Faz hoje 90 anos. Dois oficiais da Marinha de Guerra, os comandantes Jorge de Sacadura Freire Cabral e Carlos Viegas Gago Coutinho iniciaram aquela que seria a primeira travessia aérea do Atlântico Sul. Depois de todas as terras terem sido descobertas, de todos os mares terem sido navegados, chegara a vez de explorar os ares por onde nenhum ser humano tinha estado, desafiando rotas cada vez mais longas e arriscadas. A primeira travessia sobre do Canal da Mancha, pelo francês Louis Blériot (1909); do Mediterrâneo, por Roland Garros (igualmente francês, em 1913); do Atlântico Norte (da Terra Nova à Irlanda) pelos norte-americanos Alcock e Brown, em hidroaviões da Marinha dos EUA (1919).
Mas os portugueses também fazem das suas. Em Outubro de 1920, dois aviadores da Aeronáutica Militar (do Exército), José Manuel Sarmento de Beires e António Brito Pais tentam a travessia de Lisboa à Madeira num bombardeiro Breguet 14. É uma verdadeira aventura: um vôo directo de 1500 Kms sobre o mar, sem rádio nem navios de apoio, num avião com trem de aterragem de rodas, e portanto incapaz de amarar em caso de emergência. Atingida a Madeira, a ilha está envolta em nevoeiro cerrado, e os aviadores são incapazes de se orientar e aterrar. Esgotado o combustível, despenham-se no mar. Mas como a sorte protege os audazes, acabam por ser salvos, milagrosamente, por um cargueiro inglês que por eles passa, por mero acaso.
No ano seguinte, aquando da compra por parte da Marinha de dois hidro-aviões torpedeiros em Inglaterra, Sacadura Cabral (aviador) e Gago Coutinho (hidrógrafo) propõem a encomenda de um terceiro, modificado sob especificação (asas de maior envergadura, sem armamento e com muito maior capacidade de combustível) para tentar a travessia do Atlântico Sul no ano seguinte, por ocasião do centenário da independência do Brasil. A ideia é aceite, e assim a Marinha recebe o Fairey IIID F-400, que é baptizado de «Lusitânia».
Mas a viagem Lisboa-Rio de Janeiro é bastante mais ambiciosa que todos os anteriores vôos sobre o mar. Totaliza 8000 quilómetros, em grande etapas voadas em larga medida de noite, sem outra referência que não as estrelas, e por diferentes regimes de vento. Para possibilitar o vôo sobre grandes extensões de oceano de noite, Gago Coutinho adapta o sextante para o uso em navegação aérea, dotando-o de um horizonte artificial. Depois de efectuada a primeira travessia bem sucedida até à Madeira, em 1921, a grande viagem tem início a 30 de Março de 1922, quando às 16h30 o «Lusitânia» sai da base de hidroaviões na Doca do Bom Sucesso, em Belém e levanta vôo.
Ao longo do trajecto entre Lisboa, as Canárias, Cabo Verde, Fernando de Noronha e a costa brasileira, a Marinha destacou navios de forma a prestar assistência à expedição. A viagem seria atribulada ao aproximar-se da costa brasileira, e seria muito atrasada quando o «Lusitânia» é perdido na amaragem junto aos penedos S. Pedro e S. Paulo, tendo os dois aviadores sido salvos pelo cruzador «NRP República». De Lisboa, é enviado um segundo avião, o «Pátria», de forma a retomar a viagem desde o ponto em que fora interrompida, mas o azar de novo acontece e também este avião é perdido numa amaragem de emergência.
Mas não era admissível desistir. De Lisboa larga o cruzador «NRP Carvalho Araújo» com o terceiro Fairey IIID a bordo, mais tarde baptizado «Santa Cruz». A 5 de Junho, Sacadura Cabral e Gago Coutinho levantam vôo de Fernando de Noronha em direcção ao Recife, a partir de onde bastará voar ao longo da costa até chegar ao Rio. Tiveram, como se sabe, uma recepção apoteótica, com as mais altas honras. Um dos que fez questão de os esperar na Baía de Guanabara foi Santos Dumont.
Outros vôos memoráveis foram feitos por Portugueses. Em Abril de 1924, Sarmento de Beires e Brito Pais, desta vez com o mecânico Manuel Gouveia, partem com destino a Macau a bordo do Breguet XVI «Pátria», comprado em segunda mão por subscrição pública, e que foi destruído numa aterragem forçada na Índia. Como a subscrição pública tinha sido generosa, o «Pátria» foi substituído pelo «Pátria II», comprado localmente. Mas tal como na travessia à Madeira, o mau tempo estragaria os planos aos aviadores portugueses: à aproximação a Macau, um temporal impediu a aterragem e foi decidido tentarem Cantão. No percurso, o motor sofreu uma avaria que obrigou a uma aterragem de emergência numa aldeia chinesa, acabando aí a aventura.
Em Março de 1925, a Aeronáutica Militar, de novo num bombardeiro Breguet XIV adaptado com depósitos suplementares, efectuou a ligação Lisboa-Bolama (Guiné), com escalas ao longo da costa africana. Chegados à Guiné, após uma viagem de 4000 Kms, Joaquim Sérgio da Silva (piloto), José Pedro Pinheiro Correia (navegador) e Manuel António (mecânico) são recebidos pelo governador da província com a notícia de que está em curso uma revolta indígena e de que o avião é necessário para apoiar as tropas. Não tendo - obviamente - trazido bombas consigo, o Breguet XIV efectua um bombardeamento com bombas aéreas improvisadas: granadas de mão às quais se soldaram aletas feitas de metal das latas de conserva, para poderem ter alguma precisão e acertar no alvo.
O triunfo na travessia do Atlântico não refreou a ambição de Sacadura Cabral. O seu novo projecto batia tudo o que tinha sido proposto até então: a volta ao mundo em avião, em sentido inverso à da viagem de Fernão de Magalhães. Isto numa altura em que ninguém tinha ainda atravessado o Oceano Pacífico (o que só viria a acontecer em 1928). Surpreendentemente, obteve apoio do Governo, e foram encomendados na Holanda cinco aviões Fokker, desta vez monoplanos e construídos de propósito para a viagem. Numa das viagens de entrega dos aviões, em 15 de Novembro de 1924, Sacadura Cabral perdeu-se no nevoeiro cerrado e desapareceu no Mar do Norte, ao largo da Bélgica. Gago Coutinho, que tinha 53 anos aquando da travessia do Atlântico, prosseguiu a sua brilhante carreira na Armada, tendo atingido o posto de almirante. Faleceu em 1959.
Lembrar a vôo Lisboa-Rio de Janeiro de 1922, primeira travessia do Oceano Atlântico com navegação astronómica, e primeira do Atlântico Sul, não é apenas homenagear os dois protagonistas da aventura e a organização que esteve por trás: é lembrar algo que foi umas das raras coisas boas que aconteceram nesse período negro da História de Portugal que foi a Primeira República, e um acontecimento que não só foi positivo para a auto-estima dos portugueses como foi um motivo de orgulho e prestígio internacional. E é homenagear os aviadores portugueses dessa época - hoje tão desconhecidos e injustamente afastados do quadro de referências históricas - que, num misto de ciência, coragem e loucura, se aventuravam mar adentro confiando na tecnologia rudimentar da época (que para eles era a mais sofisticada) em aviões biplanos lentos, de estrutura de madeira coberta de tela, de um só motor, sempre de cabeça de fora do cockpit durante muitas horas, por vezes sem rádio nem ajuda do exterior, e para quem conceitos como o radar ou o GPS seriam impossíveis de imaginar. Era outra gente. Era outra maneira de estar na vida. Oxalá nos inspirem no momento que atravessamos.
Quando afirma que o sucesso da travessia áerea do Atlântico Sul por Gago Coutinho e Sacadura Cabral foi uma coisa rara boa que aconteceu na Primeira República,discordo completamente deste ponto de vista político tendencioso.Foi sem dúvida um feito estraordinário e marcante para a história da aviação. Todavia, houve muitas coisa boas da Primeira República,alguns exemplos: (i) A queda da ditadura monárquica e corrupta (ii) A Liberdade de expressão, manifestação e reunião (iii) A entrada de Portugal na Primeira Guerra Mundial com os Aliados para ajudar a combater e derrotar o nazismo imperialista(iv) O aumento e qualidade do ensino e da cultura.(...)
1. Durante a Monarquia Constitucional não se vivia em ditadura, antes pelo contrário, foi o regime mais parecido com aquele que agora conhecemos e agora vivemos. Era incomparavelmente mais livre do que qualquer um dos sucessores, incomparavelmente. Atreva-se a dizer do p.r. 1/10 daquilo que inacreditavelmente se escrevia e publicava a respeito da Família Real e logo verá o que lhe sucede. A corrupção era infinitamente inferior às dos casos dos nossos tempos e decerto pedia meças ao nepotismo, arranjismo e outros empenhos que estrondosamente fizeram cair a 1ª república depois do "Caso Angola-Metrópole", um entre outros que dando brado internacional, rebaixaram ainda mais, se é que isso era possível, o regime de concentração manipulada do Costa de então.
2. Liberdade de expressão? Chama a isso o fecho de jornais, o espancamento de jornalistas, a censura? Idem quanto à reunião e coacção não apenas moral como física dos opositores? A Leva da Morte, a Camioneta Fantasma, os golpes sucessivos que provocaram uma fuga maciça de centenas de milhar para a emigração no Brasil, África Portuguesa, Estados Unidos, etc? Sim, centenas d emilhar de gente que fugia à fuzilaria, à inépcia e prepotência goevrnamental e aos bandos de caceteiros da Formiga Branca. Dê graças aos céus por ter sido florestado o "monte careca" de Monsanto, pois as forças armadas tinham o péssimo costume de ali postar canhões de tiro rápido de 75mm e fazerem fogo sobre o casario da capital. Idem quanto aos muito prometidos e jamais comprados couraçados a pataco, pois a terem existido, cuspiriam fogo dos seus canhões de 14 ou 15 polegadas, imitando os cruzadores que a Monarquia deixara à sua golpista e inepta sucessora saída da subversão do 5 de Outubro. Imagine o que artilharia daquele calibre teria feito á cidade.
3. A entrada na 1ª Guerra Mundial para… "ajudar a combater e derrotar o nazismo imperialista"? Devia rever as datas, pois a entrada na Grande Guerra deveu-se sobretudo à imperiosa necessidade do regime de então ver o seu reconhecimento internacional como coisa garantida. O nazismo, esse movimento que irritaria de sobramaneira o Kaiser que ajudámos a depor com todas as consequências desastrosas que isso trouxe a toda a Europa, chegou muito mais tarde. Nesse momento a 2ª república permaneceu neutral (1939-45) e se quer mesmo saber, fez bem, dada a situação geográfica portuguesa e o que significaria uma invasão alemã. O que esta significaria não apenas para nós, mas também para a causa estratégica dos aliados. 4. O aumento da qualidade de ensino, um tal entre muitos outros "parecer bem sem o fazer". Fique sabendo que o analfabetismo continuou tal como dantes e apenas ao salazarismo se deve, sim, ao salazarismo, a queda dessa taxa que mesmo em 1974 ainda roçava os 30% da população adulta. para além do palavr´orio oco, a 1ª república consistiu não só num desastre, como num vergonhoso embuste que pelo que acima diz, ainda faz escola.
Boas,o espaço reservado ao direito de resposta é limitador.Por isso,não aceita o conteúdo da minha resposta baseada numa investigação sobre história contemporânea e em fontes fidedignas, para esmiuçar os seus 4 comentários. Cumprimentos, JS.