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A António Arroio de hoje, "vítima do fascismo burguês-cosmopolita"
Quando em 1974 me matriculei na António Arroio, esperava frequentar uma escola de artes. Era de facto um local cheio de histriónicos artistas de RGA dia sim-dia sim, ali imperando os sopros do vento de uma história muito mal contada. Logo no primeiro dia e na aula de "oficinas", conheci uma frágil professora-neta de um conhecido pintor das primeiras décadas do século passado. Jamais tendo posto o seu minúsculo pé em África, a pequerrucha falava de cátedra acerca de Moçambique, cheia de convicções quanto a "escravos, troncos, colonos impiedosos de chicote em punho e fascismo a passo de ganso pelas savanas". Enfim, com um bocadinho de sorte e em manhã de comício do MDP/CDE, a pobre imbecil talvez garantisse a existência de leões no Parque José Cabral e de crocodilos no lago do restaurante Zambi. A António Arroio viveu anos e anos de chinfrim sem nexo e a "democracia" alternava entre o PC, naquela altura sob a capa da UEC e uma qualquer outra lista de camaradas de outra organização afim, naquele travestismo em que os sovieteiros se tornaram peritos. Nos três anos em que ali me espreguicei, jamais vi uma exposição de pintura, um projecto de estátua ou algo que remotamente apresentasse aquela escola, como a porta de entrada para as belas-artes. Elucidado acerca das ridentes perspectivas que decerto me esperariam ali para os lados da Rua Ivens, nem sequer me passou pela cabeça perder mais tempo. Talvez tenha cometido um erro, não tenho a certeza e isso pouco importa.
Visão de uma espécie de António Arroio "normalizada" pelos camaradinhas
Pelos vistos, o PC continua a fazer o que bem lhe apraz. A A.A. é disso prova e conhecendo o facto da meninagem gostar de berrar, coisa "normal naquelas idades", organiza as actividades a seu bel-prazer. Isto é comum neste Portugal onde tudo vale, perdendo-se o mínimo sentido do decoro. Claro que só os patetas mais encartados acreditarão na cretina ignorância do corpo docente quanto à preparação da vaia a Cavaco Silva, até porque os mini-bolcheviques dos IPAD-IPHONE-ANDROIDS-MCDONALD'S, decerto teriam executado em plena aula os cartazes alusivos à efeméride, ao mesmo tempo que as conversas no bar do fundo do corredor - ainda será o mesmo? - fervilharia com dichotes e palavras menos próprias.
O Generoso Líder visita a escolinha, numa versão de estória da "Anita soviética"
Pintar cartazes e faixas, aqui está uma actividade que se coadunaria com a saída profissional que os comunistas reservariam à "alunagem" da António Arroio. Em setenta anos de regime soviético, os jeitosos dos pincéis foram transformados em pouco mais que pintores de tabuletas, cartazes e faixas com palavras de ordem. Sem qualquer exagero, esta é a verdade, estendendo-se o conceito de cartaz às telas onde o "grande líder" surgiria no meio de atentos e temerosos aduladores, em tempos de penúria colectiva observando umas sacas de trigo para exportação. Guindastes, soldados "em luta", bebés rosados, tractores e imagens de festivas visitas a escolas onde o chefe do Partido é o alvo da deferência de uma multidão de alunos uniformizados e em boa ordem de obediência total. Digam-me os meninos da António Arroio, dois ou três nomes de pintores "soviéticos" que tenham marcado o século? Após o Serov dos retratos da grande sociedade czarista, tudo terminou. Na URSS eclodiu o Grande Nada Proletário e a massificação até ao extremo, inaugurando-se a época da colossal e repetitiva estatuária de Lenines e outros camaradas menores que de metralhadora ou foices em punho, tudo pareciam vigiar.
A versão russa da conhecida série "A Lição de Salazar"
Há mais de trinta anos que não passo aqueles portões e esperemos que algo tenha mudado nas oficinas e salas de aula. É para mim uma incógnita, pois o espectáculo dos relações públicas escolares, é de facto bastante continuísta em relação aos anos de chumbo das décadas de setenta e oitenta.
Não tomemos muito a sério estas brincadeiras no Alto do Pina e não parece ser nada difícil imaginarmos o que sucederia às já peludas crianças, se frequentando uma "escola soviética" do antigamente, se atrevessem sequer a um pensamento iconoclasta. Bem podíamos esperar que pelo menos dali saísse um escultor do já mencionado realismo socialista, capaz de substituir a miserável pilinha torta e cara de oitenta mil contos que no alto do Parque Eduardo VII, em pedra pretende imortalizar o 25 de Abril.