuidadosamente pensados para iludir as pessoas, para as distrair do essencial. É de uma ingenuidade perigosíssima dar ouvidos a esses boatos.

 

- Então os números estão errados?

 

- Olhe. Tenho aqui um papel muito interessante. Pode mostrar? Obrigado. Isto é um estudo - um estudo a sério, não é dessas vergonhas que se encontram em blogues e revistas - que demonstra um dos maiores triunfos das nossas políticas de investimento público.

 

- E qual é?

 

- Sabe quantas crianças calçavam, no máximo, o número 39 de sapatos em 1979? 

 

- Bom, não. 

 

- Mas eu digo-lhe, olhe, está aqui, e isto é um estudo elaborado por uma empresa fidedigna, com quem o Estado trabalha desde - sabe desde quando, ó Zé Alberto, olhe, desde 1981. Já viu bem portanto que não se trata de embusteiros. Contamos com esta firma para nos prestar apoio jurídico, na fiscalidade, na constitucionalidade, em tudo. (pausa e enche o peito) Em 1979, em média, só 67% das crianças calçavam no máximo o 39. Já viu? Dois terços. Ora isto é de um país com dificuldades, onde é preciso intervir como ápenas o Estado o consegue. E hoje, volvidos pouco mais de 35 anos, essa média - quer ouvir, ouça bem que isto é que essa gente sem vergonha devia dizer - essa média passou para 82%. Oitenta e dois. Um aumento colossal de 15%, que coloca Portugal no 43º lugar da lista de países abrangidos por este estudo. Isto é que é importante.

 

Podia continuar a destilar para aqui o eco de todo o fel que me causou, e causa, a ascensão, principado, e continuada presença de José Sócrates no seio das nossas vidas. Contudo, a pergunta que me assomou à ideia, esta madrugada no duche, foi outra.

 

Quando se pergunta "como foi possível terem feito isto ao país?" é preciso encarar a interrogação com seriedade, aliás com solenidade fúnebre. Chamem-me o que quiserem, como diria o Henrique Monteiro, mas a mim causa-me uma certa estranheza que todo um eleitorado, votante ou demissionário, testemunhe reiteradamente as exibições públicas de tal criatura e não detecte, imediatamente - seja por exercício do instinto ou do intelecto - a completa desconexão com a realidade, a patranha, os indícios de um mapa clínico malsão. E não posso crer, ou não tenho querido crer, que de entre os que votam, todos estão vendidos à máquina partidária. 

 

Ora se nem todos os votantes são "migalheiros", e a coisa na rua não sobrepuja os demais assuntos do quotidiano como o futebol etc., é porque alguma inflexão, fundamentalmente profunda e potencialmente destruidora do equilíbrio em Portugal, se deu algures antes de Sócrates ascender ao andaime de onde perorou como um sátrapa durante anos. 

 

A pergunta que devemos fazer é: porque é que o sistema de ensino transformou três gerações de alunos em homúnculos apáticos incapazes de procurar, ler, interpretar e debater uma notícia? A resposta mais óbvia, Ockham-laminada, é que era preciso agradar a Bruxelas e enviar folhas de Excel com os dados certos (o número máximo de aprovações e transições de ciclo)  que renderiam muitos, muitos dobrões à paróquia. Não é difícil aceitar isto. 

 

Indaguemo-nos, porém, sobre o descabimento de outra hipótese: e se a cavalo no requisito contabilístico acima aludido, o então governante - Guterres, com a sua "paixão pela educação" - tivesse arado a seara para que pudesse emergir, incólume de escrutínio e lido com juízo acrítico, aquele que viria a ser o mais perigoso déspota em potencial, o tiranete de pacotilha com ligações mais sombrias, de que há memória na história recente?

 

Não esqueçamos que a Parque Escolar foi uma festa; mas não esqueçamos, de igual modo, como os nossos filhos deixaram de ser avaliados pelo seu mérito no domínio da Língua, da Matemática, do Desporto ou da Arte, para serem tidos, dali em diante, como pequenos cidadãos com valências diferenciadas, fossem elas a dança, o manobrar de plasticina, a expressão hiperactiva de condicionantes emocionais, ou a sensibilidade extrema para o silêncio e a quietude. Quase consigo ouvir um jovem casal de Oeiras, "caramba, o nosso Gonkas foi campeão ibérico de copy-paste" enquanto ela lê a Caras e ele deita abaixo a sexta cerveja a ver o jogo entre o Raio Pevidense e a União de Varge Mondar.

 

Epah, não sei. Pensem nisto agora que os vermes começam a sair da madeira por acção do calor.

publicado às 09:05


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