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Tenho lido aqui, neste caso no último post do Manuel, e noutros lados a defesa da distinção entre os conceitos de democracia, liberdade, direito de propriedade, etc. Tal ideia para mim parece-me obviamente correcta e também que seria uma distinção desnecessária caso não estivéssemos num país onde prevalece a noção de que a democracia é um fim em si própria. A social-democracia e seu ideário dominante através dos dois maiores partidos e respectivos apaniguados - com impacto na opinião publicada e mediática - contribuem para isto diariamente. Para tal também contribui o facto de os interesses e os objectivos dos partidos serem sobrepostos aos interesses do País. Os partidos deixaram de ser organizações ao serviço do País e têm sido, sim, entidades que se servem desse mesmo país.
Independentemente, do sistema de democracia que defendamos – directa, semidirecta, representativa, orgânica, etc. – deveremos interiorizar, antes de mais, que esta é apenas um sistema ao serviço da Nação, dos Portugueses e não o contrário. A democracia pode ser um sistema muito útil para uma soberania, pelo facto de poder evitar usurpações de poder por parte de um traste ou um conjunto de trastes qualquer - o que nem sempre evita de todo mas pior seria sem ela... - , favorece a ordem pública, a liberdade de associação e de expressão, maior participação cívica da população em assuntos do seu interesse, etc., etc. etc.. Embora dê origem a indecisões várias e a vários tipos de situações menos positivas, ela tem sido considerada um mal menor. No entanto, como qualquer sistema que queiramos pôr ao serviço de um país, não poderá ser estática e imutável como se de um conjunto sagrado de dogmas se tratasse.
Os novos desafios dos próximos tempos, tais como a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a inevitável descentralização administrativa, a evolução das tecnologias e subsequentes novas formas de participação cívica e do exercício do direito de voto, põem a nu o anquilosamento da democracia representativa. Os referendos que muito desagradam aos detractores da democracia directa não são mais do que sinais das limitações da democracia representativa, não tendo sido eles nenhuma concessão benevolente do poder governativo. Os resultados e as consequências desses referendos foram desastrosos, sim. Aquilo que não se pratica é algo que surgirá incipiente e malformado. A participação política, cívica e informada começa no local onde se mora. Aí será o ponto de partida para algo que poderá crescer, florescer e dar frutos. Até onde poderá crescer, isso não sabemos nem poderemos saber. Criar hipóteses teóricas seria dar uma carga ideológica ao sistema, e o objectivo da discussão, no que me toca, não passa por aí.
Reduzir um sistema como a democracia directa ou semidirecta ao conceito de "soberania popular" é estar a criar uma ideologia onde ela não deve existir. Os perigos de más decisões dessa "soberania popular", num país em que os poderes de decisão apenas nos têm desgovernado, são hipóteses teóricas tão ou mais faliveis como os fantasmas - muitos deles com justeza e visão profética - que o Estado Novo agitava em torno da "democracia liberal". Como não defendo a adopção da democracia directa como um fim em si mesma, nunca faria a apologia de uma maioria a decidir tudo e mais alguma coisa sem qualquer vigilância nem intervenção de um conselho de Estado, um soberano, um governo, regidos por uma Constituição ou Carta Constitucional eficaz para evitar tais desajustamentos.
A questão não está em "escolher" ou "defender" modelos adequados aos nossos ideais, mas sim tentar perceber o que melhor se adequa à tradição política e cultural portuguesa, tendo em vista os tempos que se aproximam. E de uma coisa podemos estar certos, os modelos representativos estão saturadíssimos mesmo nos países de onde são originários.
o que aos portugueses de 1640 tanto custou a restaurar, outra ironia da História, e porque é obrigação de cada um de nós contribuir para o sair do estado lastimoso em que nos encontramos, reflectir sobre este post do Pedro;
Questão pertinente a trazida por Joshua : " não temos Educação no terreno para produzir cidadãos activos, interventores na Pólis, maximizando os novos meios imediatos de decisão participada. O que temos e se promove é uma massa de dependentes, uma mole de passivos, ondulando espectralmente nas praças como uma seara negra ".
Verdade. Mas quem conhece a sua combatividade não acredita que pense ele ser essa Educação um trabalho de Sísifo, condenado a ser abandonado no lugar reservado ao impossível.
Tarefa mais própria de Hércules, tanto mais que esse ser permissivo, abúlico, aí retratado tem encontrado nos últimos tempos, que já vão longos, o terreno fértil para proliferar: tudo lhe parece andar sobre rodas, apenas porque não se consciencializou da possibilidade de não- futuro, e essa ilusão é criminosamente, alimentada por aqueles a quem ele, confiadamente, entregou esse futuro. Cabe, pois, a cada um de nós, ultrapassando as nossas fraquezas, assumir um bocado da heroicidade do grego, na tentativa de mudarmos o rumo que nos têm incutido.
Adenda - ler este post de Paulo Morais no Blasfémias.