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Ordem Natural

por Manuel Pinto de Rezende, em 30.10.10

O Miguel Madeira escreve aqui uma útil contribuição a esta discussão que tive com Rui Botelho Rodrigues, que falha - por culpa minha - em assentar todas as definições necessárias e as explicações devidas para um diálogo construtivo.
No entanto, o propósito da discussão não está em ligar especificamente a Monarquia à ideia de descentralização, visto que imperam, sobretudo hoje em dia, monárquicos desafectos a qualquer proposta de uma integral descentralização dos órgãos político/administrativos municipais, infra-municipais, regionais e estaduais.

De facto, o multi-Estado Medieval é desencorajador à uniformização social que tem vindo a imperar no Mundo Ocidental desde a Revolução Francesa. O liberalismo oitocentista criou um espírito de colaboração entre o empresário e o poder político que suplantou as antigas liberdades regionais e comunitárias da Europa. Assim, em nome dos benefícios materiais, a revolução isolou o indivíduo da sua comunidade, da sua gens, da sua família, e colocou-o impiedosamente só perante o Estado, em igualdade despida. O fim dos privilégios de casta e comunidade sonegaram mil anos de história. Por muito que alguns fossem justamente considerados injustos, outros mais não eram do que a justa recompensa de um poder político hierarquicamente superior (poder político esse que era soberano político, não soberano social, como o são os parlamentos modernos) por serviços prestados a esse multi-Estado, recompensas essas que eram sedimentadas pelo entendimento entre os órgãos políticos e pela continuidade da Ordem legal.

O que o Miguel diz sobre o absolutismo régio é verdade. O germen do estado uniforme começa com a negação do carácter do rei - quando este deixa de ser o rex, a regra, e passa a ser o Estado.
No entanto, as revoltas contra o poder político dos reis iluminados mais não são que reacções vivas e quase sempre com êxito contra o que é, ainda, uma pálida tentativa de centralização e imposição de impostos directos mais volumosos.
Tentativa essa que foi, mais tarde, remida pelas últimas braçadas da Antiga Ordem. Luís XVI não viveu o tempo suficiente para ver a revolta das províncias da Vendeia e de Lyon, e de muitas outras, que viram reconhecidas por este rei os seus privilégios regionais e a sua autonomia administrativa e política em vários assuntos.
Também os Carlistas e os Miguelistas apresentam essa unidade de interesses - a liberdade comunal, o carácter personalístico da cultura cristã e a força da comunidade contra o Estado Uniformizador, o Administrador Absoluto.

O caso da Suíça é revelador desta tendência também. A confederação helvética também passou por uma Guerra do Sonderbund para que as liberdades locais fossem destruídas para que apenas regessem os cidadãos os direitos reconhecidos pelo Estado Democrático.
De facto, não basta um Rei para manter a descentralização, mas é um bom atenuante, visto que de federada a Suíça actual tem muito pouco.
A Polónia antiga pode ser considerada uma monarquia, mas poucas monarquias nasceram de um espírito tão republicano, vulgo aristocrático, como a monarquia polaca. Esse próprio regime sofreu as consequências da sua originalidade, que todos conhecemos: foi excessivamente descentralizador e anárquico, como o são todas as coisas em que se envolve a aristocracia sem moderação do poder régio - como é o caso das Cidades-Estado italianas, nas quais uma aristocracia burguesa muito semelhante fez e desfez, durante séculos, quase a seu bel-prazer, as leis e as próprias convenções sociais dessas nações.

Assim, vemos que a centralização é fenómeno democrático, e que tanto a democracia ilimitada criada pela Revolução Francesa - e continuada por todos os regimes "liberal-sectaristas" do ocidente - como o patrocínio Estadual da burguesia e da progressão técnica são inimigas da Liberdade, Igualitaristas nas sua génese e preconizam a criação de um Estado Providência que infantiliza o Homem e é a final machadada no poder local e na necessidade egoísta do Homem cooperar e integrar os valores que constituem a comunidade.

A Monarquia não pode ser instituída para a criação de uma Ordem Integralista. Virá no natural seguimento dessa tendência, visto que a autoridade real é o melhor garante da preservação da liberdade dos mais fracos contra o progressismo daqueles que vivem considerar o Bem como uma comodidade relativa sujeita às modas da sociedade burguesa.
O ideal de Monarquia tradicional pende, exactamente, para essa concepção de Bem e Mal, e que esse mesmo Bem não prevalecerá se não for protegido por um Governo comprometido com as leis tradicionais.

publicado às 16:21


22 comentários

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De Anónimo a 30.10.2010 às 16:29

Ó Manuel,

Hoje é dia de pândega, eu aqui a procurar inspiração para uma Resposta, e vem você com um texto destes...
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De Manuel Pinto de Rezende a 30.10.2010 às 16:51

Dia de Pândega, ponto e vírgula. Eu estou em casa a estudar feito morcão.
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De Anónimo a 30.10.2010 às 17:00

eheheh. Bem feito. Deixe tar que eu tenho aqui cento e tal artigos e esta coisa tem o prazo a acabar.

Recorra à cábula filho...ponha tudo no código, em forma de glosa...e depois na oral, debite, debite como se estivesse no ES.

O que está a estudar, já agora?
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De Manuel Pinto de Rezende a 30.10.2010 às 17:02

Já não estou na Faculdade de Direito. Estou a estudar Civilizações Antigas, minha cara.
Faculdade de Letras. licenciatura de História.
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De Anónimo a 30.10.2010 às 17:07

Ó Manuel!!! Que é que andou a fazer? Porque desistiu?

Então, foi desistir porquê? A passagem por Direito em Portugal é apenas uma «coisa pouca». Quando se sai é que se aprende!! Porque desistiu? Podia fazer as licenciaturas ao mesmo tempo. Ora Manuel, essa informação deixa-me muito triste!!
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De Manuel Pinto de Rezende a 30.10.2010 às 17:10



cada um tem a sua vocação e o seu elemento, Educadinha.
Não fique triste, porque eu estou melhor assim. Estou feliz com o que estudo. E além do mais, este país já tem juristas suficientes, não necessitaria de mais um jurista mediano como eu.
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De Samuel de Paiva Pires a 30.10.2010 às 17:12

Meu caro,

Os meus parabéns. Estou de acordo, este país já tem juristas a mais. E de qualquer das formas, nem que seja por "desporto", mais tarde podes voltar a enveredar por aí e acabar o curso.

Abraço
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De Manuel Pinto de Rezende a 30.10.2010 às 17:17

Exactamente. Estou a pensar num mestrado em História do Direito. Ou Económica.
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De Manuel Pinto de Rezende a 30.10.2010 às 17:18

Impressionante é este post ter 8 comentários e nenhum sobre o texto.
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De Samuel de Paiva Pires a 30.10.2010 às 17:24

Já tinha lido e estava a reflectir. Também tenho acompanhado a discussão e os argumentos de RBR. Quanto a este post, propriamente dito, concordo particularmente com o penúltimo parágrafo. Elaborei recentemente um ensaio sobre representação política e, através de algumas leituras, apercebi-me que este conceito serviu, a partir do séc. XIX, para maximizar o controlo político sobre grandes extensões de território servindo, assim, quando combinado com o conceito de democracia, o propósito da centralização administrativa do Estado.

Como escreveu o Miguel Madeira, "o progresso técnico-científico, que por um lado favorece a democracia (já que cria um ambiente de desconfiança perante a tradição e autoridade) e por outro a centralização (já que torna mais eficientes os meios de transporte e comunicação, tornando mais fácil gerir tudo a partir da capital)."
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De Anónimo a 30.10.2010 às 17:25

Pois prepare-se para ler o próximo.

É natural, Manuel, que os leitores não comentem alguns dos textos do ES, porque para lhes responder é preciso estudar conteúdos, acreditando, porém, que uma primeira opinião possa surgir de imediato. Talvez, por isso, o ES seja mais de leitura do que comentários...aprende-se.
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De Anónimo a 30.10.2010 às 17:27

Manuel, corte o Educadinha...

Qual jurista mediano, qual carapuça! Um individuo com a sua capacidade de escrita e de argumentação???!

Mas o que acha que define um jurista - advogado?!
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De Manuel Pinto de Rezende a 30.10.2010 às 17:33

O que os define?
Um código de leis, e uma vontade inumana de escrever outro código de leis.
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De Anónimo a 30.10.2010 às 17:41

Não, Manuel. Essa vontade é apenas nos julgamentos. No demais, são os políticos que adoram fazer experiências com o Código de Processo Penal, focalizando-se em cômputos prescricionais, acesso a prova ... documental e outra...atando a mão a magistrados, bons magistrados, que gostariam de julgar devidamente. Sem estraem presos a três mil processos, a outros tantos julgamentos, a outras tantas decisões e a outros tantos estudos.

Acredite que há quem acredite em Justiça e quando assim é, vai-se atrás desta. A Justiça produz-se.
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De Manuel Pinto de Rezende a 30.10.2010 às 18:01

E esses políticos não são todos, por sua vez, juristas?
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De Anónimo a 30.10.2010 às 19:09

Manuel,

O Sócrates não é jurista. Na verdade, nem sei o que é! O homem de cabelo branco, um que tem cara de sargento e de «escarrador» nas finanças e economia nacionais, também não é jurista. Concedo, porém, que há juristas que são deputados e que pensam primeiro na forma como «safar» a sua real «assentadura».
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De Manuel Pinto de Rezende a 30.10.2010 às 20:02

O problema é que, devido ao excesso de juristas na nossa sociedade, criou-se o preconceito de que a Norma se auto-justifica.
Como tal, não há qualquer pudor em revolucionar o ordenamento jurídico de 4 em 4 anos.
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De Anónimo a 30.10.2010 às 22:49

Bem...em boa verdade, Manuel, há quem nem espere tanto tempo. Basta haver um TIR e se tiver que se mudar a lei, com o actual estado de coisas, mas também antes de Sócrates, pode crer que a norma muda. Para outra dita constitucional. A «evolução» em Portugal, no sentido da saúde normativa dá-se a um ritmo chocante...
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De Anónimo a 30.10.2010 às 17:21

Manuel,

Sabe, eu fui sempre e sou, muito rebelde. Sistema, rotina, não me fazem feliz...ora Direito, o da FDL era um território de gente que decorava «sebentas», debitava nas aulas práticas, sempre na mira de dispensar do exame oral. O que eu podia perceber, uma vez que havia por lá algumas figuras alegadamente tenebrosas. Exemplo: Prof. Soares Todavia, dei-me sempre bem com eles, fiz oral com o primeiro, aliás fiz o curso quase todo em exames orais..não tinha paciência para «lambotismo», e sendo figura feminina, a coisa era bem pior. Tive Colegas que desistiram no terceiro ano, porque não aguentaram a pressão. Fiquei sempre com pena, porque eram inteligentes e creio que abandonaram o curso com uma sensação de frustração, pelo tipo de sistema que imperava ali.
Eu nunca faria outra coisa, apesar de reconhecer que se trata de um curso que pode limitar, mas também nos pode fazer ingressar noutros dominios, como matérias de medicina, engenharia, enfim, de acordo com aquilo que nos sai e que temos de representar. Pode ser uma profissão bonita, se o fizer com justiça e colaborar com esta .... em vez de engonhar e alardear que a culpa da morosidade e falta de qualidade da justiça é dos magistrados. A verdadeira culpa é mesmo de quem faz a lei, e esta é feita pelo interesse do político...percebe, porque tantas vezes falo de uma certa instituição?

Tenho pena que tenha deixado Direito, porém, se está mais feliz onde está, é isso que interessa.
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De Carlos Velasco a 30.10.2010 às 18:49

Caro Manuel,

Bravo! O seu texto analisa de forma bem clara e concisa uma problemática central do mundo ocidental, ou seja, a sua gradual transformação numa espécie de "império fluvial".
Agora os mesmo agentes históricos que no passado criaram este monstro tratam de oferecer "novas soluções" para os problemas criados por eles próprios, que passam pela dissolução dos estados nacionais e na constituição de entidades multinacionais que procuram uniformizar tudo.
Aqui em Portugal, devido a essa falta de perspectiva histórica, alguns acham que a solução é a criação de regiões biónicas sem ver que isso só enfraqueceria a soberania nacional e aumentaria o centralismo de Bruxelas, apoiado pelas grandes corporações monopolistas que vão construindo o seu socialismo.
Desejo a si todo o sucesso nesse estudo,

Cumprimentos,

Carlos Velasco
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De Anónimo a 30.10.2010 às 20:37

O rapaz merece, o rapaz merece.

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