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Realismo puro

por Samuel de Paiva Pires, em 02.04.08
O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, afirmou que O direito é um instrumento ao serviço de opções políticas que, em cada circunstância histórica, se vão constituindo. E há momentos de ruptura no sistema jurídico internacional e de ajustamento das normas jurídicas internacionais à realidade, decorrente do que pensam os actores que pesam na modelação do sistema internacional.

Diz-nos o Professor Maltez a respeito destas afirmações que duvido que subscreva a magnífica frase do nosso ministro dos estrangeiros, para quem o direito internacional é "um instrumento ao serviço de opções políticas", ao bom estilo do Manifesto Comunista de 1848. Apenas reconheço que, no Instituto Diplomático, não devem dar Antígona, Cícero, os jusnaturalistas de antes do Iluminismo, os jusracionalistas kantianos e os actuais defensores do direito da razão.

Devo dizer, até porque alinho mais pela vertente Realista da Teoria das Relações Internacionais que, quer se goste ou não, é a que domina a academia norte-americana que, por sua vez, domina as restantes (salvo a excepção da mais evidente contra-corrente, a Escola Inglesa), que por mais que queira acreditar nas boas vontades do idealismo e do dever ser, não posso deixar de constatar o mundo que é.

E no mundo que é, até muitos professores da área do Direito e Direito Internacional reconhecem que o Direito Internacional Público é uma realidade extremamente politizada e feita a partir da vontade do mais forte, até porque nesta sociedade anárquica a ordem mundial faz-se sempre a partir da vontade dos vencedores e dos mais poderosos, esses sim detentores da razão, porque imposta pela sua capacidade de constranger os outros à sua vontade. A razão é a razão dos vencedores, não é uma qualquer razão inscrita nos corações dos homens ou reflexo do que é ideal ou moralmente justo.

Qualquer aluno de Ciência Política e/ou Relações Internacionais sabe que uma Constituição só é legítima até que haja uma ruptura de regime, em que um golpe de estado inicialmente é sempre ilegítimo, mas no dia seguinte legitima-se a si próprio, logo de seguida revogando a Constituição que entretanto se tornou ilegítima, para dar lugar a uma nova Constituição legítima à luz do novo regime instituído.

Ora se daqui decorre que o Direito é uma realidade sempre submetida ao regime político, que no plano interno, se torna dogma porque existe uma entidade, o Estado, que assegura, ou deve assegurar, a implementação, cumprimento e inviolabilidade, ou consequência e/ou sanção da violação da Lei, pelo que assim será o Direito uma realidade dinâmica e volátil consoante as vontades políticas, quanto mais no plano internacional onde não há uma submissão a uma entidade superior que a todos fizesse submeter às mesmas regras.

Tratados e acordos são meras formalidades, valem o que valem para a realidade em que são forjados, os tempos mudam, os governos mudam, os regimes mudam e essas orientações também mudam consoante os vencedores e definidores da ordem mundial. Daí a parca coincidência entre determinadas manifestações de Direito Internacional Público e a prática acção dos Estados, que se movem apenas pelas suas necessidades e interesses.

O Direito não é uma realidade absoluta, a Política não é a procura do bem comum e da razão. A Política é a manipulação de vontades pelos mais fortes que submetem o Direito consoante os seus desejos e necessidades.

Não estou a dizer que concordo com isto. Estou apenas a constatar que assim é, infelizmente porque nunca nos será permitido atingir um regime perfeito e porque estaremos sempre sujeitos a injustiças e à acção da governação por parte de medíocres, felizmente porque se alguma vez o atingíssemos a política deixava de ter piada.

publicado às 04:26


5 comentários

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De Nuno Castelo-Branco a 02.04.2008 às 09:43

Claro e isso chama-se realpolitik. Uma nau, um couraçado ou um cruzador com os canhões bem municiados e aguardando impacientemente numa qualquer baía, valiam e valem mais, que todas as recepções chanceleiras de pastel de bacalhau e correspondentes papiros publicamente conhecidos pelo pomposo nome de Tratados.
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De Almeida a 02.04.2008 às 14:06

" A Política é a manipulação de vontades pelos mais fortes que submetem o Direito consoante os seus desejos e necessidades."


A "Política" é bem mais do que isso. Esquceu-se de acrescentar "internacional" à frente de política. São duas realidades bem diferentes.
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De Pedro Leite Ribeiro a 02.04.2008 às 21:43

A mim o que me parece é que Portugal se prepara para reconhecer a independência do Kosovo. Ou já o fez e a informação passou-me ao lado?
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De Pedro Leite Ribeiro a 02.04.2008 às 21:52

Pois: só depois de feito o comentário é que fui ler a notícia do Público. Enfim, precipitei-me e peço desculpa.
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De Samuel de Paiva Pires a 05.04.2008 às 02:33

Caro Pedro

não tem que pedir desculpa de nada!

Caro Almeida

Não me esqueci de acrescentar "internacional" à frente de política, fi-lo propositadamente como analogia entre a sociedade de Estados e a sociedade interna do Estado, embora sejam, claro, realidades bem distintas.

Ainda que o Estado tenha competências quanto ao garante da justiça aplicada pelo Direito, esse emana em grande parte do parlamento ou governo (sem esquecer ainda o ordenamento jurídico da União Europeia), que por sua vez emana dos partidos, e esses promovem os seus interesses enquanto grupos de interesses organizados, enquanto representantes (teoricamente) das "forças profundas" da sociedade.

Os partidos enquanto base da democracia demonstram uma grande capacidade de organizar e movimentar grupos sociais, protegendo e promovendo os seus interesses que, muitas vezes, passam pela submissão ou alteração do Direito/Lei às suas necessidades, o que é apenas normal (no sentido realista, claro que não no sentido idealista), a meu ver, seja a nível nacional, seja a nível internacional.

Cumprimentos
SPP

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