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O embaixador imperial

por Nuno Castelo-Branco, em 03.08.10

No Expresso do passado fim de semana e no meio dos trastes do costume, o prático saquinho de plástico reservava-nos uma extensa e interessante separata, focando as já seculares relações luso-japonesas que dentro de três décadas comemoração o V Centenário. Este será um século de celebrações luso-asiáticas - a desconfiada Índias, as receptivas Tailândia, Indonésia, Ceilão, Malásia, Birmânia, e China - e se existisse a mínima intenção em se aproveitar esta oportunidade única, muitos proventos Portugal retiraria de um património que de tão esquecido ou negligenciado, pertence apenas aos poucos que por ele se interessam. Em poucas palavras, a um punhado de académicos, alguns dos quais persistem em manter esta memória e inestimável contributo para aquilo que o Ocidente ainda é.

 

O embaixador imperial concedeu uma importante entrevista, na qual focou os tradicionais pontos de contacto entre os dois países e sobretudo, a grande influência cultural que teima em vingar num Japão nostálgico de um passado sempre  evocado.

 

As glórias da modernidade conquistada por uma administração competente e sob a orientação de um soberano de excepção, fizeram do Império do Sol Nascente, uma grande potência que sacudiu o torpor de séculos de isolacionismo que poderiam ter transformado o país, em mais uma colónia do avassalador imperialismo europeu que em oitocentos alastrava por todo o Extremo Oriente. O império consolidou a sua independência, abriu-se ao mundo, contratou técnicos e deu uma especial atenção à formação de quadros, libertando-se de preconceitos  locais que viam o estrangeiro como uma ameaça à segurança de uma velha comunidade de enraizadas convicções e princípios. Seis décadas decorridas após a revolução Meiji, os couraçados japoneses já haviam vencido a frota russa em Tsushima, tinham perseguido os navios do Kaiser pelo Pacífico fora e substituído a Alemanha como presença em valiosos territórios na China, nas concessões internacionais que mais não eram, senão arremedos de possíveis futuros Hong-Kongs. Culminou esta ascensão, com a simbólica presença da frota japonesa nos portos da Indochina Francesa, onde risonhos vietnamitas respondiam às imprecações escandalizadas dos seus gálicos senhores coloniais, dizendo que ..."os japoneses são duros ocupantes, mas aqueles porta-aviões e couraçados foram construídos na Ásia e pertencem a gente igual a nós".

 

A parte substancial do discurso do diplomata, deverá ser entendida nas evidentes sugestões enviadas às eternamente distraídas, euro-obcecadas ou ignorantes autoridades portuguesas. O senhor embaixador diz aquilo que há muito tempo os monárquicos têm defendido, mas sem qualquer tipo de sucesso junto do poder instituído. Os governos portugueses olham demasiadamente para a Europa Central, um espaço que nos é estranho e pouco favorável. Portugal é um país europeu, mas as suas verdadeiras oportunidades de crescimento, encontram-se precisamente  naquele património adquirido ao longo de séculos de persistente labuta daqueles que tendo governado o país, deixaram à iniciativa dos mais ousados, o estabelecimento de entrepostos comerciais que conseguiram irradiar uma cultura que decisivamente contribuiria para o progresso em paragens tão distantes e díspares como a África dos dois oceanos, a América do Sul e a Ásia.

 

Quase podemos sentir o desdém contido, em certeiros comentários que sugerem a hipótese que persiste em perder-se, de um Portugal que nas devidas proporções ..."poderia ser o Japão da Europa". A extraordinária posição geográfica no centro do grande comércio mundial que liga o Atlântico a todos os outros oceanos do planeta, uma língua que tende a expandir-se a par do inglês e do espanhol, uma situação climatérica privilegiada e uma população nada avessa à curiosidade e ao conhecimento do outro. O embaixador diz aquilo que no seu país é interiorizado como uma quase absoluta verdade histórica: Portugal não é a "mesma coisa". Os japoneses respeitosamente reverenciam os contactos estabelecidos com holandeses, espanhóis e ingleses, mas no caso de Portugal, esse respeito vai muito além da sua proverbial cortesia. Entra-lhes pela casa adentro, permanece nas páginas dos seus livros de história, come-se à mesa, continua em palavras do quotidiano e por mais paradoxal isso nos possa parecer, significa o progresso de um momento inesquecível. É isso mesmo que hoje os faz desfilar pelas ruas de uma Lisboa calcinada pelo sol de verão, procurando nas nossas fachadas, os elos nunca perdidos com aquele velho reino que tanto lhes deu e que decerto gostariam ver reerguer-se e figurar entre os maiores.

 

De uma forma cortês, o embaixador imperial desferiu um tremendo ataque a uma política ruinosa, estúpida e incompetente, que tem privado Portugal do seu verdadeiro lugar no mundo.

 

Em retribuição pelos missionários, militares e comerciantes que há quinhentos anos chegaram ao Japão, não poderá o único Tenno discretamente enviar-nos uma completa e multidisciplinar missão composta por Nakamuras, Konoyes, Suzukis, Oshimas ou Umezus, que contribuam decisivamente para o quebrar das grilhetas que nos prendem a este pelourinho e deixa Portugal à mercê de todas as intempéries?

publicado às 10:00


2 comentários

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De NanBanJin a 03.08.2010 às 17:47

Meu Caro Nuno:

Obrigado por mais este belíssimo texto.
Não menos poderia eu esperar no ESTADO SENTIDO, uma referência de topo para mim na blogosfera.

Permita-me só que deixe aqui um ou outro acicate a um debate — na esteira do tema (que me é tão caro...) a que o Nuno, neste artigo, nos convida a reflectir — e que considero ter todo o cabimento.

Também eu gosto — oh se gosto!...— de conjecturar (ou melhor, de fantasiar...) sobre se poderia um dia Portugal, «nas devidas proporções "ser o Japão da Europa"» — é de facto um tema deveras curioso para trocar impressões, sem que ninguém se preste a ser, a este respeito, levado demasiado a sério, e, de facto, muita gente ficaria por demais surpreendida ao constatar a quantidade de pontos de comparação perfeitamente válidos que aproximam, ainda que aparentemente só a um nível superficial, as realidades de ambos os países, como os que agora me ocorrem...

Em todo o caso, é absolutamente necessário, logo à partida, recordar que os quadros histórico e cultural (e sobretudo este...) que providenciaram ao Japão o lugar que este ocupa hoje no Mundo e na psique colectiva de todos quantos de nós o observam hoje com pasmo e veneração, são, digo-lo eu, um num milhão.

De resto poderíamos aqui repescar um par de casos que tentaram literalmente copiar o "milagre" da Era Meiji e que pur'e simplesmente falharam — e estou a pensar na Pérsia dos Sha da Dinastia Qajar e na Turquia de Mustafa Kemal Atatürk — e aos quais ninguém ofereceu até hoje uma explicação definitiva sobre os respectivos fracassos.

O Japão é sem dúvida um país excepcionalmente complexo na sua labiríntica identidade psíquica, e nada ou ninguém verdadeiramente se lhe assemelha — excepção feita talvez e só à China —, abstractamente considerado; um país de vários rostos, uns serenos e convidativos, outros ferozes e intimidantes, e outros, também, diga-se a verdade, patéticos e deploráveis. Exactamente como as famosas máscaras do Teatro 'Noh' que tão singelamente ilustram essa peculiar idiossincrasia. E todos esses rostos meticulosamente combinados entre si...
Os-de-fora que aqui vivem e labutam que o digam...

E foi, e é ainda hoje, em larga medida por mister deste
indecifrável código mental-cultural que o Japão tem cativo o respeitável lugar no Mundo que lhe reconhecemos.

É preciso, pois, e antes de mais, ter esta percepção do problema à cabeça da sua resolução.

É que, mais que dos seus problemas económicos, históricos, sociais e políticos, Portugal padece, hoje ainda, de um vasto, complexo e difícil de diagnosticar, problema cultural e de mentalidade das suas gentes que se transmite, qual doença crónica, entre gerações, e que enquanto não fôr objecto de um tratamento adequado e meticuloso, jamais poderá aspirar a seguir esse exemplo de grandeza e reconhecimento no Mundo.
Para reflectir.

Meus mais amigáveis cumprimentos,
de Kyushu, Japão,

Luís F. AFonso, NBJ

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De Nuno Castelo-Branco a 03.08.2010 às 20:23

Caro NanBanJin, quem pronunciou a frase, foi o honorável embaixador japonês e entendi perfeitamente o que ele quis dizer. Foi amável e as suas palavras chocam pelo contraste que existe e a quase todos os níveis. Talvez tenha sido intencional, mas, creia-me, quem as devia ler não as entenderá. É o costume. A grande reforma Meiji consistiu num aspecto quase exclusivo na história mundial e se vingou, tal se deve aos próprios japoneses que reconhecem a autoridade, o intemporal sentido do dever, o sentido do colectivo em vez do interesse do pequeno grupo. Diz bem, na China existe algo de paralelo e talvez, neste ou naquele país asiático.
Na Pérsia dos Qajars, as reformas não foram avante devido a vários factores, entre os quais a própria situação geográfica do país e a lassidão dos governantes, facilmente corruptíveis. Mais tarde, o grande homem que sem dúvida era Reza Pahlavi, defrontou-se com o mesmo problema. Nem sequer valerá a pena mencionarmos Attaturk, pois este cometeu o gravíssimo erro de se desembaraçar do Sultão, entidade histórica com um colossal peso na Turquia e em todo o mundo muçulmano. Predominou o interesse pessoal e até, a vaidade. Agiu com determinação, mas infelizmente, as reformas perenes não se mantêm apenas por decreto, sendo necessário que o passado não seja esmagado de rompante.
O caso alemão da era Bismarck e Guilhermina, é um outro exemplo de autêntica revolução que levou à ascensão de um poder que em poucas décadas, quase foi mundial. Ora, no nosso país, foi precisamente isso que se fez e hoje o regime comemora. Como noutros sítios, olha-se o acessório, preterindo-se aquilo que é essencial e dá forma ao todo. Exactamente ao contrário do sucesso japonês que dura há quase 150 anos.
A sua imagem das máscaras do teatro Nô é perfeita e até podíamos ousar traçar mais um paralelo. Se tal existisse no Portugal de hoje, ficaríamos apenas pelo patético e nada mais. A geral rejeição da disciplina e ordem - uma autêntica doutrina que mina a sociedade portuguesa - que é essencial ao progresso e bem estar, é paradoxalmente, exigida por quem dela necessita e pretende impor, quando quer encher os cofres do Estado. Isso diz tudo.

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