por Samuel de Paiva Pires, em 24.06.08
Porque também nutro uma especial admiração de teor académico pelo homem do século XX português, quero notar aquilo que escrevia em 1936/37 no ensaio "Como se reergue um Estado" (ed. Esfera do Caos). Se paralelismos podem ser traçados entre o sistema do rotativismo monárquico do século XIX e o que se revela hoje em dia, é também de notar a forma precisa como Salazar diagnostica algo que tem levado à decadência dos regimes políticos em Portugal, tão presente na I República como talvez na actual III. Tirem as ilações que quiserem:
A seriedade é, em primeiro lugar, a conformidade dos sentimentos com as ideias e a conformidade dos actos com os princípios. Tanto na vida pública como na vida privada, a falta de sinceridade desmoraliza e cansa: nenhum regime político que emprega a mentira como método de governação ou que se contenta com verdades convencionais pode ter crédito na alma popular.
Para nós, não há falsas acusações como arma política, nem factos para além daqueles que foram controlados, nem promessas que não sejam a antecipação de um desígnio amadurecido ou de um plano realizado com segurança.
Se somos contra os abusos, as injustiças, as irregularidades da administração, o favoritismo, a desordem, a imoralidade, é porque isso corresponde a uma ideia séria de governação e não a uma atitude política, à sombra da qual cometemos os mesmos abusos e as mesmas injustiças.
(...)
A gravidade da vida não implica necessariamente o luto da tristeza, o pessimismo, o desencorajamento; ela é, pelo contrário, muito compatível com a alegria do povo, as brincadeiras, a graça e o riso. Exige simplesmente que as coisas sérias sejam seriamente tratadas. Eis porque é que as pequenas conspirações de passeata, os planos dos revolucionários desempregados, os projectos que trarão felicidade e abundância apenas porque são publicados no Boletim Oficial, os gabinetes de amigos, as combinações de nepotismo, a distribuição de lugares e a criação do caos de onde sairão depois, espontaneamente, a ordem e a luz, deixam de lado as profundas realidades nacionais e não passam em geral de jogos infantis, de pequenas tragédias familiares, sob o olhar vigilante dos pais.