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Camille Paglia, "Liberdade vs. politicamente correcto," Ler, no. 144 (Inverno de 2016): 67:
Mantenho, de acordo com a minha desalentada observação na época, que esses novos programas suplementares raramente, ou mesmo nunca, se alicerçavam em princípios académicos autênticos: eram gestos de relações públicas destinados a abafar críticas de um passado intolerante. Na concepção de qualquer programa de estudos femininos, por exemplo, devia ser obrigatório para as alunas fazerem pelo menos uma cadeira de biologia básica, para que o papel das hormonas no desenvolvimento humano pudesse ser investigado - e rejeitado, se necessário. Mas não, tanto os estudos femininos como, mais tarde, os estudos de género evoluíram sem referência à ciência, garantindo desse modo que a sua ideologia permaneceria partidária e unidimensional, a sublinhar a construção social do género. Qualquer ponto de vista diferente é considerado uma heresia e praticamente nunca foi sequer apresentado aos estudantes como hipótese alternativa.
Em quarenta e tal anos de esquema vigente, não me recordo de ninguém "governamental" que sequer de longe possa ser comparado em termos de lisura e coragem de dizer o que deve ser dito.
Não existe alguém que acabe de vez com as mentiras sobre a recuperação económica, os excelentes indicadores financeiros e os ainda melhores números respeitantes ao desemprego? O governo de Portugal parece ser a sua própria máquina de propaganda. Não precisa da CNN ou da Reuters. E ainda menos das agências de Ratoing. Mas os números não enganam. Não há nada a fazer. Aqui, ou na Grécia, já que estamos com a mão na massa, a realidade alternativa não é opção. As reformas estruturais iniciadas pelo governo anterior foram sujeitas a medidas de coacção. Não podem sair de casa. Deixaram de ter continuidade. Foram mesmo invertidas. O engrossar do número de funcionários públicos, sob o capote do mito das carreiras, da precariedade e das reformas, irá conduzir Portugal para um descampado de insustentabilidade bem conhecido. Tal como Tsipras, quando a conversa não agrada, a culpa é sempre dos outros. Os gregos dizem não ao FMI, e Centeno diz não à OCDE. Os outros estão sempre enganados. Mas os números não mentem. No longo prazo o cenário é dantesco. Portugal paga o dobro dos juros que pagava em Junho de 2016 no que diz respeito ao intervalo dos 7 anos, ou seja, precisamente o espaço temporal de exercício de poder de uma geringonça a dois mandatos - se o país deixar esse estado de arte acontecer. Por outras palavras, a magistratura financeira deste arranjo de governo já está inquinada no curto e no médio prazo. Dizem que vem aí o dobro ou triplo do número de turistas no verão que se avizinha, e que esses forasteiros irão salvar Portugal. Em suma, não vale a pena fazer a destrinça. Seja o BCE a pagar ou o turista ocidental, as receitas geradas resultam de uma noção excêntrica. E Portugal parece estar sempre arrestado nessa prisão de dependência e vulnerabilidade. Enquanto não houver meia-dúzia de ministros que entenderem isto, mais vale serem enxovalhados numa primeira fila de uma sala de aulas da OCDE.
Os números apresentados pela OCDE são Centenos alternativos. Não passa tudo de notícias-faquir (tradução livre de fake news). São apenas mentirosos-populistas que andam a inventar estas balelas. O investimento em Portugal é o maior dos últimos dois séculos e as reformas estruturais são hiper-estruturais. E a banca não vai custar nada aos contribuintes. Vai ser de borla, grátis. Agora toca a beber o leitinho. Xixi, cama.
Portugal é um país de águas de bacalhau. Mas esse estado de alma acarreta consequências. Determina um anda e desanda, um dois passos avante e três à retaguarda. Assim tem sido e desse modo prosseguirá. Sobe uma força partidária ao poder, e logo desfaz à pancada o realizado pelo anterior. E assim sucessivamente e alternadamente. Por outras palavras, o Portugal político é uma imensa bancada central. E, embora possa parecer uma solução consensual e benigna, a verdade é que penaliza a possibilidade de um choque sistémico. A geringonça, no entanto, trai esse conceito mas não adianta grande coisa ao integrar no mesmo embutido um espectro alargado que se anula, que se descaracteriza. Ao diluirem o valor ideológico e a estância de princípios em nome da manutenção do poder, acabam por plantar no seu seio a toupeira do descalabro. O Partido Socialista ao querer ser tudo, é, ao mesmo tempo, comunista, neo-liberal, progressista e populista - mas cada vez mais menos socialista. O governo assume, sem margem para dúvida, um contrato a termo com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista Português, embora não o admita, e ao invés do que dizem no PS, os socialistas terão de levar em conta a Direita, senão numa perspectiva doméstica, ao que tudo indica, no plano europeu. A grande questão que se coloca diz respeito ao seguinte: se Marine Le Pen for chamada ao Eliséu, acabou a União Europeia, não tenham dúvidas. A não ser que governos híbridos queiram replicar as suas condições de governabilidade e negoceiem cedências oportunas. Os alegados comentadores políticos e os sucedâneos de jornalistas tardam em perceber que estamos na presença de uma revolução sistémica, à la Kuhn. O modelo organizacional e político que estruturou o Ocidente nas últimas décadas, caminha, a passos largos, para um fim feio, caótico. Não foi um actor político externo a determinar o curso dos eventos que se encontra em dinâmica crescente. Foram as complicações endémicas do projecto económico e social que falharam. Referem todos a grande paz europeia resultante do carvão e do aço, mas a que preço e com que consequências? Portugal, que não conhece a experiência dos extremos, pode ceder à tentação de negociar geringonças à escala europeia, contribuindo ainda mais para uma cisão irreversível. Quero ver se as políticas da amiga Marine também serão chumbadas na Assembleia da República ou se ela será uma Penpal. Se reprovam Trump, devem admoestar aqui e agora a congénere francesa.
Os meus mais calorosos agradecimentos ao António Botelho de Melo, alguém que infelizmente não tive a oportunidade de ter conhecido em Lourenço Marques. Aqui fica uma sugestão para uma visita ao seu maravilhoso blog.
Antes de empossar qualquer um dos seus Presidentes do Conselho de Ministros, D. Carlos I chamava-lhes sempre a atenção para algo que para ele, o monarca, era inamovível para os interesses de Portugal:
- Nunca percas de vista de podermos estar mal com todo o mundo, menos com a Inglaterra e o Brasil.
Tinha razão e o regime dos seus ostensivos e reconhecidos assassinos bem depressa veria esta evidência que nem à própria geografia escapa. Rapidamente esqueceram tudo aquilo que tinham berrado em correrias nas calçadas de Lisboa e "as torpes e ignominiosas baixezas" que apontaram ao penúltimo Rei de Portugal no que se refere a uma alegada subserviência aos interesses de Londres, foram multiplicados centos de vezes, algumas delas raiando a vergonha e o patético. Eis a realpolitik nacional.
Nada terá entretanto mudado, pois como nestas páginas já há uns anos foi escrito, o Brasil estendeu-se à CPLP e o Reino Unido - que deve mesmo continuar a ser o nosso aliado militar preferencial na Europa - é inevitavelmente acrescentado com os Estados Unidos da América, com quem, aliás, fazemos fronteira no meio do Atlântico. Gostemos ou não, esta é a realidade.
Portugal tem razões de queixa em relação aos americanos? Tem e muitas que nem sequer valerá a pena recordar, apenas tendo como baliza a história que invariavelmente muito nos prejudicou. Ora, isto não impede minimamente o sentido de compartilha do mesmo espaço em que um oceano tem servido como auto-estrada de segurança para quem vai cruzar os dois hemisférios em qualquer um dos sentidos. Dado aquilo que já é normal na conjuntura europeia, o não beliscar destas relações até é uma oportunidade que Portugal deverá de imediato aproveitar. Nas relações internacionais não existem casamentos por amor.
Faz algum sentido o que desde esta manhã tem ocorrido na sede da representação eleitoral do país? Não, nenhum sentido. O que por lá se tem dito, entremeia a dose cavalar de ignorante estupidez com a arrogância de quem diz o que não deve nem pode. Só lá falta aparecer o actual residente de Belém para o quadro ficar miseravelmente completo.
Uma tristeza sermos forçados a reconhecer que aquela gente e o seu esquema vigente não têm remédio.
Amanhã, dia 3 de Fevereiro, no International Congress of Political Psychology, que tem lugar na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, entre as 12:00 e as 13:00, farei uma comunicação subordinada à temática que abordei na minha tese de doutoramento, "Tradição, razão e mudança", no Laboratório III - Investigação em Estudos Políticos.
Vamos todos sentir saudades do embaixador Robert Sherman. Ao longo da história da representação diplomática dos EUA em Portugal, nunca tinha havido um chefe de missão tão próximo da cultura local. Ele era Selecção Nacional, ele era passeio de Motards a Évora, ele era embaixador para portuguesa e português sentirem de perto e apertarem a mão. Os fregueses, expostos a esse conforto, até se esqueceram de Carlucci e da mão invisível de Soares a negociar saídas ideológicas. Com a dança de cadeiras em curso na administração americana, a ver vamos quem "Rex-T"- Rex Tillerson (não confundir com T-Rex) amanha para o posto lisboeta. Embora a base dos Açores tenha já sido mungida e agora libertada de encargos maiores, prevejo uma guia de marcha que aponta para a inversão do sentido, o recrudescimento da sua vitalidade à luz da sua imprescindibilidade. Os pauletas até agradecem. A economia local também agradece. Uma eventual reactivação efectiva dessa base militar de importância geométrica variável acarreta, no essencial, consequências que escapam ao controlo de Portugal. Torna a Lusitânia aliada efectiva da doutrina Trump que se estende a novas polaridades de fricção como o Mar do Sul da China ou a Austrália. A ver vamos, quando as coisas aquecerem, e for nomeado um embaixador à medida de Trump, como os parceiros do BE e PCP irão coçar as orelhas quando o PS baixar as calças e deixar passar a banda da NATO. Estimo que uma frota de F16 de geração duvidosa esteja a caminho de Portugal para, volvido pouco tempo, no desfecho de nova bancarrota, ser remetida para amigos romenos que a leva ao desbarato. A ver vamos quem metem na embaixada dos EUA em Lisboa. Um cowboy da meia-noite? Acabaram-se os videos de incentivo. Agora cada um está por sua conta.
Do que tenho lido por aí sobre o populismo, Donald Trump e os tempos em que vivemos, este é, sem dúvida, o melhor, mais claro e mais recomendável artigo.