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Soren Kierkegaard, O Banquete ou In Vino Veritas:
«Estais agora a ver, meus caros amigos as razões por que renunciei ao amor. As minhas razões são tudo para mim; o meu pensamento é tudo para mim. Se o amor é o mais delicioso de todos os prazeres, recuso-o; recuso-o sem pretender com isso ofender ou desdenhar alguém. Se o amor é a condição do maior benefício, perco a oportunidade de bem fazer, mas salvaguardo o meu pensamento. Não é que eu esteja cego para a beleza, não é que eu esteja surdo para as harmonias e as melodias. Não. O meu coração não é insensível ao cantar dos poetas que gosto de ler, a minha alma não é destituída de melancolia e não deixa de sonhar com as belas imagens do amor. A verdade é que não quero ser infiel ao meu pensamento, pois, se o fosse, o que lucraria com isso? Quanto a mim, não sinto felicidade quando não sinto o meu pensamento livre; nem quando tivesse de interromper os meus pensamentos para me ligar a uma mulher, para gozar as maiores delícias; porque a ideia é para mim o meu ser eterno, e, por isso, mais preciosa ainda do que um pai ou de que uma mãe, mais preciosa ainda do que uma esposa. Bem vejo que se algo deve ser sagrado, é o amor; que se a infidelidade é algures infame é no amor; que se alguma traição é ignóbil, é no amor; mas a minha alma é pura, nunca olhei mulher alguma que a cobiçasse; nunca andei como borboleta em inconstantes voos até que, cego ou empurrado pela vertigem, fosse cair na mais decisiva das situações. Se eu soubesse em que é que consiste o amável, saberia também com exactidão se estarei ou não isento de culpa por ter induzido alguém em tentação; mas como ignoro o que é o amável, posso apenas ter a convicção de que conscientemente, nunca tal fiz nem quis fazer. Suponde agora que eu tivesse capitulado, que me tivesse resolvido a rir ou que sucumbisse de medo, o que talvez fosse possível. Sim, eu não sou capaz de encontrar a via estreita pela qual os amantes tão facilmente seguem como se fosse larga, imperturbáveis em todas as vicissitudes como se tivessem estudado e aprofundado, no nosso tempo que examinou já, sem dúvida, todos estes problemas, e, portanto, compreende também este meu pensamento: não tem sentido agir segundo o imediato, para ter sentido é indispensável passar pela meditação, por conseguinte é preciso esgotar todos os modos possíveis de pensamento antes de passar aos actos. Mas, que dizia eu? Suponde que eu tivesse sucumbido. Não teria eu então, irremediavelmente, ofendido a minha bem amada com o meu riso, ou não teria eu, pela minha retirada, causado para sempre o desespero dela? Quanto à mulher, vejo bem que ela não pode chegar a tão alto grau de reflexão; aquela que julgasse cómico o amor (usurpando assim o privilégio dos deuses e dos homens; porque é ela, mulher, por natureza a tentação que os incita a tornarem-se ridículos) trairia por isso inquietadores conhecimentos prévios, e seria portanto a pessoa menos apta para me compreender; aquela que concebesse o meu receio teria por isso perdido a amabilidade que era o seu encanto, sem que por isso ficasse apta para compreender; de um ou de outro modo, a mulher seria aniquilada, o que eu não sou nem serei enquanto tiver o meu pensamento para a minha salvação.»