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A gente às vezes lê coisas e nem acredita.
Parece que a Maçonaria está a sofrer um ataque gigantesco por parte de teorizadores da conspiração, de pessoas malevolentes que querem reavivar velhas perseguições e destruir uma entidade que para além de patriótica, tanto fez pela liberdade em Portugal.
Como é evidente a Maçonaria nunca nada teve a ver com perseguições religiosas, extinções e expulsões de ordens religiosas, hasta pública de bens roubados por decretos ilegais e substituição por essa via das elites do país. E nossos liberais, que tanto se insurgem contra o Estado Omnipotente, contra as nacionalizações e o crescimento do Estado, são capazes de olhar o saque da propriedade da Igreja, a repressão das consciências e a sua subordinação, como se isso nada tivesse tido a ver com um conflito entre religiões ou visões do mundo. Foi só uma questão espontânea de interacções entre indivíduos e quem diz o contrário é um maluquinho das conspirações.
Como é evidente, as pessoas que esgrimem o argumento da conspiração são as mesmas que afirmavam que o país precisava de destruir o catolicismo, ou de um Vaticano II, para que a democracia e liberdade emergissem. Os mesmos que afirmam que as pessoas que professam uma religião a deveriam subordinar a um conjunto de ideais cívicos que são passados através de segredos. Ou seja, os que dizem que as suas crenças e formas de associação são irrelevantes, são os mesmos que andaram durante os últimos dois séculos de dedo em riste, dando caça a todos os, reais ou imaginários, inimigos da liberdade. Sobre isto não há quaisquer dúvidas.
Sobre deformações da História e o grande patriotismo da associação não-religiosa benemérita o Nuno Castelo Branco já aqui meteu ordem numa história digna dos parodiantes.
Falta-me ainda relevar mais uma. Quando se refere como o conservadorismo europeu é obra de um maçon, Edmund Burke, é preciso não esquecer o ataque que à Maçonaria é endereçado nos escritos posteriores a 1790 e a ideia de que a Igreja é a última esperança e salvação da Europa. Curiosamente são esses escritos que dão origem ao conservadorismo europeu e não as discussões sobre Hastings, a carga fiscal, ou os gastos militares. Apresentada a coisa como aqui, o leitor mais incauto e menos versado na literatura conservadora, pode até acreditar que Burke realmente só se opunha a meia-dúzia de princípios da revolução e que no fundo era um pedreiro-livre que acreditava na liberdade como propriedade racional, quando na verdade a sua oposição é integral a essa visão racionalista.
A insistência de que a Maçonaria não é uma ideologia ou uma religião é talvez das mais curiosas. A Maçonaria gaba-se do seu anti-clericalismo, do seu apego à secularidade do Estado. Mas para o fazer não precisa de um conjunto de pressupostos, de uma afirmação de supremacia da sua própria racionalidade? Essa mesma racionalidade que lhe permite seleccionar e proceder a uma meta-intepretação de todas as religiões, para obter as suas finalidades seculares, não é em si uma racionalidade e uma interpretação cosmológica (ainda por cima alicerçada num deísmo que é totalmente insustentável nos dias de hoje) que se torna suprema face às outras? E como afirmar que uma posição que não é religiosa exclua a da sua concepção de verdade a possibilidade do Deus Vivo e Encarnado? E como todas as ideologias, esta não substituiu uma visão do bem divino por uma concepção secularizada que ordena, ela própria, a própria estrutura da Revelação?
No meio de tantas cortinas de fumo, esta visão do mundo, bem limitada e insuficiente, faz bem em esconder-se e lançar engodos e meias-verdades. Porque o rabo do gato está mesmo de fora.
Caro Corcunda, gostei muito do artigo. É uma pena que haja quem - revelando uma grande ignorância em matéria histórica, o que não se compagina com os pergaminhos académicos que gosta publicamente de ostentar com imodéstia notória - confunda o devorismo jacobino oitocentista puro e duro (origem da maior parte dos males de que Portugal ainda hoje padece…) com um liberalismo imaginário, que de resto só existe dentro da cabeça de quem o idealiza.