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Um postal escrito em 6 de Abril de 1975 e enviado dentro de um envelope para Lisboa. Em Lourenço Marques a situação era péssima, ainda estando em exercício a administração conjunta do Governo de Transição Crespo/Chissano. Todo o tipo de tropelias e abusos foram permitidos, ao mesmo tempo que o sr. Machel vociferava enormidades discurso após discurso, incendiando os ânimos e provocando a debandada dos brancos, desta vez acompanhados por indianos, indo-portugueses, mestiços e até de negros que se sentiam ameaçados pelas arengas do arrivista. Naqueles escassos meses anteriores à data aprazada para o arriar da bandeira portuguesa, tornou-se inevitável a guerra civil que durante duas décadas esmagaria o país.
A minha avó passou por todos os processos vexatórios e de roubo legalizado, perdendo a sua casa na Namaacha. "Tens duas? Perdes uma!" O pior é que apesar das promessas e garantias, o seu pequeno apartamento em Lourenço Marques, situado na COOP, acabaria por permanecer longos anos perdido numa teia de (i)legalidades. Nunca mais se ouviu falar no caso. As autoridades transformadas em autênticos ma'bandidos, acharam por bem confiscar a sua mobília de quarto, assim como os electrodomésticos e a maior parte das roupas de cama, louças, etc. Ofendida mas orgulhosa, limitou-se a proferir um "bom proveito!", virando as costas aos facas de mato que o MFA de Lisboa ali colocara para o arrolamento de bens. Grandes negócios devem eles ter feito com os seus ex-colegas de tiroteios no Rovuma, agora amigos dilectos.
Aqui está um postal em estilo telegráfico, como era seu hábito:
"Meus queridos filhos e nétinhos.
Recebi carta, breve escreverei com mais vagar. Bagagem, assunto arrumado. Muito cansada, muitos aborrecimentos (1). Família (2) toda engripada. Pouco descanso. Bichas para tudo (3). Passo o dia na rua, quantas mais voltas dou, mais voltas aparecem para dar (4), são como cogumelos. Já marquei passagem para 9 de Maio. Ainda não tem O.K. Saudades para todos Beijos da mãe e avó muito amiga, Irlanda."
Devido às vicissitudes do processo de "exílio", teria de adiar a sua vinda para Portugal até 1976. Um dos problemas era a falta de habitação, pois em 1974-75 vivíamos os cinco numa pequena roulotte no parque de campismo de Monsanto, um incómodo que se tornou numa vantagem, afastando-nos da balbúrdia de Lisboa. Em 1976 já estávamos instalados num apartamento - logo aprendemos a esquecer o termo flat - no Campo Grande e então a avó pôde finalmente embarcar num avião da TAP. One way ticket.
O postal escolhido foi o da Igreja de Santo António da Polana, onde todos os seus netos - exceptuando o mais velho, eu próprio, cristianizado na Catedral - tinham sido baptizados. Dois deles, eu e o meu irmão, tínhamos durante anos pertencido ao Grupo Coral. Era para nós uma mensagem bastante simbólica, relembrando um passado não muito distante.
A avó jamais regressou à terra onde nascera em 15 de Setembro de 1916 e onde viveu até 1976. Faleceu em Cascais, a 30 de Dezembro de 2010.
(1) Avalanche burocrática, taxas, emolumentos, papelada selada, impostos, confisco de bens, etc.
(2) A minha bisavó, as suas irmãs e irmãos doentes, devido a um surto gripal. A minha avó enviuvou em Junho de 1974 e meses depois os previdentes filhos partiram para Lisboa. Bem cientes daquilo que se preparava, foram atempadamente avisados pelos dirigentes do Centro Ismaelita Aga Khan. Ela preferiu aguardar uns meses mais, tratando dos papéis e instando para que a mãe e irmãos também partissem. Conseguiu-o.
(3) Penúria generalizada de bens de primeira necessidade, medicamentos, etc. A até então eficiente e metódica administração portuguesa, foi forçada a ruir como um castelo de cartas.
(4) As famosas listas, os requerimentos, certificados, assinaturas reconhecidas, as taxas, impostos, fiscalizações e confiscos. Portugal ainda era a potência soberana.
A minha avó e o meu pai, em Agosto de 1939 (Lourenço Marques, Moçambique). Dias depois, o sr. Hitler dava início à sua guerra contra a Polónia.
Os portugueses viviam acima das suas possibilidades. Já não.
Se Mário Soares alerta Cavaco Silva para a perda de pacifismo dos Portugueses, também estaremos no direito de alertar Mário Soares para a falta de memória, a falta de memória política de um dos mestres da democratização portuguesa. Pelo tom do discurso inflamatório de Soares, que pisa o risco de incitação à violência, julgar-se-ia que estamos na presença de um indivíduo que não assinou capítulos inteiros da história contemporânea de Portugal. O estado a que chegou o País é o resultado de uma sociedade repartida por quotas desiguais de responsabilidade. Cotas ou mais recentes, têm todos culpas no cartório, que pesam na carteira dos Portugueses, nas suas vidas e nos seus sonhos. O idealismo socialista assumiu-se como o libertador das amarras do antigo regime, mas a ideologia, elevada ao seu mais alto grau de incompetência, atraiçoa a sua missão original. Os socialistas, quer queiram quer não, encontram-se no início e no fim do comboio que descarrilou; mesmo que queiram atribuir o fim da linha a outras carruagens partidárias, fazem parte da máquina desgovernada que ainda mexe. Quantos anos esteve Mário Soares no poder? E será que nada tem a ver com a desgraça? O que é necessário para fazer reemergir a platina da lembrança? Palha de aço? (não chamei palhaço, não senhor!). Tudo isto me faz lembrar aqueles cães que nunca deixam de urinar sobre o tapete. Por mais que se lhes esfregue os "detrimentos" na cara, nunca assumem, de um modo humilde, que foram eles. Que foram também governos socialistas, recentes ou esquecidos, que lá estiveram. Nunca colocam a cauda entre as pernas para ganir baixinho e de um modo sincero. A haver um genuíno sentido de Estado, o fundador Mário Soares deveria procurar uma ilha de sobriedade para se remeter a reflexões mais profundas condizentes com a condição de ancião da pátria. Ao tentar vender as últimas amostras de Esquerda unida que traz na mala de viajante, o ex-proeminente revela que pouco aprendeu em tantos anos de mester político. A Esquerda e a Direita já não existem nos termos em que o doutrinário está a pensar. De certo modo, há uma triste ironia no seu discurso. Ao dirigir tais palavras aos concidadãos, está a alcançar o país real - pobre e envelhecido. Que ainda se lembra do tempo da outra senhora, mas que se lembra também do tempo desta senhora. E Cavaco, que é a menina que se sabe, deveria tomar uma posição em relação à ameaça velada que Soares faz em nome dos Portugueses - a incitação à violência. Outro aspecto ainda: Soares quer lá saber do que Seguro anda a fazer nos últimos tempos! Anda o Seguro a esforçar-se a abraçar as frentes sindicais e a festejar as virtudes do consenso, e o Soares, em perfeita rebeldia com a ideia de encontro de vontades, promove a fractura de um modo muito básico. E estamos nós comprimidos nesta reserva política que tão rapidamente gostaríamos de esquecer.
Confirmando a tendência crescente do último ano, o nosso blog, com a ajuda dos seus fiéis leitores diários, ultrapassou neste mês de Maio e pela primeira vez esta "barreira psicológica" de visitantes únicos mensais, a par de ter batido, também, o record de páginas visitadas: mais de 84.000. Obrigado a todos!
Há uns vinte anos, em Bangkok, fui convidado para um almoço de trabalho. A empresária chinesa não gostava "desses restaurantes" locais, onde o menu apenas continha pratos tailandeses e assim fui conduzido a uma sofisticada casa de pasto, plena de sedas e madeirames dourados e vermelhos. Como facilmente me adapto a novidades, foi sem qualquer preocupação que soube ter um cardápio já escolhido pela anfitriã. Tudo bem. O pior veio depois.
Como entrada, uma bela tigela de porcelana azul e branca, na qual fumegava uma translúcida e brilhante gosma. Usando os palitos, atrevi-me a degustar o delicado e seguramente tradicional acepipe e francamente, não gostei. Não gostei, é dizer pouco. A coisa colava-se aos dentes, ao céu da boca e à língua. Dava-me engulhos. Diplomaticamente nada disse e optei pelo apressado engolir do conteúdo da tigela, uma forma eficaz de me preparar para os pratos que se seguiriam. Agradavelmente surpreendida, a senhora bichanou qualquer coisa ao sempre sorridente empregado e em milésimos de segundo tinha outra tigela igualzinha à primeira, teimosamente fumegando diante de mim. Já meio achinesado pela certeza de não poder perder a face, masquei a tal gosma com mais cautela e por incrível que a todos possa parecer, jamais esqueci o indesejável repasto.
Vem agora a gente da ONU, habituada a faisonadas, entrecôtes, tornedós e outras porcarias do género, recomendar a inclusão das medusas - nome mais chique do que alforreca, coisa de sonoridade demasiadamente islâmica - na lista de compras no supermercado. Pois sim, aqui está uma excelente oportunidade para negócios da nossa extinta frota pesqueira. Caçadas e jeitosamente processadas, teremos mais um "produto de valor acrescentado" a enviar às carradas para a China. O sr. Cavaco Silva bem pode iniciar as suas démarches, instando ao uso da imaginação: ao estilo batatas fritas, nachos, takos, tikos, tekos, palitos salgados e outras guloseimas mais, quem sabe se um dia destes não acompanharão as Sagres nas sempres excitantes horas da bola?
Umberto Boccioni, Estados de espírito, 1911
Fonte: OCDE "Better Life Index" e Causa Real
Foram testados 24 indicadores de qualidade de vida dos 36 países da OCDE (dos quais 12 monarquias). O gráfico diz tudo. Acresce que nenhuma monarquia ocupa um dos 15 lugares do fim da lista, no qual se encontra Portugal.
As TV estão repletas de comentadores desonestos, mentirosos, viciados em leituras erróneas, erradas e erráticas, onde o essencial está ausente. Não são pela reforma do Estado. Não fazem uma análise realista e honesta à luz da realidade europeia e nacional, dos seus limites, problemas e constrangimentos no plano mais vasto e impiedoso da globalização. Não são pela mudança nem pelo equilíbrio nem pela justiça nem pela sustentabilidade de coisa nenhuma em Portugal. Não imaginam o que é viver sem recursos porque sem economia e sem emprego, mas contribuem para deteriorar o ambiente político infectando-o de conspiração e subversão das regras do jogo democrático, quando lhes convém subvertê-lo a seu favor como se o dinheiro aparecesse sempre ou dependesse da vontade do Executivo. Trazem estribilhos com o fim do mundo dentro. Resistem, estrebucham, agitam-se contra a mudança de paradigma e de mentalidade não apenas portuguesa, mas também europeia, cuja hora é gravíssima e as ameaças extensas. Atacam sob qualquer pretexto este Governo porque a hipocrisia se lhes impregnou por todos os poros egoístas. É o plutossocialismo, o socialismo dos ricos, socialismo prostituto, amiguista, de casta, rançoso das elites de vida airada mediáticas ou subterrâneas. É o tóxico mais danoso em Portugal. Conspirando todo o tempo como principal actividade, dado o terror pela perda das rendas e dos recursos com que sempre manobraram, traíram e conspiraram nos bastidores do Regime, falam, falam, mas só apelam à queda do Governo. Sentem-se incomodados pelos abalos estruturais e sistémicos que a Austeridade, por si só, exerce sobre o seu poder de sempre. Daí que, de Segunda-feira a Domingo, as TV tresandem a lixo opinativo jamais salvando uma só medida dura e necessária que este Governo decida: quem são as bestas enviesadas e facciosas, de onde nunca sai um flato recto? Mário Soares, na sua senilidade desbocada; Pacheco Pereira, no seu rancor fanático e impiedoso; Marques Mendes, na sua esperteza e imoderação indiscreta; António Capucho, na sua incomensurável vaidade e insolência; Constança Cunha e Sá, na sua malícia e atabalhoamento criticista, onde a crítica é gratuita, torrencial, abandalhada, porque sim. Sócrates, símbolo de toda a decadência e esterilidade. No meio disto, Portugal fica para trás e a verdade fica a perder. Por que não vão todos à puta que os pariu?!
Maria Teixeira Alves e a defesa da posição contra a co-adopção:
Os óvulos são das mulheres e espermatozóides são dos homens.
Esta é uma lei fraudulenta por convida a contornar a lei que proibe a adopção por homossexuais.
Vocês querem fazer experimentalismo social.
Ora, diz-me com quem te dás...
Maria Teixeira Alves caminha a passos largos, pulos até, para um prémio - se não existe que se faça - para a personalidade mais retrógada da blogosfera.
O ímpeto reformista português tem sido muito mais ousado e mais rápido, apesar de todos os solavancos e adversidades, que o dos governos congéneres europeus da Zona Euro, daí o modo elogioso com que abençoam o nosso esforço. Ao conceder a Espanha mais dois anos para que o Governo de Mariano Rajoy cumpra as metas orçamentais, a Comissão Europeia recomenda, isto é, exige a implementação de medidas concretas em várias frentes: revisão do sistema de pensões, políticas activas de emprego, uma reforma estrutural do sector eléctrico e novas mudanças na tributação do IVA. Por que é que as Esquerdas Burras em Portugal, além das ânsias pela queda deste Governo, não sugerem também a queda dos outros governos da Zona Euro, a queda da Comissão Europeia, a queda de tudo e de todos que não sejam Esquerda?! Só a República pode ser Regime. Só a Esquerda pode ser Poder.
Não satisfeito com aquilo que tem sofrido ao longo dos últimos meses, tinha de fazer sofrer também os portugueses...
* Em tempos isto podia aplicar-se aos adeptos do Sporting. Mas houve, porém, quem os conseguisse suplantar.
O Corcunda está de volta à blogosfera, desta feita a solo e com um blog com um nome mais do que sugestivo: O Governo dos Mortos.
(Autor desconhecido, Vanitas. Museu Municipal de Beja. Foto daqui)
Montaigne, Essays, "That to philosophize is to learn to die":
«All the whole time you live, you purloin from life and live at the expense of life itself. The perpetual work of your life is but to lay the foundation of death. You are in death, whilst you are in life, because you still are after death, when you are no more alive; or, if you had rather have it so, you are dead after life, but dying all the while you live; and death handles the dying much more rudely than the dead, and more sensibly and essentially. If you have made your profit of life, you have had enough of it; go your way satisfied.»