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A respeito do vídeo do momento, dirigido aos finlandeses, estou em crer que este é contraproducente. Para além dos erros históricos grosseiros, é indigno de uma nação com 9 séculos de História colocar-se nesta posição de tentativa de cobrança moral de um apoio aparentemente altruísta em tempo de guerra, quando é mais que certo que nos bastidores da UE a reapolitik obviamente forçará não necessariamente a aprovação mas pelo menos a abstenção por parte do governo finlandês. Não é por acaso que ainda não tendo formado governo, o actual ministro das finanças finlandês, futuro Primeiro-Ministro, defende o apoio ao resgate. E também não será por acaso que o líder dos True Finns tem jogado com esta questão por puro tacticismo a nível de política interna, já se tendo mostrado aberto à aprovação do apoio. Se eu fosse um finlandês, em face deste vídeo, agarrava em meia dúzia de gráficos da evolução da economia portuguesa, colocava-os numa carta ou num vídeo e perguntava: "Se são assim tão bons, porque têm maus políticos e governantes que arruinaram a economia?". E sim, todos sabemos que seremos nós a pagar o apoio. Mas, em primeiro lugar, serão os países da UE a endividarem-se nos mercados para garantir as verbas necessárias ao mesmo, que implica directa e indirectamente dinheiro dos contribuintes dos respectivos países. Não estamos em posição de andar a brincar aos orgulhos pseudo-patrióticos de quem não sabe lidar com a grandeza da sua História, olhando recorrentemente para o passado sem saber como lidar com o presente e o futuro, o que é apenas sintomático da crise de hiper-identidade de que sofremos.
Posto isto, importa salientar que me causa alguma perplexidade ver muitas pessoas que me são próximas entusiasmadas com este vídeo. Não só pelo que escrevi acima, mas principalmente porque têm a obrigação, em resultado da sua formação académica, de notar os erros grosseiros que o vídeo contém, bem como a falácia da mensagem final quanto ao apoio à Finlândia na II Guerra Mundial.
Não deixa de ser curioso ver muitos dos "anti-fássistas" a tentar cobrar este apoio. Se pensarmos um pouco, não é difícil conceber o contexto em que este aconteceu. Para começo de conversa, em 1940 não existiam os meios de comunicação e de tranporte que existem hoje, e estando ainda as liberdades de iniciativa e associação extremamente mitigadas, não poderia a sociedade portuguesa decidir espontaneamente ajudar um país a milhares de kilómetros de distância. Em segundo lugar, considerando a gestão de equilíbrios que Salazar já vinha a ensaiar desde a Guerra Civil de Espanha, entre a aliança britânica de um lado e Berlim e Roma de outro - não por acaso, apoiou Franco e os nacionalistas por intermédio dos grandes empresários portugueses - e sabendo-se ainda da sua arreigada veia anti-comunista, não causa perplexidade que tenha sido o próprio Salazar a ordenar o apoio. Uma breve investigação levou-me a descobrir que, na verdade, foi o Reino Unido quem abordou Lisboa, Roma e Washington no sentido de apoiar os finlandeses contra a ofensiva da União Soviética. O telegrama enviado pelo Foreign Secretary Viscount Halifax ao Embaixador britânico em Lisboa, W. Selby, é a este respeito ilustrativo. E estou em crer que uma rápida consulta ao Arquivo Histórico-Diplomático nas Necessidades poderá trazer luz sobre a restante troca de telegramas. Perante este pedido, o cálculo pragmático e realista de Salazar não terá estado imbuído de qualquer altruísmo. Na verdade, esta era uma situação vantajosa, porquanto se destinava a combater o perigo soviético e reafirmava a tradicional Aliança Luso-Britânica, que viria a conhecer vários episódios durante a guerra. Tal não obstou, obviamente, a uma nota de agradecimento por parte dos finalandeses.
Portanto, não só não há um altruísmo que permita esta recente tentativa de levar a questão do apoio para o campo moral, como, reiterando o que já escrevi acima, me parece indigno de um país como o nosso colocar-se nesta posição. Se querem ser patriotas, sejam-no a todo o momento, em particular fiscalizando os governantes - accountability, como nas democracias liberais de pendor anglo-saxónico.
Depois, entre as várias referências, há erros que deveriam saltar logo à vista de qualquer um que saiba um mínimo de História de Portugal e de Política Externa Portuguesa:
- Há mais portugueses fora de Portugal que no país - Segundo as últimas estatíscas que encontrei, reportando-se a dados de 1999, 10 milhões de portugueses residem em Portugal, ao passo que quase 5 milhões vivem no estrangeiro.
- Arigato é uma palavra portuguesa - este é um mito propagado por muitos. Embora muitas palavras japonesas derivem do português, não é o caso de arigato. Os portugueses chegaram ao Japão em 1543. Há registos da palavra arigato que datam de 759.
- Fomos os primeiros a abolir a escravatura, em 1751 - Dois erros numa só frase. Primeiro, não foi em 1751 mas em 1761 que o Marquês de Pombal, no reinado de D. José I, aboliu a escravatura na Metrópole e na Índia. Continuou em África e no Brasil, já que o comércio de escravos era bastante rentável, como é sabido. Só pelo Decreto de 10 de Dezembro de 1836, pela mão de Sá da Bandeira, que se dedicou a essa causa, foi efectivamente abolido o tráfico de escravos, embora com excepções. Em 1854 foram libertados os escravos do Governo e só em 1869 é que de facto é abolida a escravatura em todos os territórios portugueses. Em segundo lugar, no campo das leis abolicionistas que não o foram de facto, como aconteceu com Portugal (efectivamente, os territórios do império eram Portugal), a primeira é espanhola e data de 1542. No campo das que o foram de facto, a primeira data de 1833, trata-se do Slavery Abolition Act do Império Britânico (no qual, aliás, Sá da Bandeira se inspirou).
-Fomos o primeiro país a abolir a pena de morte - outro mito. Depois de vários tentativas, fizemo-lo em 1867. Antes disso, o primeiro país a aboli-la, embora hoje em dia a pratique, foi a China, em 747 (durou até 759), durante a Dinastia Tang, pelo Imperador Xuanzong. Seguiu-se o Japão, em 818, embora tenha voltado a adoptá-la em 1156. Em 1849 foi a vez da República Romana, em 1863 a Venezuela, e ainda antes de nós, em 1865, São Marino.
- Por último, e embora provavelmente existam mais erros e imprecisões, há um que é particularmente gritante. Segundo o vídeo, Napoleão tentou conquistar Portugal três vezes e falhou. Fiquei tão perplexo perante esta que achei que já não sabia nada de História. A verdade é que a segunda e a terceira das Invasões Napoleónicas foram efectivamente goradas. Mas a primeira, não só teve sucesso como levou à saída da Família Real para o Brasil. D. João VI havia dado ordens para que não fosse oposta resistência às tropas francesas, chegando Junot a Lisboa a 30 de Novembro de 1807, sendo recebido pela Junta de Regência, já depois de ter sido assinado entre França e Espanha o célebre Tratado de Fontainebleau. Junot instalou-se e governou o país a partir de Lisboa, chegando a hastear a bandeira francesa no Castelo de S. Jorge. Embora inicialmente a Junta de Regência tivesse conservado formalmente as funções de Governo em conjunto com os franceses, a partir de 1 de Fevereiro de 1808 um decreto de Napoleão declarou a anexação de Portugal, dissolveu a Junta de Regência e instituiu um Conselho de Governo, formado pelos antigos membros da Junta mas presidido por Junot. Só a partir de Maio é que começam as revoltas populares contra os franceses, que encontram o apoio das forças inglesas, lideradas por Wellesley, no final de Julho, início de Agosto.
Só para finalizar, recomendo ainda a leitura deste post e deste (que aponta mais erros para além dos que indiquei) e que tenham bem em mente que, provavelmente, aquilo que os Finlandeses mais quererão saber sobre Portugal, assim como os restantes membros da UE, é, como salienta o João Miranda, se José Sócrates será reconduzido no cargo de Primeiro-Ministro.
(Errata, adicionada a este post às 15h45 de 9 de Maio, já depois de ontem ter sido assinalada noutro post: Alertado pelo Rodrigo Moita de Deus, cumpre-me efectivamente reconhecer que incorri num erro no meu post anterior, pelo qual peço desculpa aos leitores. Não é dito no vídeo que tenhamos sido os primeiros a abolir a escravatura, ao contrário do que indiquei. Fica o reparo, embora a data, contudo, esteja errada).
Será que as doutas pessoas não repararam no tom humorístico e brincalhão do vídeo?
Sim, tem imprecisões, de facto. Não foi por altruísmo que auxiliamos os finlandeses, é claro que não. E agora, se eles nos auxiliarem, não será – também - por interesse deles? Claro que será!
Não fomos os primeiros a abolir a escravatura e a pena de morte, mas fomos dos primeiros. E isso devia encher-nos de orgulho... mas ok, o que define os portugas é serem Velhos do Restelo! É dizer mal de nós... Temos mesmo a mania que quanto mais mal dissermos mais inteligentes somos: nada mais errado – essa atitude bota-abaixo demonstra mesmo como somos pobres de espírito!
Ah, e o verdadeiro motivo deste texto está no último parágrafo!
Fazer esta análise, pretensamente erudita, de um vídeo com tom humorístico é, ou má vontade ou falta de senso – isso sim é falta de informação e de objetividade!
O contributo do autor do post, tal como o meu contributo, vão salvar o país! (ironia, caso não tenha percebido!).
Concordo em absoluto com a validade de poder discordar. Mas para si só se pode discordar de acordo com o que pensa, não é? O sr. Samuel Pires pode discordar do vídeo, eu não posso discordar do sr. Pires, e o sr. Bruno Mendes pode discordar de mim... Significativo!
Quanto a estar informado, o sr. Bruno Mendes devia começar por tentar compreender melhor o que os outros escrevem e não criticar ou defender gratuitamente o que nem sequer entendeu! Em relação às qualidades da Democracia e da liberdade de expressão, não tem nada a ensinar-me: aliás, nem o fez – limita-se a dizer que devo estudar mais, mas não diz o quê, ao contrário de mim, que digo onde (penso) erram. Faça uma pequena pesquisa e vai ver que está a defender quem “branqueia” o Estado Novo, que, como saberá, era uma época profundamente democrática (ironia!...) e em que a liberdade de expressão era um valor garantido (ironia!...).
Pois, entrou logo a matar, escreveu que eu tenho de “estudar mais”. E critica-me por usar “botabaixismo” mas refere-se a coisas dos outros como “asco”. Já agora o meu “bota abaixo”, além de explicado, não se referia a ninguém em concreto, mas a um sentimento generalizado, e bem identificado por (bons) autores que estudam o “ser-se” português – isto é: não fui eu que fiz ataques pessoais, ao contrário de certas pessoas que por aqui escrevem a defender as liberdades individuais! E o curioso é que o autor nunca refutou o que eu disse, limitou-se a “chutar pró lado”, falar da forma (coisa comum qd se perde a razão) – tudo coisas que o sr. também pratica...
Mais uma coisa acerca da refutação ao vídeo (e com isto paro de escrever aqui – já percebi a “onda”): a crítica que é feita ao vídeo também tem erros históricos!!! (pesquise e verá). Conhece aquela dos “telhados de vidro”? Como explica tamanha indignação com um vídeo de tom humorístico, que não pretende ser nenhuma tese de doutoramento em história, feita por quem TAMBÉM comete erros, num tom sério, pretensamente erudito e desprendido?
Enfim, e critica-me por ter de estudar mais, qd não apresenta nenhum argumento para refutar o que escrevi (e fundamentei) e usa expressões pouco simpáticas e dirigidas, apesar de criticar uma expressão genérica, abstrata e não dirigida...
Fiquem todos muito bem, com as vossas soluções “encartadas” que salvarão o país! Eu vou reduzir-me à minha insignificância de alguém que tenta pensar por si próprio...