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Ontem mesmo, falávamos cá em casa na proeza de Salazar quando, resoluto, enfrentou as labaredas ateadas pela I República, com êxito total, dizia o meu pai: - " e conseguiu isso porque só aceitou o lugar de Ministro das Finanças quando lhe deram carta branca; no seu " terreiro " ninguém pregaria nem prego nem estopa...; acabo de ouvir que o actual detentor da pasta esbarrou com a teimosia do engenheiro. Assim não.
A comemoração do Primeiro de Maio, Dia do Trabalhador, embora legal desde 1974 após a Revolução dos Cravos, continua condicionada e agrilhoada àqueles que fazem dos "direitos do trabalhador" uma profissão. A limitação das comemorações, das reivindicações e de qualquer discussão laboral às áreas reservadas de CGTP e UGT tem impedido o aprofundamento e análise dos problemas relacionados com o Trabalho e o seu alargamento aos trabalhadores que não têm o PRIVILÉGIO de pertencer a um sindicato com poder de paralisação.
O Trabalho era por si só um valor moral no anterior regime e assim deveria continuar. Tornou-se uma coutada de uns tantos sindicatos que aproveitaram o poder de paralisação como trunfo reivindicatório e destituíram de valor e ignoraram outras profissões que sustentam tantas famílias no nosso país, como por exemplo as actividades ligadas ao comércio, aos pequenos empresários, aos trabalhadores da indústria hoteleira e turismo, ao trabalho criativo e intelectual e por aí adiante.
O Dia do Trabalhador pouco diz a estes sectores mencionados, pois na maioria dos casos nesse próprio dia eles têm de estar a trabalhar para providenciar o próprio sustento. E muito menos podem recorrer – nem tampouco equacionar – a esse tal de "direito à greve". Seja em época de crise, ou de semicrise ou de pseudocrise.
Enquanto os Portugueses não se unirem em novas plataformas de luta, seja esta política, associativa, profissional, ou outra, e não puserem em causa a actual ditadura sindical, formatada num bolchevismo apreendido à pressão, o Dia do Trabalhador continuará a pertencer aos privilegiados de Abril. São sempre os mesmos e o ruído que fazem pretende abafar e atirar areia para os olhos de quem nada beneficia com suas insensatas reivindicações. O mundo mudou, eles próprios acabaram por mudar o mundo, no entanto o "Trabalhador" continua a ser a caricatura que se pretende heroicizar em ilustrações provenientes de almanaques e compêndios soviéticos dos anos 20. Assim, na hora de os governos deste "cantão" entrarem em contacto com os supostos "parceiros sociais", são eles a ter papel activo que anula as restantes vozes, que se calaram há décadas ou nunca sequer tiveram oportunidade de falar. Será culpa deles? Não, mais uma vez a culpa é nossa.
A diplomacia dos nossos dias, parece encontrar-se num patamar infinitamente inferior ao de outros tempos. Invadida por gente profundamente interessada nas redes de negócios que desacreditaram os outrora imponentes edifícios estatais, em pouco se distingue dos centros de decisão empresariais. A deplorável, esdrúxula e patética actuação que tem tido em Bangkok, causaria calafrios a qualquer mediano embaixador de eras passadas.
Sem voltarmos a exaustivamente referir a longa série de atentados ao direito que os chamados "manifestantes vermelhos" têm prodigamente executado ao longo das últimas semanas, salientemos apenas o essencial do quadro que nos é apresentado: subversão da ordem constitucional, milícias armadas, desobediência civil, coacção física e moral sobre milhares de transeuntes, bloqueio de estradas e de serviços públicos, ataque às forças de segurança do Estado, posse de um verdadeiro arsenal bélico, tráfico de armas, etc. Todo este rosário de ilegalidades e prepotência, não parece ser um caso que mereça uma breve análise que aconselhe a prudência ao staff que ocupa funções de representação - do quê e de quem? - da chamada União Europeia. Para não vincarmos demasiadamente a notória irrelevância da "embaixada" - a UE não é e não parece poder vir a ser um Estado -, note-se apenas que as autoridades tailandesas estarão mais dispostas a dialogar com parceiros há muito conhecidos e potência a potência, consoante o peso de cada uma delas. Se algumas beneficiam da importante - mas não decisiva - influência que as relações económicas implicam, outras, como será o caso do antigo e permanente amigo português, poderão fazer valer a sua voz através daquele clássico princípio de não ingerência que tranquiliza quem justamente se sente agredido. A prudência acompanha a razão.
Num Ocidente à mercê de uma incendiária geração que caminha para a fase derradeira do seu percurso político, a informação imediatista e a total falta de uma base de preparação que o conhecimento da História facultaria, conduz ao atropelo de todas as normas internacionalmente aceites. Parecemos voltar ao período de entre-as-guerras, quando os Tratados e as relações internacionais nada mais eram senão "pedaços de papel" ou situações perfeitamente desrespeitáveis.
Esta rebelião não parece ser um simples tumulto protagonizado um punhado de políticos profissionais descontentes. É algo de muito mais vasto, de emaranhada rede de influências, perigoso e com evidentes semelhanças com outros processos que ocorreram um pouco por toda aquela região e que encontra sólidos fundamentos numa doutrina de assalto ao poder, que de tão conhecida dispensa qualquer dúvida na sua catalogação.
A imprensa internacional escrita - quase ausente e bastante lacónica -, foi suplantada, ainda que de forma sintomaticamente tímida, por rápidos flash! televisivos, onde todo o tipo de recursos são utilizados para atrair a atenção dos telespectadores. Assim, a milenar dicotomia "rico e pobre" surge exaustivamente, como se os magnatas que são a cabeça de cartaz do "movimento vermelho", não fossem uma disparatada e embaraçosa contradição que salta à vista do mais empedernido imbecil. O silêncio das organizações "de esquerda" europeias e latino-americanas, demonstra cabalmente a falta do essencial sentimento de "pertença à causa" que noutras circunstâncias, já teria conduzido à convocação de manifestações, movimentos de solidariedade e outras actividades concomitantes à tipologia. Nem Castro, nem Chávez se dignaram a tecer qualquer comentário e falhadas estas conhecidas pitonisas, quem lhes restará? Não parece existir qualquer equívoco acerca da verdadeira face escondida por detrás do thaksinismo, mas o modus operandi é indicador de uma realidade bem conhecida, embora negada. Falta-lhes um Tito, um Hoxha e de uma forma quase hilariante, Thaksin, o exigente e perdulário frequentador de spa's, tornou-se num embaraço para os seus próprios aliados.
A entrevistadora de uma BBC que tem estado muito desatenta, há poucos dias atrevidamente increpava o primeiro-ministro Abhisit, atirando-lhe em cara a recorrente pecha do ..."not elected by the people", com isto querendo dizer que o chefe do governo tailandês ..."has no mandate". A ignorante britânica, tagarela como poucas e no trilho da arrogância que noutros tempos foi timbre de uma outra arrivista muito mais esperta - a sra. Anna Leonowens -, esqueceu-se da actual situação do ocupante do nº 10 de Downing Street, o sr. Gordon Brown. Balsemão substituiu Sá Carneiro, tal como Helmut Schmidt ocuparia a chancelaria de Willy Brandt, no rescaldo do escândalo de espionagem G. Willaume. No Reino Unido, Brown tomou o lugar de Blair, sem que por isso a mais velha democracia do planeta se sentisse ultrajada por tal preenchimento do cadeirão vago. Este tipo de substituições de Premier, são uma constante na Europa e na própria capital da "Comissão Europeia", Bruxelas, o Rei Alberto II vê-se obrigado a gerir a cacofonia partidocrática e semestre após semestre, vão saltitando primeiros-ministros do arco das instáveis coligações.
A grotesca superstição populista do favorecimento de pretensos descamisados que acabam sempre por se tornar em carrascos de muitos milhões, conduz à elaboração de manchetes enganosas, mas capazes de atraírem pela exótica sordidez, a volátil atenção de leitores. Se isto é compreensível pela necessidade de criar noticiário que venda outros produtos subjacentes à existência das publicações, torna-se muito mais estranha e problemática, a extemporânea adesão, quase partisana, de membros que laboram numa entidade de direito internacional. A União Europeia é um aparelho de perfil variável, cuja solidez e credibilidade no campo diplomático é bastante fluída, deixando muito a desejar. Ninguém a toma a sério e pelos vistos, o próprio pessoal que a serve disso terá consciência. Os interesses particulares de cada um dos países que a compõem, naturalmente se sobrepõem ao desfiar de princípios vagos e de intenções de uma entidade que paira num limbo do qual poderá jamais sair. Assim, as actividades dos seus bureaus aconselhariam a prudência e a discrição.
Não tem sido o caso, antes pelo contrário.
Ruidosamente e com todos os salamaleques, o sr. David Lipman recebeu os líderes que se envolveram em todo o tipo de afrontas ao direito internacional - o caso da invasão do Hospital Chulalongkorn é o culminar de um processo que não conhece limites - e com eles se fechou durante quarenta minutos num gabinete da representação. Tendo sido anunciada a entrega de uma missiva dirigida a Bruxelas, o staff não se limitou à sua recepção, como seria de esperar e no estrito e inamovível princípio do escrupuloso cumprimento das regras subjacentes ao corpo diplomático. Quarenta minutos significam demasiado tempo, quase uma eternidade. São comprometedoras fanfarronadas e destroem qualquer possibilidade das autoridades locais, em atribuir qualquer dignidade a essa pretensa UE. Não nos espantaremos se o governo de Bangkok sabiamente preferir tratar directamente com Berlim, Londres, Paris, Roma e até - a CPLP começa a pesar -, com o velho aliado Portugal.
Atascada no ridículo, Bruxelas deverá rever criteriosamente a sua política de representação no exterior. Os seus escritórios não podem ser transformados em cantinas de recurso para o convívio com todo o tipo de bandos alucinados ou de bandoleiros, nem locais de reunião ou massage parlours de ocasião.
Tudo isto é vergonhosamente indigno e perfeitamente dispensável. Velhos tiques, servidos em termos neo-coloniais.
Abhisit reuniu-se ontem com Ramos-Horta, o amigo de Timor Leste
Imaginemos uma espécie de grupo Abu Nidal acampado em plena Praça da Concórdia e sujeitando a população de Paris a todo o tipo de abusos, desde cortes de estradas, revistas a veículos, interrupção do comércio, etc. À frente da barricada, umas largas dezenas de bebés e respectivas avós, impedindo o CRS de actuar em nome da defesa do Estado. O governo procura contemporizar e vencer a resistência pelo cansaço e inércia. Aos poucos, os "nidalistas" vão abandonando o campo, cujo perímetro se reduz para um terço daquilo que já foi.
Asneiras feitas e aflitos com a irritação generalizada da opinião pública, realizam uma ou outra acção esporádica e começam a encontrar uma forte oposição das forças de segurança. Falhou a chantagem, falhou a gritaria e a propaganda. E agora? Resta-lhes um derradeiro recurso.
Qual?
Vão até ao escritório de uma espécie de ONG, localmente menos influente que qualquer missão das Irmãzinhas da Madre Teresa e entregam uma petição a um tal David Lipman - um derivado de sr. "Rompói" - róseo "embaixador" de uma coisa vagamente fascista e que serve como regalo burocrático de pica-ponto. Compreende-se a iniciativa, até porque nesse tipo de ONG sempre pulularam entusiastas de revoluções alheias, desde que não lhes partam os vidros da casa. É a tal geringonça dos velhos tempos em que se atiravam umas pedras à policia na Bastilha e depois regressava-se ao apartamento Napoleon III no Seizième. Esta quinta-feira, os "anjinhos vermelhos de Patpong", agora protegidos pelos antigos soixante-huitards, resolveram invadir o Hospital Chulalongkorn para "uma busca". Lembram-se de cenas destas há mais de trinta anos?
Bom proveito, pelo tempo perdido. Entretanto, o ministro Kasit já respondeu como devia.
É que na sua terra e no escritório de ar condicionado e Benz 300SL à porta - com chauffeur pago pelos contribuintes -, o tal Lipman mandaria os "mitras" darem um giro. Melhor, teria a policia pronta para os deter logo à saída do elevador. Uma coisa é lá, mas outra, bem diferente, são as modas por cá, na tal ONG que dá pelo pretensioso nome de Europa*.
O neo-colonialismo sabe-lhes tão bem!
*Diz-se Óropa, à maneira deles.
o incêndio ateado em Portugal, sabemos por quem, chamusque os que o atearam. E que tal se traduza na devida " recompensa " eleitoral.
Foi por sentirem as labaredas muito altas que, há muitos anos, todos abriram alas a um bombeiro de verdade, que o conseguiu extinguir. O mal desse bombeiro que, como diz o Pedro, faria hoje 121 anos, foi ter gostado tanto do lugar, que deu ensejo a novo fogo, como o que vivemos.
Foto cedida pelo Combustões
As notícias já são escassas e indiciam uma progressiva acalmia. Aparentemente, começou a dissolução daquilo que inicialmente, julgou-se ser um movimento bem organizado. O calor infernal, os caudais de dejectos, as infindáveis semanas de tensão e de espera por um desfecho improvável, conduziram ao insucesso anunciado. Minguando de número a cada dia que passava, entrincheiraram-se numa Linha Maginot de bambu, latas e pneus velhos. Rapidamente conseguiram a proeza de concitar a generalizada oposição da população do país e se excluirmos apenas um caso - bastante reciclável -, verificou-se uma catastrófica ausência de um único relações públicas. Bem pelo contrário, surgiram todo o tipo de excelsas truculências de outros tempos, num misto de Idi Amin com Jean Marie Le Pen locais. Catanas, tacos de baseball, óculos escuros, lenços "à mitra", soqueiras, cacetes ameaçando bordoada a torto e a direito, eis a imagem que fica. A um canto, um punhado de eternas vítimas manipuladas, ou melhor, despoticamente abusadas como um tropel de gado a caminho da cerca. Velhas, crianças de colo e pobres mulheres decerto crivadas de saudades dos seus lugares rurais, eis o escudo humano.
Pelo meio, surge intermitentemente um louco que parece ter saído de uma das piores aventuras do Rambo em versão Made in Hong Kong. Militar de carreira, este Seh Daeng deve ter obsessivamente visto e revisto o "Último Samurai" e agora, em plena capital do reino, quer reinterpretar o papel de Tom Cruise, mas numa versão bastante mais barriguda, iracunda e toldada pelos vapores da fama a qualquer preço. Giza uma estratégia de defesa que se baseia numa velha táctica de ouriço que nos finais do século XVIII fez prevalecer as forças de Rama I frente aos invasores birmaneses. Uma delirante coisa de outros tempos, de um mundo tão desaparecido como o xogunato. Pobres diabos, já merecem a comiseração.
Agora, parecem baratas tontas. Da esplanada fronteira ao imponente Dusit Thani, vão-se dispersando em múltiplos grupúsculos, pretendendo atrapalhar a fluidez do tráfego, o comércio e a vida quotidiana de quem quer ir trabalhar ou frequentar a escola. Saem de Rachaprasong e deslocam-se para aqui e para ali errando sem destino e até ao antigo aeroporto de Don Muang, aqui encontrando forte e inesperada oposição policial. Para cúmulo do azar, cai uma torrencial carga de água, como se o céu finalmente pretendesse limpar as ruas e os maus espíritos que têm vagueado em cada esquina da Cidade dos Anjos. Poderão ainda tentar um último esforço, uma Kursk urbana sem esperança, mas o esquema da "defesa elástica" é o reconhecimento do fracasso. Já não é tempo para Pis*, mas sim de acalmia, reconstrução e reformas.
O Rei falou e apelou à união do povo e ao cumprimento do dever por todos.
Nos próximos dias, o país leal sairá à rua, em direcção aos seus afazeres quotidianos que apenas os "profissionais da revolução alheia" ignorarão. Como sempre e durante uns meses, os teóricos das "grandes causas" perorarão incansavelmente entre si, numa eterna procura da causa do óbito. Resta-lhes o consolo do gin tonic e uma estância balnear não muito distante do palco da revolução falhada.
Pelo que parece, é mesmo o fim.
* Pis: fantasmas, espíritos
Podemos preparar-nos para assistirmos, finalmente, a uma corrida de neurónios, de massa cinzenta, como lhe chamava Poirot?
É que posso afiançar-lhe que estas agências ( deve achá-las umas melgas... ) só se impressionam com esse tipo de corridas. Por uns tempos esqueça o footing, que, está comprovado, nos leva a becos sem saída.
As famosas latrinas que não são despejadas e que exalam vapores nauseabundos
Tive ontem o privilégio de ter passado uma boa parte do dia com a minha amiga Lena, uma luso-brasileira sempre linda e capaz de rivalizar comigo em memórias. Conhecia-a nos tempos da faculdade, quando durante uns dias, recolhemos umas largas centenas de assinaturas para uma petição que protestava contra a destruição de uma parte do Jardim da Gulbenkian. A Fundação iniciava a construção do bastante sofrível edifício onde alojou a sua colecção contemporânea e os montões de terra e o abate de centenas de metros quadrados de jardim, foram considerados por muitos como um atentado ambiental sem precedentes. Outros tempos.
Para meu espanto, a Lena acaba de chegar de Bangkok - lamentou não saber que o Miguel ali se encontra há anos -, após uma odisseia de voos cancelados, mudanças de hotel, tráfego cortado e claro, a perspectiva daquilo que nos primeiros dias aparentava ser uma "revolução". Curiosa e aproveitando a condenação a uma estadia que de forçada acabou por ter muito pouco, foi assistindo à evolução dos acontecimentos. Impressionada com os delírios dos primeiros dias, desistiu de uma semana de praia em Hua Hin e aproveitou para melhor conhecer a grande cidade. Pela primeira vez
viu uma outra Tailândia até então imperceptível e bem diferente do sabai-sabai (tudo bem, tudo bem) que a todos os visitantes cativa.
Estupefacta pelas movimentações ruidosas que ocupavam as ruas com muitas centenas de veículos onde sobressaíam as pick-up tão típicas das zonas rurais e alguns compactos cortejos de motoçai (motorizadas), não compreendeu a inicial passividade das autoridades que deixaram Bangkok à mercê do livre arbítrio da multidão, ou melhor, da decisão dos chefes do grande grupo. Eram às dezenas de milhar, talvez trinta ou quarenta mil, podendo variar consoante a hora do dia. Repartiam-se por alguns pontos da cidade, tal o espaço que a mole humana ocupava. A visita aos acampamentos mostrava uma imensa maioria de gente nitidamente de origem campesina, mas enquadrada por alguns chefes de grupo que lhe recordaram - não sabe porquê - alguns filmes japoneses que narram época gloriosa dos potentados samurais. Ao fim de poucos dias, o perímetro ocupado já se tinha transformado num imenso monturo de todo o tipo de imundícies, onde o odor de restos de comida apodrecida alternavam com os omnipresentes vestígios das necessidades fisiológicas vertidas em plenos passeios, estrada e zonas circundantes dos centros comerciais e hotéis de prestígio. Consistiu no ruir da ciosamente guardada reputação de limpeza extrema que todos os estrangeiros reconhecem nos tailandeses e viu-se perante uma situação nova. Efígies de Thaksin por todo o lado, comes e bebes em quantidades astronómicas e despejadas às famintas goelas de militantes que dia após dia torravam sob um sol inclemente. A música era ensurdecedora e limitava-se aos cha-cha-chas readaptados e que fazem a delícia naquelas paragens do mundo e claro está, recordou-se imediatamente de um outro tipo de melodias muito típicas do seu país natal e que nos confins rurais é conhecida por música sertaneja. É isso mesmo que a gente do Issan aprecia e as vozes mais ou menos langorosas dos artistas, falam de amores despedaçados e de possíveis reconciliações. Faz-se uma revolução com um espírito destes? Não. Afinal de contas, tudo parecia ser apenas uma imensa festa e os chefes obtinham a automática aprovação dos seus discursos, mesmo que a assistência estivesse mais ocupada a conversar, a comer ou a ouvir a sua música. Os líderes de grupo controlavam os seus contingentes, mas nem sempre conseguiam as pretendidas rajadas de palmas. Vivia-se como se podia e tudo aparentava nada mais ser senão uma gigantesca excursão à até então desconhecida capital.
A situação começou a mudar de forma sensível, quando a Lena notou o progressivo esvaziar de participantes no ininterrupto comício, precisamente no momento em que os populares da quilo a que se chama maioria silenciosa, começavam a sair à rua em defesa do Estado. Dia após dia, o perímetro ia encolhendo, até que há cerca de duas semanas, se resumiu a um ruidoso e muito mais agressivo resquício da onda que assustara nos noticiários e fizera crer na possibilidade de acontecimentos sem precedentes. Embora continuem presentes até hoje as crianças confiadas à guarda dos seus avós, o número é nitidamente menor, embora ainda bastante visível, uma vez que normalmente servem de primeira fileira que garante a contemporização das forças da autoridade. Na zona da Silom-Lumpini onde agora estão circunscritos, os ocupantes conseguiram devastar totalmente uma boa parte daquela movimentada área, amontoando-se colinas de pedras arrancadas aos passeios e muros circundantes de propriedades. Pneus, ferros de toda a espécie, madeiras, latas, pilhas e pilhas de garrafas de vidro e um nauseabundo fedor que já é sentido algumas centenas de metro de distância, a partir da entrada da AUA-American University que ambos já frequentámos. Tudo parecia bem diferente daquilo a que assistira há alguns dias. Os sorrisos rareavam, o aborrecimento notório e o aspecto do grosso dos homens que à frente tudo pareciam decidir e coordenar, aproximava-se bastante daquilo que imaginemos ser o grupo Abu Saiaf. Surgiram as primeiras bancas com merchandising que na Europa conhecemos em qualquer feira de rua em Berlim, não faltando crachás, bonés à Mao, alguns posters e o inevitável ícone à Xanana Gusmão, mais conhecido por Che Guevara. Ficou a pensar se aquela gente fará a mínima ideia de quem sejam as personalidades, embora umas mais conhecidas do que outras. Pelos vistos, até J.J. Rousseau já faz parte da encomenda, embora na nossa Europa se deva poder contar pelos dedos de uma mão, o número de alunos que em cada escola já terão ouvido falar do homem. Pois em Bangkok, já lá está, discreto e no meio de Deng Xiaoping, Mao, Lenine e os outros barbudos da praxe. Thaksin ainda vai resistindo aqui e ali, mas já sem um grande apego dos seus outrora entusiásticos e retornados a casa apoiantes. Parece um dia de Feira do Avante, mas com o solo minado por todo o tipo de obstáculos, onde os dejectos humanos são a parte escorregadia e mais perigosa.
A "Feira do Relógio/Avante", numa hora morta
Teve a sorte de não poder deslocar-se à Silom naquela fatídica noite dos rockets, mas o indignado pessoal do hotel esclareceu-a acerca do que se estava a passar, esquecendo momentaneamente todas as regras da usual compostura. O desejo de justiça pelas próprias mãos, o exaltado apelo à acção da autoridade que repusesse a ordem a todo o custo, fez de imediato desabar aquilo a que durante dias a CNN transmitiu a um mundo bastante desinteressado pelos acontecimentos e mais atento ao golpe de Putin no Quirguistão. Falou com os empregados de mesa, com a gente dos restaurantes de lojas de Pratunam e notou uma quase total unanimidade no sentido de se por cobro a uma situação que prejudica o normal funcionamento da cidade e pior que tudo, denigre a imagem do país aos olhos dos farangs (estrangeiros). No entanto, quando dos acontecimentos do final da passada semana, já a Lena tinha a certeza absoluta do fracasso daquilo que inicialmente pareceu ser uma insurreição, mas que cada vez mais aparenta ter-se tornado numa grande Feira do Relógio. Julga que a moderação do governo e a passividade das forças de segurança - que julga intencional -, acabaram por surtir o efeito pretendido, evitando o agravamento dos confrontos e desmobilizando uma militância já bastante diminuída numérica e animicamente. Por aquilo que ouviu da boca de um dos "dirigentes", a questão que se coloca é a da clássica "perda da face dos red" que deverá ser evitada por khun Abhisit. Trata-se de uma questão de um simples espectáculo de sombras chinesas, já sem a inicial presença dos órgãos de comunicação social ocidentais, hoje também residuais na zona do drôle de guerre.
Como lhe disse o tal Wichai, agora os vermelhos vêem em Abhisit, um tchorakê kwan klong (um crocodilo atravessado no canal) e no fundo, até o têm numa certa dose de consideração pessoal. Simplesmente, venceu.
Abhisit, tchorakê kwan klong. Bem visto!
O sol a bater em chapa na plasticaria (reservada aos mais notáveis), transforma o espaço numa grande sauna malcheirosa
" E quando veio ao Evangelho, que nos erguemos todos em pé, com as mãos levantadas, eles (os índios) se levantaram conosco e alçaram as mãos, ficando assim, até ser acabado: e então tornaram-se a assentar como nós... e em tal maneira sossegados, que, certifico a Vossa Alteza, nos fez muita devoção." - Carta de Caminha a El-Rei, 1º de maio de 1500
Um excerto da carta em que Pêro Vaz de Caminha informa D. Manuel que a armada sob o comando de Pedro Álvares Cabral chegara, a 22 de Abril, a terras que logo baptizaram de Vera Cruz. Nele se refere a primeira missa ali realizada . Foi no dia de Páscoa, que calhou a 26 do mesmo mês, faz hoje anos.
Dez anos antes, em 2000, a Páscoa foi no dia 23 de Abril. Fomos passá-la a Sousel. No dia anterior ficáramos em Ourém; o Sporting estava a um passo de ganhar o campeonato, e o jogo de Sábado com o Marítimo ( ? ) era decisivo Foi uma explosão de alegria quando ouvimos da vitória sportinguista.
Na manhã seguinte prosseguimos caminho ( iríamos passar lá a Segunda-feira, que por cá é dia feriado ), e, uma vez chegados à Pousada fomos
presenteados com uma reprodução daquela carta, que o EXPRESSO ( ? ) distribuira com o jornal.
Coisas do nosso dia-a-dia, em que coisas tão prosaicas, como um campeonato de futebol, são associadas a outras que marcaram indelevelmente a história de um país...
Como dizia há tempos o Pedro, sem ela " ninguém foi, é, ou será feliz ".
Mas, e isto tem toda a aparência de contra-senso, é um festejo carregado de silêncio e muita desilusão. Primeiro pelo modo como desde 1974 os políticos a geriram e geriram o país, até chegarmos ao estado em que hoje nos encontramos.
Depois pelo modo como esses políticos deixaram que os portugueses pensassem que a liberdade não subentendia a autoridade - e assim fomos escorregando até ao estado de libertinagem.
Oxalá, algum dia, um Português surja com os argumentos bastantes para festejarmos ruidosamente a liberdade.
A Tailândia é um dos elos mais sólidos da presença portuguesa no Oriente e que até nós chega como um eco exótico de um passado glorioso e perdido. Não é um país qualquer. Foi com um Estado independente que negociámos o primeiro Tratado celebrado entre uma potência europeia e outra do Extremo Oriente e as relações foram constantes e de benefício mútuo.
A imprensa portuguesa tem dado um tristíssimo espectáculo daquilo em que se tornou. Couto dos grandes interesses económicos e dos comunicantes vasos políticos subservientes, pouco se interessa por aquilo que não pertença à esfera do imediato da contabilidade euro-americanizante. Os artigos referentes à política internacional são de uma pobreza confrangedora. Não existindo o mínimo conhecimento histórico de qualquer realidade em foco num dado momento da actualidade, na maior parte das vezes, os nossos jornais e noticiários televisivos, limitam-se a patéticas reproduções daquilo que as agências internacionais lhes transmitem. É o vexatório copy-paste de uma dúzia de linhas, onde os critérios da pretensa análise obedecem sempre ao formatismo aceitável pelos padrões ocidentais, desprezando-se sociedades milenares e que socialmente são tão ou mais consistentes que a esmagadora maioria das suas congéneres europeias.
Os acontecimentos de Bangkok são bem o espelho da mediocridade da nossa imprensa. A grosseira ousadia de umas tímidas linhas que a medo obedecem ao ditame da separação de águas entre a o folhetim do "homem rico-homem pobre", estampa-se na mesma página em que a itinerante odisseia do multi-milionário Thaksin faz crer a uma opinião pública tão ignara como o escriba que a informa, ser um ente benfazejo e apenas interessado num bem comum que na realidade se reduz ao seu círculo mais íntimo. Não tardaríamos muito até sermos dentro em pouco obrigados uma vez mais, a ler ou a escutar uma variação de "lendas e narrativas" já copiosamente aplicadas a Messalina, Catarina a Grande, Carlota Joaquina, Carolina de Nápoles, à czarina Alexandra ou a Magda Lupescu. São sempre as mesmas estórias, sem que se acrescente um único ponto que as torne pelo menos um poucochinho credíveis.
É o conhecido processo da separação infinita da amiba.
Os nossos jornais e televisões são farto campo para preguiçosas rezes que vão ruminando umas tantas misérrimas folhinhas, dia após dia. A mesma notícia num rame-rame infindo, mudando apenas as frases, mas permanecendo com aquela rigidez própria de cadáveres, os corpos essenciais que fazem de figurino noticioso. São arrotos de uma vergonha que faz empalidecer a outrora serôdia arrogância da há muito desaparecida Margarida Marante ou a presente arrivista desfaçatez tagarela da Dª. Judite de Sousa, sempre pronta a trautear opinião em seara alheia. Não se pode descer mais, forçando o roçar de tantas e tão proeminentes barrigas até ao leito das profundezas da Grande Fossa do Pacífico.
Nada conhecem, nada procuram e medeiam os três ou quatro coffee brakes do expediente, com uma apressada vista de olhos na Reuters, na BBC World e na inefável dirigista CNN, da qual copiam os penteados e vestimentas, os tiques talk-talk, painéis da moda e respectivos cenários, os jingles anunciantes de programa e pior que tudo, o esquema padronizado da necessária separação conceptual das águas. Desta forma, é totalmente indiferente escrever acerca dos acontecimentos de um dado tempo, passem-se eles na Sérvia, no Nepal, Afeganistão, na ex-Ásia Central soviética ou nas províncias orientais da Bolívia. O que está em causa é a engenhoca montada por um barbudo oitocentista e pelos seus ersatz desbarbados e de colarinho branco que adaptam a trombeta às novitecnologias e ás necessidades do mercado, a palavra mágica que serve de Abre-te Sésamo de qualquer carreirola de recurso ou arranjo propiciado por cunha amiga.
Percorrendo dia após dia, semana após semana, as páginas do Diário de Notícias, Expresso, Público ou de outras menos consideradas ou empafiosas entidades enfardadoras do pronto-a-servir noticioso além-fronteiras, verificámos a total ausência de um único artigo de opinião de qualquer jornalista português. Ninguém se lembrou de enviar um repórter nacional - ou local, previamente contactado como correspondente - para o distante país que dentro de poucos meses connosco comemorará cinco séculos de uma relação ímpar entre a Ásia e a Europa. As escassas fotos disponíveis, são precisamente as mesmas que encontramos nas grandes transmissoras internacionais que despoticamente tutelam aquilo que deve ou pode ser dito ou não dito. Antes de vermos uns segundos de uma rixa na Silom, via qualquer um dos canais da RTP, SIC ou TVI, já a Euronews passou a peça há horas, em simultâneo com a BBC! Absolutamente lamentável, será também a completa falta de curiosidade da consulta das publicações especializadas nos assuntos internacionais e nem aqueles títulos mais conhecidos como Le Monde Diplomatique merecerão uma apressada passagem de dedos pelas suas páginas em cata de algo de desconhecido que nos bafeje com uma brisa de novidade. Nada, é o zero absoluto e apenas obcecado com liliputianos escândalozinhos de cuecas sujas de um outro agente político-económico, da transferência ou do pequeno almoço de um futeboleiro ou os encartes com esquálidas rapsódias acerca de um centro da terceira idade, algures perdido nas faldas da Serra do Espinhaço de Cão. Ficam-se por aí, porque pouco ou nada mais conseguem além do cumprimento do essencial que lhes garante o pagamento da mensalidade do T2 e do monovolume, dois autênticos programas em eterna renovação quadrienal para o resto da vida.
Enfermando daquela indolência mental congénita que os limita a pouco mais que o comentário da política bairrista, jamais lhes ocorre a procura dos seus próprios nacionais que lá fora residem e que podiam - mesmo a título desinteressado, completamente gracioso - prestar o inestimável auxílio enriquecedor de peças de informação que até hoje, nada mais são, senão meras traduções de trabalho alheio, bastas vezes papagueadas à pressa. Fotos inéditas, entrevistas a populares que participam em históricos acontecimentos que podem ou não mudar o destino de todo um povo, têm servido para o dia a dia de um blogue cujo autor conhece a história tailandesa, reside em Bangkok e a poucas centenas de metros do local onde se confrontam dois princípio irredutíveis: o da Ordem e o Caos.
Aos nossos Kens e Barbies que vão seguindo fixamente os telepontos enviados de fora, é perfeitamente desprezível a existência de gente que fala a língua em que hoje se manifestam milhares em Bangkok - e já em todo o país, numa salutar união popular contra uma "revolução" para já falhada - e que poderia ajudá-los a compreender as razões do porquê da actual situação. Um simples contacto com um jornal ou um canal de televisão da capital tailandesa, seria mais do que suficiente para que em Portugal existisse um órgão capaz de um inédito furo jornalístico, fosse a que horas fosse do dia, no preciso local onde se vocifera, reage e por vezes se morre. A BBC tem contactado alguns residentes britânicos que como é geral apanágio dos portadores do passaporte concedido pelos governos de Sua Graciosa Majestade, nem uma palavra local conseguem balbuciar, limitando-se aos já inaudíveis very nice and very friendly people, aliás decorados de qualquer folheto turístico recolhido numa agência de viagem. A RTP, a SIC, a TVI, podiam fazer muito mais e melhor, mas jamais ousarão consegui-lo. Já se encontram completamente invadidas pelo espírito da curiosidade globetrotter do Club Mediterranée e do pacote de viagem aeroporto-hotel-excursão ferry algures, numa vigiadíssima praia de coqueiros na República Dominicana. De preferência num resort cercado por arame farpado, guardas bem armados e excursões às compras de lembranças, mas com escolta.
Os nossos jornalistas fazem o pleno do imediato. Não tardará muito até substituírem a bica e o pastel de nata, por um imundo Starbucks acompanhado pelo peganhento donut.
No seguimento do primeiro post, aqui fica um caso real. Consideremos três sujeitos, nomeadamente, eu, um amigo a quem vamos dar o nome de Zé, que tem uma pontuação, segundo os mais que discutíveis critérios de selecção, inferior à minha, e um amigo a quem vamos dar o nome de António, que tem uma classificação superior à minha.
Eu fiquei classificado no 111.º lugar para uma determinada entidade. O António ficou poucos lugares à minha frente para essa mesma entidade. Para uma outra entidade, o António ficou nos 50 primeiros, e o Zé ficou nos vinte lugares seguintes. Eu fiquei em 160.º para esta segunda entidade. Conseguem perceber isto? Eu não. Ou melhor, talvez até consiga...
Aos senhores do Gabinete do Ministro das Finanças que todos os dias visitam este blog, e, em especial, aos senhores que gerem a BEP, o Instituto de Informática do mesmo Ministério, bem como ao Governo em geral, gostava de perguntar se achavam mesmo que as pessoas não tinham vários amigos e conhecidos a candidatarem-se e não iam começar a cruzar a informação? Não se podiam ter dado ao trabalho de esconder um pouco melhor? Ademais, quanto mais tempo passa sem que permitam visualizar as candidaturas dos candidatos, como anteriormente era possível, mais suspeitas deixam recair sobre este processo.
Recapitulando o que ontem escrevi, gostava tanto de ver as candidaturas das cento e poucas pessoas que ficaram à minha frente nos estágios do PEPAC. Porque é que será que já não é possível ver? E gostava ainda mais de perceber como não pedem CVs, não fazem entrevistas, não diferenciam as universidades, não diferenciam licenciaturas pré e pós-Bolonha, não conta para nada estar a fazer mestrado... Muito transparente e meritocrático este processo, não haja dúvida...
Estará o nosso Estado tão desesperado que precise de "enchouriçar" na Administração Pública 5000 jovens independentemente das suas qualidades? Qual o benefício de contratar por contratar, a "martelo"? Custava assim tanto ter encetado um processo mais demorado mas mais justo, que permitisse recrutar realmente os melhores de entre os candidatos? Há maneiras correctas, justas e boas de fazer as coisas. E depois há formas injustas e erradas. O Estado português, por alguma razão, parece ter tendência para fazer as coisas como não devem ser. Tudo o que pode ser mal feito, é-o. Entretanto proclamam bonitos princípios, que em pouco ou nada correspondem à autenticidade da praxis quotidiana. Deve ser a isto que chamam de ética republicana. Muito rigor, transparência e competência, claro está.
À equipa dos blogs do Sapo o destaque dado ao Estado Sentido. Aqui fica o nosso sincero e sentido agradecimento.