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Uma campanha na Cirenaica (1941-42)
Sob o ponto de vista diplomático, Luís Amado pode dizer o que quiser e de facto, parece ter a razão do seu lado. O ex-amigo do governo português - e de muitos outros, nomeadamente dos EUA - colocou-se numa posição politicamente insustentável. No entanto, se atendermos apenas ao aspecto militar da questão, o caso é bem diferente.
Se excluirmos as imagens onde os quad anti-aéreos são presença constante e ícones da revolta, o que temos verificado? Bastantes AK-47, alguns RPG que são disparados para o infinito vazio do deserto e uns esporádicos disparos de órgãos de Estaline. Nada mais. Pelo que se mostra e apesar da captura de alguns importantes depósitos de armas, nada de muito substancial parece estar nas mãos dos insurrectos. Vimos alguns transportes blindados de tropas e alguns tanques russos T-55 (?), estes últimos parados e exibidos como testemunhos mudos de uma vitória pela omissão da resistência. O exército líbio acantonado no leste do país, apresenta à primeira vista, um aspecto deficientíssimo, tanto em termos de instalações, como de equipamentos de toda a ordem.
Se Kadhafi realmente conseguiu aniquilar a rectaguarda - Zauía -, poderá então calmamente voltar-se para leste e utilizar unidades pesadas contra os grupos heterogéneos de opositores mal armados e sem um enquadramento coerente. A dificuldade da logística é o ponto essencial a considerar, mas nada nos garante que não esteja a ser tratado já há bastantes dias. Por outro lado, a demora na imposição da zona interdita a voos, funciona como um factor de encorajamento do regime, dado serem evidentes as divergências na aliança ocidental e a clara oposição dos outros parceiros internacionais - a Rússia e a China - que na ONU muito têm feito para dificultar qualquer acção concreta. Entre a adopção de sanções que valem zero e as medidas operacionais efectivas, correrá o tempo necessário para que a revolta seja militarmente esmagada. Qualquer "estratega de café ou jogo de computador" - condição que reivindicamos sem qualquer outra pretensão - percebe esta evidência.
Neste preciso momento, o mundo poderá ser surpreendido por um golpe de mão desferido por algumas unidades motorizadas de Kadhafi, criteriosamente escolhidas e convenientemente equipadas. Nem sequer necessitará de aviões ou de helicópteros, estando Bengazi desprovida do grosso de homens em armas, mas sem mísseis portáteis anti-aéreos, peças anti-tanque ou blindados com um real valor militar. Como dizem os jornalistas no terreno, nota-se que os insurrectos se têm concentrado em grupos mais ou menos numerosos, nas imediações da Via Balbia e sempre perto da faixa costeira, desde esta manhã sob bombardeamento naval, aéreo e terrestre. Mas o que dizer acerca da possibilidade de um inesperado ataque directo a Bengazi, por parte de unidades surgidas do nada, isto é, do deserto? Tal já aconteceu e surpreendeu unidades regulares e bem equipadas de uma grande potência.
Se Kadhafi já perdeu a Líbia no plano político, parece ainda longe de ter dito a derradeira palavra no campo das operações bélicas. Basta-lhe abrir um livro de história do Afrika Korps e copiar, com muitas vantagens, Rommel. Terá a presença de espírito para o que é óbvio?
Nota: como ontem fazia notar o nosso leitor GP, notemos que estes combatentes de ambos os lados, não podem ser considerados como aquilo que se designa de "amigos do ocidente". O conceito de "democracia" é lato e conhece-se a forma depreciativa com que somos tidos naquela parte do mundo, ou melhor, entre aqueles que professam a religião de Maomé. Agora, compare-se o nosso escandaloso descalabro na preparação militar de duas gerações de jovens portugueses e a ausência no Ocidente, de qualquer tipo de ânimo que possibilite uma resistência efectiva. A queda do bloco de leste levou à apressada redução dos efectivos militares em toda a Europa, adoptando-se também o controverso modelo do exército profissional. Hoje em dia salta à vista, a consequência imediata deste desastre: a total ausência dos conhecimentos mínimos acerca da defesa e manuseamento de equipamentos. Aqui está um aspecto a considerar pelos agentes políticos. Sem qualquer noção de pátria, nação, fidelidade a uma causa - monárquica ou republicana - e com Deus morto e bem enterrado, uma boa parte da Europa encontra-se praticamente indefesa. A Grã-Bretanha poderá ser a excepção, pois "morrer pela Rainha", transcende em muito as palavras, dando alguma consistência a um todo nacional.
Muitos poderão contestar, referindo a fragilidade das convicções religiosas de quem hoje berra Alá-u-Akbar! a plenos pulmões. Pois bem, mas gritam por algo que não podem definir, mas que inegavelmente os galvaniza, mostrando o peito às balas. As medonhas imagens de Zauía destroçada e com as ruas juncadas de quads anti-aéreos abandonados, são sempre enquadradas por cânticos religiosos difundidos em alta gritaria pelos altifalantes. Imaginam isto na Europa?