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A continuidade histórica foi retomada e um bom exemplo foi o simbólico desfraldar de todas as bandeiras que foram, são e para sempre serão portuguesas. Para despeito de alguns que ainda são demasiados, foi isso mesmo o que os mais altos órgãos do Estado finalmente assumiram. Portugal não surgiu em 1385, 1640, 1810, 1820, 1834, 1910, 1926 ou 1974. Assume assim integralmente todo o seu passado quase milenar.
Agora, falando ainda mais a sério, aqui fica a necessária opinião acerca da dupla que foi ao Brasil comemorar não uma mera festa nacional que nem sequer é o dia da independência do Estado, mas sim a Portugalidade em tudo o que o termo encerra no seu todo pluricontinental, como um quase esquecido comunicado um dia infelizmente rezou em vão.
O 10 de Junho estendeu-se a países extra-europeus e isso é positivo. Os portugueses e respectiva descendência que por lá vivem e trabalham têm sido olhados como meros utensílios arrecada-divisas e este aspecto não é apenas algo imputável a este regime que deles tem abusado, pois o abusivo costume verifica-se desde há muito. Na história dos nossos trisavós, foram evidentes os sobressaltos quando a Metrópole se viu atingida por esta ou aquela quebra da moeda ou crise económica e financeira além Atlântico. Já era tempo de vermos nos nossos compatriotas não apenas o que tradicionalmente a abstenção total que grassava nos gabinetes de Lisboa impediu de considerar, ou seja, valiosos agentes fora de portas, servindo não apenas os nossos interesses da exportação de produtos portugueses, mas sim como força de influência.
Emmanuel Macron acaba de demonstrar que é possível reinventar a ordem política. La Republique en Marche, o partido inventado há pouco mais de um ano, está muito bem encaminhado para conceder ao presidente da República Francesa os poderes parlamentares necessários para governar sem sobressaltos. Theresa May, por seu turno, terá de encontrar o equilíbrio operacional para levar por diante o seu projecto "independentista". Para não cair fora da matriz europeia que começa a ganhar novos contornos nucleares, terá de ter algum cuidado na gestão da pasta Brexit. Uma abordagem excessivamente fundamentalista afastará o Reino Unido do "maior" mercado comum do mundo e permitirá à França uma reafirmação política no quadro do eixo repartido com a Alemanha. O calcanhar de Aquiles de May pode muito bem ser a ruptura que poderá vir a promover com a redifinição do conceito de globalismo britânico. A sua teimosia ideológica, que atinge um dos princípios basilares da União Europeia (UE) - a liberdade de circulação de pessoas -, pode muito bem vir a derrubar a alegada "continentalidade europeia" dos britânicos: se forasteiros não entram em Londres, os britânicos também poderão ser barrados por Schengen. Enquanto processos eleitorais não decorrem na Alemanha, esta nação pode observar com atenção o fenómeno político nas suas mais diversas variantes europeias. A Merkel, que muitos davam como acabada, saberá ponderar os perfis de Macron e May. Muitas vezes a espera sintetiza a melhor das acções. A Europa, não nos esqueçamos, é mais sinónimo de atavismos do que de evoluções sistémicas. As revoluções políticas ainda não aconteceram em pleno no seio da UE, e parece que assim continuará a ser. É o burocratismo que domina os processos. Essa mentalidade, encravada na derme da UE, também contaminou os procedimentos internos dos seus países-membro. As negociações são a imagem de marca da Europa, mas os resultados são assimétricos. Não existem imitações nem replicações. Por mais que queiram aplicar a fórmula geringoncional à solução britânica, aquela não será bem sucedida. Conseguem imaginar uma geringonça-sombra do governo de sua majestade? Eu não consigo.
A grande maioria veio do campo. Do Alentejo, de Trás-os-Montes, das Beiras. Do pé descalço, da sardinha para três, do piolho. Fugiram da brutalidade da charrua e do arado, do destino miserável e da vida de criadagem. Eles queriam a burguesia, elas não queriam servir. Invadiram as fábricas, os portos, as empresas, as funções públicas. No Barreiro, em Loures, na Amadora, em Almada, em São Domingos de Rana, em Odivelas. O salto foi tão grande que hoje os filhos do êxodo rural só conhecem a vida dos avós se tiverem de facto curiosidade. Licenciaram-se, viajaram, quiseram abandonar os subúrbios dos seus pais e olham como turistas para as terras dos avós. Os pais vão-se reformando. Com vontade de regressar à terra, onde a custo construíram uma casa. Não voltam para ajudar os filhos. O reformado suburbano, nas suas calças vincadas e na sua camisa de manga curta aos quadrados, na sua bata e no seu camiseiro florido, está desamparado e amolecido - eles nas praças a jogar cartas ao ponto, a procurar os jornais gratuitos nos balcões da Caixa Geral de Depósitos, elas na praça, ao peixe, e na cozinha, a fazer tudo para que o mundo não pare. Muitos, já avós, ainda trabalham. São as centenas de milhares de carros que enchem Lisboa de manhã. Que entopem a ponte, o IC19, a A5. Que enchem os barcos, os comboios, os autocarros. Tudo em greve, tudo com perturbações, com atrasos, com mau cheiro, com o ar grave e zangado de quem tem pressa, de quem perde duas horas por dia, muitos dias por ano, muitos anos na vida, neste ramerrame infinito. Os salários, em média nos oitocentos euros, não esticam e fogem quase na totalidade até à primeira semana do mês. Paga a renda, paga a água, paga o gás, paga a luz, paga o telefone, paga o passe, paga o condomínio, paga a prestação disto e daquilo, paga a escola, paga a creche, paga o lar, paga o supermercado, paga os tempos livres, paga os tempos menos livres, paga o tempo, paga a vida. Levantam-se cedo, chegam tarde. E é difícil encontrar creches e escolas e transportes, e o autocarro não veio, o metro não funciona, o trânsito não dá saúde, e o passe é caro e a gasolina também, e a vida que está tão má. Voltar à província, por uma razão que não seja o bucolismo do regresso pacífico de quem espera pela morte, está fora de questão. Talvez por medo, talvez porque muitas vezes ainda vive o passado da terra dura, da esteva e da giesta. Mais depressa vão os filhos e os netos, graças a Deus ignorantes, meus ricos meninos, dar cor e futuro a uma grande parte do País que só agora parece querer deixar de estar espiritual e geograficamente morto. A Lisboazinha já pouco tem de fadistas e de prostitutas de um conto de réis. Pouco se ouve o sotaque realmente lisboeta, do bairro, da viela, de quem carrega nos 'ch' e de quem abre as vogais, como quem diz 'chóriço'. Toda modelada pela pronúncia da televisão, pelo charme de quem conhece o estrangeiro e sabe que isto já não fica atrás de ninguém, a nova Lisboazinha, que já não é aquela Lisboazinha yuppie, de um yuppie com as calças com más bainhas, dos anos 90. Mas continua a ser feita por toda aquela multidão muda, que só parece buzinar, que se acotovela nos transportes, que fala entre si mas que teme os modernos e mais ainda os modernaços. Nas repartições, nas cadeias de comida rápida, nas limpezas, nas forças de segurança, nas secretarias. O País real, como lhe chamam, está lá longe, nas serras e nas planícies. Mas está, em grande parte, aqui à porta, logo depois do Campo Grande, a recolher tabuleiros nos centros comerciais. O País real, caramba, somos nós. Estamos é todos, os mais e os menos auto-julgados evoluídos, os do centro e os da periferia, todos, todos, a fazer de conta que não existimos ou que existimos de outra maneira. Que somos outra coisa qualquer para, sobretudo nesta altura, inglês ver. Como se não tivéssemos todos andado em baloiços de pneu, como se não tivéssemos todos, os da minha geração, comido pão com tuli-creme. Como se isto tivesse deixado de ser uma terra encantadora mas dura. Acho que o Rodrigo Leão explicou isto tudo sem usar uma palavra quando compôs 'As Cidades'.
Jamelle Bouie, "Who Needs Rule of Law?":
Just one of our two parties is interested in checking this president’s abuse. The other, the Republican Party, is indifferent, content to tolerate Trump’s misconduct as long as it doesn’t interrupt or interfere with its political agenda. What defined Thursday’s hearing, in fact, was the degree to which Republicans downplayed obvious examples of bad—potentially illegal—behavior and sought to exonerate Trump rather than grapple with Comey’s damning allegations about the president. Sen. James Risch of Idaho, for example, pressed Comey on his claim that President Trump had asked the then–FBI director to drop the investigation into Flynn, suggesting that—because Trump didn’t give a direct order—we ought to ignore the clear subtext of the president’s statement. Sen. James Lankford of Oklahoma described Trump’s actions on behalf of Flynn as a “light touch.” Other Republican committee members, like Sens. John Cornyn of Texas and John McCain of Arizona, steered the conversation toward the FBI’s investigation of Hillary Clinton’s private email server. Still others, like Sen. Marco Rubio of Florida, defended Trump’s actions, blasting leaks to the press as efforts to undermine his administration.
Republican committee members were aided in all of this by the official organs of the GOP, which treated the hearings as a distraction—a partisan frivolity driven by Democrats and the press. “Director Comey’s opening statement confirms he told President Trump three times that he was not under investigation,” said a statement from the Republican National Committee that recommended a strategy of deflection. The RNC additionally argued that “Director Comey lost confidence of both sides of the aisle, and the president was justified in firing him.” House Speaker Paul Ryan, commenting on the procedures, defended Trump’s potentially illegal behavior as the mistakes of a novice. “He’s just new to this, and probably wasn’t steeped in long-running protocols,” he said.
(...).
James Comey’s sworn Senate testimony, both written and spoken, is evidence of one political crisis: A president with little regard for rule of law who sees no problem in bringing his influence and authority to bear on federal investigations. The Republican reaction—the effort to protect Trump and discredit Comey—is evidence of another: a crisis of ultra-partisanship, where the nation’s governing party has opted against oversight and accountability, abdicating its role in our system of checks and balances and allowing that president free rein, as long as he signs its legislation and nominates its judges.
Americans face two major crises, each feeding into the other. Republicans aren’t bound to partisan loyalty. They can choose country over party, rule of law over ideology. But they won’t, and the rest of us will pay for it.
Há actos que tudo dizem sem o proferir de uma só palavra.
Hoje, na Austrália, foi pedido um minuto de silêncio em memória das vítimas da acção terrorista há pouco ocorrida em Londres. Enquanto o público e a selecção australiana de futebol cumpriam o solicitado, os sauditas olimpicamente desprezaram a sugestão e da forma mais ostensiva passearam pelo relvado, como se não tivessem entendido. Afinal entenderam e explicaram-se com um desinteressado ..."isso não faz parte da nossa cultura". Sabemos que não e também temos a certeza de ser a nossa civilização algo muito confortavelmente incómoda e por isso mesmo não podemos nem queremos ceder. Nem nisto, nem num oceano de outras coisas.
Note-se que para nossa vergonha e humilhação, a Arábia Saudita é por interpostas alianças, nosso comparsa internacional.
É mesmo a assunção do orgulho pelo crime, um escarro lançado à nossa cara. Se algum dos politicamente correctos que por aí pululam em delíquios de aprazado colaboracionismo ainda duvidam do mal, aí está ele.
Uma graçola à portuguesa e sem qualquer efeito, como é costume. Outra coisa não poderemos dizer acerca do opinionismo que grassa nos media nacionais, como sempre a onanistamente torcerem muitas excitações por causas indetermináveis mas consentâneas com o quanto pior, melhor. Apostam nas pulsões que corroem este pobre país desde há décadas e quanto a isso, a melhor resposta advém precisamente das autoridades que por aqui vão exercendo o poder, não se comprometendo nem com hard-Brexit ou com a escolha antecipada do vitorioso de logo à noite.
Invoca o governo a relação muito especial de Portugal com o Reino Unido - ou seja, a Velha Aliança que pelos vistos ainda vale algo -, o que significa precisamente o contrário daquilo que Bruxelas deseja e os media internos querem.
Assim sendo e por rotineira prudência, também apostaria todas as fichas na casa da roleta que tem inscrita a palavra May. Isto apesar da bizarria de algumas propostas saídas da sua boca, entre estas a que garante terem os mortos de continuar a pagar através do que deixam em herança, os serviços que lhes foram prestados quando ainda viviam. Esta é uma excentricidade gananciosa que subitamente transforma os tories em competidores directos da extorsão comunista que vê na propriedade privada* um mal a liquidar.
*A propósito e desde já antecipando ditos habituais, para além do carro com matrícula de 2008, não possuo absolutamente nada.
No auge da crise lembro-me de ver nas televisões reportagens sobre o roubo de fios de cobre, aqueles utilizados para fazer chegar electricidade às casas e alimentar as torradeiras e as bimby´s. Os postes de eucalipto ficaram despidos, nus. Os criminosos vestiam fato de macaco e actuavam na calada da noite munidos de lanternas e escadotes. Fast-forward e eis que nos encontramos na sala do conselho de administração da EDP. Os que ocupam as cadeiras nas reuniões executivas nunca vestiram macacões azuis, mas descendem de primatas. Em vez de pegaram no corta-fios, ou no alicate, têm as unhas rasas, polidas e a falinha amansada pela prática de jargão corporate durante anos a fio. Sabem perfeitamente que o emaranhado governance é perfeito para camuflar desvios, dissimular contratos desequilibrados e, de watt em what?, nunca chegaremos ao volt-face da justiça célere que reúne as provas, constrói os processos e dita sentenças. Se foi Sócrates o relâmpago maior não sei, mas tenho a certeza que Mexia e companhia sabem que nunca veremos a luz ao fundo do Maat. Será a complexidade tri-fásica de suspeições que ilibirá a culpa de negligentes ou não, dolosos ou nem por isso. Não há feixe de electrões que nos valha. Chamem uns jornalistas para a conferência impromptu que eles ajudam a limpar o carbono da reputação daqueles que gerem uma boa parte da energia de Portugal. O outro ampere desta história é o Estado que deu amparo para os apagões e os choques eléctricos que os portugueses têm de mamar. Cheira a fusíveis queimados.
Portugal num comentário [acerca do dinheiro público que Medina estoira em parques] : " Todas estas iniciativas são bem vindas, ainda me recordo ir comer o belo frango assado na cantina da CML" e é isto. Empobrecer até ao voto.
Finalmente alguém com voz se atreve a escrever sobre este assunto que o governo teme. É justo dizer que nisto está irmanado com praticamente toda a oposição. Decidiram que não lhes convém o ruído e diplomaticamente falando, têm razão, razão essa que logo se espatifa quando depois fazem afirmações disparatadas perante os jornalistas. Como já se disse, repetem os mesmos pueris argumentos e sugestões feitas a outros portugueses, noutros tempos e noutras paragens. As mesmas rimas, as mesmas desculpas, os mesmos argumentos que a ninguém convence, dir-se-ia um copy-paste perfeito. Não resultará e deverão enfrentar o problema que lhes estourou nas mãos.
De uma coisa podemos estar certos: a enxurrada acontecerá e pior, foram avisados e nada ou pouco fizeram.
O texto de António Barreto
"O que se passa na Venezuela é, a todos os títulos, grave. Sob o domínio de uma ditadura demagógica e populista, um país rico encontra-se falido, dá sinais de caos e miséria, em permanente revolução e à beira de uma perigosa insurreição. O seu governo é imprevisível e goza de uma grande tolerância internacional, talvez por ser uma ditadura esquerdista e tropical, que destruiu, em pouco mais de quinze anos, um país moderno e em desenvolvimento, apesar de muito desigual. Os primeiros anos de ditadura serviram para uma radical distribuição de riqueza e uma diminuição da pobreza, facilitadas pelas receitas do petróleo, cujas reservas estão entre as mais vastas do mundo. A política americana em relação à Venezuela pecou várias vezes por interferência. A quebra de proventos com o petróleo e a política dos governos de Chávez e Maduro são as causas essenciais da actual desordem.
Há muitas décadas, os emigrantes portugueses elegeram a Venezuela como um dos países de destino favoritos. Talvez sejam hoje quase 500 000, ninguém sabe ao certo, mas este número deve incluir muitos de segunda geração. Parece que haverá quase 200 000 pessoas inscritas nos consulados. É muita gente. Com a evolução da situação actual, muitos vão querer regressar a Portugal. Não se sabe quantos. Mas o país precisa de estar pronto para que regressem muitos. Mais vale estar preparado a mais do que a menos. A Madeira é a principal origem de emigrantes para a Venezuela. Será também o principal ponto para retorno.
Já regressaram à Madeira, em poucos meses, cerca de mil. Ao todo, em dois ou três anos, perto de quatro mil. Mais de 800 já se inscreveram nos centros de emprego. Muitos procuram casa. E lugar nas escolas para os filhos. O governo da República tem a estrita obrigação de fazer tudo e mais alguma coisa. Directamente e através do governo regional. As instituições europeias têm a obrigação de apoiar estes refugiados que não podem ser penalizados pelo facto de não serem africanos ou asiáticos.
Tanto quanto sei, o governo regional está a fazer o que pode. Se está, muito bem. Mas deve ser pouco. Tem de ter o apoio do governo da República, assim como das instituições europeias. Se portugueses regressarem da Venezuela, serão, a muitos títulos, refugiados. Mais ainda, serão também retornados. Sobre estes, temos obrigação de saber aquilo de que falamos. Não é possível imaginar que os portugueses da Venezuela sejam tratados como foram muitos retornados das colónias, em 1975, nem como muitos refugiados muçulmanos e africanos que hoje chegam à Europa. Convém não esquecer que não é apenas à Madeira que aqueles emigrantes estão a regressar, é a Portugal!
O governo não deve falar alto. Deve estar calado. E ser discreto. E não fazer demagogia. Mas deve estar pronto e mostrar aos portugueses de lá que está preparado. O governo não deve fazer barulho a mais sobre este problema. Um secretário de Estado foi a Caracas e tratou do assunto com cuidado? Muito bem. Há dispositivos de segurança que começam a estar preparados, para as viagens e os transportes? Há sistemas prontos a funcionar para a saúde, os cuidados de emergência, a habitação e as primeiras necessidades? Há cuidados para crianças e idosos? Há sistemas imaginados para rapidamente ajudar quem pode trabalhar? Há apoios para apoiar quem quiser criar empresas? Há uma boa articulação, sem política de permeio, entre o governo da República, o governo regional e as instituições europeias?
O facto de a ditadura venezuelana ser de esquerda não deve embaraçar o governo português. O facto de os portugueses da Venezuela não serem muçulmanos não deve inibir o governo. Esses mesmos factos não deveriam impedir a imprensa de estar mais atenta. A discrição, em todo este tema, obriga o governo e as autoridades, não os privados nem os jornalistas. O que, neste caso, se fizer a mais, com ruído excessivo e exibicionismo, será criminoso. Tanto como se não se fizer nada nem o suficiente."
Inicio este post com um disclaimer (logo dois termos em inglés, que maravilha!): não é este o mundo que eu desejo, MAS, o que aí vem é inevitável se os governos pretenderem exercer uma das suas prerrogativas - garantir a segurança dos seus cidadãos. Embora haja a tentação do discurso integracionista do chá das cinco, que se inspira nos cânticos da multiculturalidade e da semelhança dos próximos, a verdade é que a crueza dos factos determinará outras sortes. Iremos assistir à israelização securitária das metrópoles, à instalação de checkpoints em pontos nevrálgicos das cidades europeias e acessos às mesmas, a acções de varrimento percepcionadas como aleatórias, à proliferação de uma administração policial com mais poderes discricionários e autonomia no que diz respeito à tomada de decisões, à intensificação de processos sumários judiciais legalmente enquadrados, ao desenvolvimento do conceito de vigilantes de bairro, à integração europeia de agências de inteligência e ao desenvolvimento de tecnologias de track and trace de potenciais terroristas que serão monitorizados preventivamente. Bem-vindos ao mundo novo, orwelliano dirão alguns, mas sustentado na noção de lesser evil, e provavelmente justificável. A questão que se coloca diz respeito à sobrevivência civilizacional, a liberdades e garantias, à democracia. Enquanto gira a tômbola do próximo ataque terrorista, decisões incómodas terão de ser tomadas, custe a quem custar, doa a quem doer. Estas noções transcendem ideologias ou posicionamentos partidários. Os ataques terroristas produzirão, com variantes discutíveis, um alinhamento político inédito. A Esquerda e a Direita, o norte e o sul, terão de concordar. O inimigo irá gerar consensos improváveis, mas necessários. Obrigatórios. Será uma escolha entre o chá das cinco e as facas longas.
Os artistas não são culpados, mas um boicote à EDP não seria mal-visto. Já não é prestigiante ser patrocinado pela EDP, como não é politicamente recomendável subscrever a multinacional americana Monsanto. A humanidade, quer o deseje ou não, terá de enfrentar dilemas éticos. Os homens definem-se também pelas companhias que escolhem. Com tanta prosápia da marca Sobral sobre "salvar o mundo do cinismo e dar guarida a refugiados", não seria de todo desadequado se um intérprete ou outro desse um coice na mão que dá pão para a boca. Mas o cachet é irrecusável. E os artistas fecham os olhos à corrupção. Dinheiro sujo é lá com eles. Actvismo político é uma coisa muito bonita, mas não passa disso.
Lembro-se como se hoje tivesse sido.
Num dia daquele já bastante distante ano de 1975, o meu pai* disse-me para ir com ele ao Palácio Sottomayor, onde, pelo que se sabia, existia alguma boa vontade para com as pessoas que forçadamente tinham vindo para a até então - e ainda o era em Timor - Metrópole. No Rossio corria o boato que garantia um staff composto por gente alheia às foices, martelos, estrelas e patinhas de galinha (MDP/CDE). Assim constava e por regra parece que assim acontecia. A minha companhia talvez servisse como um arremedo de chantagem moral.
Aquele belo edifício servia então como entreposto de roupas destinadas aos retornados. Os grandes salões dourados num brilho fanado já tinham vivido melhores dias e estavam atulhados com arranha-tectos de caixas contendo roupas. Mal se vendo em toda a sua sumptuosidade, essa grandeza de outrora, décadas mais tarde miraculosamente escaparia a uma fortuita decisão de demolição com o fim de ali se erguer um daqueles mamarrachos de betão que nas cercanias a CML permitiu brotar como cogumelos venenosos.
Estava-se em plena pródiga época de cunhas que noutros regimes foram denominadas de empenhos. O meu pai conseguira esgueirar-se entre as apertadas malhas dos controleiros da Intersindical, ou seja, do bastante impertinente PC e satélites de serviço e mediante um amigo de pseudónimo Valente Cunha, lá conseguira o lugar de professor de História no Liceu D. Manuel I, em Alcochete. Diariamente deslocava-se no 43 até às imediações do Terreiro do Paço, onde iniciava a sua odisseia de várias horas entre idas Tejo acima e regressos tardios ao parque de campismo de Monsanto. Obteve já nem sei através de quem, mais uma muito empenhada cunha que talvez propiciasse o contorno das regras impostas pelo governo da troika PS/PPD/PC + MFA de Vasco Gonçalves, normas essas que de uma eficaz penada eximiram o Estado da contabilização de muitos milhares de pessoas que num ápice deixaram de entrar nas contas do ábaco do desastre e mais importante ainda, nas ajudas a conceder. Já tínhamos ido ao IARN que então funcionava para as bandas do Museu de Arte Antiga e ali foi-nos friamente esclarecido que ..."pela Lei o senhor e a sua família, chegando a 31 de Agosto de 1974, não podem solicitar ajuda".
Chegados ao Palácio Sottomayor, tivemos o supremo azar de sermos recebido por uma bastante iracunda activista com a patinha de galinha à lapela, numa época em que era de bom tom separar as águas, fosse no machimbombo (autocarro verde da Carris), no eléctrico ou metropolitano. Usava-se o símbolo do partido bem visível no casaco, vestido ou camisa, como se se tratasse de um precioso broche de pedrarias cuidadosa e requintadamente lapidadas por aquele Leitão que durante tanto tempo bem servira a Coroa. Os apressadamente aggiornados ou preocupados por serem ainda mais visíveis, preferiam o grande autocolante e tal como como acontecia com os banhos e cuecas, dele faziam a muda semanalmente, dependendo da data da próxima manif ou greve aprazada. Olhava-se de soslaio para o lado e no caso do efémero vizinho de viagem cumprir grosso modo o politicamente correcto da época, até se metiam ambos em simpática cavaqueira. O pior é se aquele com quem era forçado a empernar ostentava algo que lhe fosse desagradável, um daqueles inimigos de classe, mesmo que este usasse umas calças esfarrapadas. Logo os olhos chispavam de ódio e os mais afoitos deixavam cair uma ou outra provocação que prontamente tinha resposta.
- Então digam lá "ó quéque" vêm? (ó quéque? Huuuuuuum, soava a falso e isso confirmou-se uns tempos depois**)
- Bom, nós estamos a viver no parque de campismo de Monsanto...
Interrompendo abruptamente,
- Ouça lá, nós instalámos toda esta gente em pensões e hotéis (gesto circular, abrangendo toda a sala), não amandámos (sic) ninguém aboletar-se em campismos! (voz em crescendo de decibéis)
- Eu sei, mas tenho cá um primo que nos emprestou uma roulotte...
- Olhe, sorte a vossa e azar do seu primo que a receberá de volta toda escangalhada, se é que alguma vez a terá! (risota)
- Minha senhora, vim aqui para obter roupas de inverno para os meus filhos.
- Então dê-m'aí a senha e diga lá em que data chegou para eu apontar aqui no livro de entregas! Despache-se!, não vê que tenho mais que fazer? (voz bem audível para todos os que ali também estavam à espera da esmola)
- Chegámos a Lisboa no dia 31 de Agosto de 1974...
Virando-se para trás e rindo desbragadamente em direcção às colaboradoras que estavam a tomar notas:
- Olha-m'estes, por 24 horas não têm direito à ponta de um corno! Da'donde (sic) é que você desencantou esta senha? (gritos)
Tendo tentado e não conseguindo o que queria, o meu pai desatou num para mim até então desconhecido embrulho oral, um hilariante mas refinado atoalhado revisteiro de escárnio e maldizer, profusamente entrapado com o mais barroco calão que existia à época na Alfama. Recuso-me terminantemente a publicá-lo.
No meio do gargalhar geral daqueles subitamente encantados vencidos da vida que, alguns deles resignadamente humilhados e de chancas rotas mas percebendo o alcance dos tortuosos ditos vagamente camilianos, também aguardavam a sua vez de ordálio, a patinha de galinha quedou-se muda de espanto.
Estrondeou uma prolongada erupção de risos krakatoanos e antes que chegasse o Copcon pertencente ao famoso tolo, dali saímos lestamente sem olhar para trás. O pior é que o visado galináceo de broche esmaltado não terá compreendido a maior porção do alcance do improvisado número digno do que melhor se concebia na Comédie Française, ficando apenas plenamente ciente da ínfima parte reservada ao léxico da Alfama pré-airbnb. Tanto pior.
- Gostaste? Esquece o que ouviste e vamos para casa.
Era este o Portugal de outros tempos. Não me esquecerei nem quero ou tenho sequer o direito de olvidar este e outros episódios até ao último dos meus dias, tenham lá a santa paciência. Esquecer é uma condenação certa à repetição e pelo que se ouve no telejornal, isto é precisamente o que está a suceder, martelando-se tintim por tintim, aquilo que os pais deles disseram e pior ainda, fizeram naquela época.
Já transformado o Palácio Sottomayor na propriedade de uma entidade bancária (?) e numa parte daquele grandioso espaço funcionando uma Embaixada de um país contíguo da Venezuela, ali não pode o governo instalar qualquer renovado IARN, Algo deve ser disposto urgentemente e sobretudo recheado com pessoal mais simpático e preferencialmente sem sucedâneas patinhas de galinha à lapela.
Uma sugestão? Falem com a Isabel Jonet, pessoa mais do que apta para este tipo de já históricas maçadas e imprevistos há muito avisados.
Gostei tanto do episódio que uns anos depois, passando numa banca de propaganda do PC que durante anos existiu no Rossio, comprei à irmã gémea do Brezhnev - se não era, parecia - esta bela patinha de galinha que ainda conservo na minha tralha referente ao PREC. Tenho mais exemplares, muitos mais.
* Ao longo da sua vida na antiga Metrópole, o meu pai jamais votou em qualquer partido da direita.
Enquanto o Arq. Ribeiro Telles presidiu ao Directório do PPM foi um eleitor fiel, considerando-o como o único partido com um projecto interessante e com garantias de propiciar um futuro melhor e mais equilibrado, embora sem megalomanias para este país. Dizia mesmo que era a única organização revolucionária portuguesa, olhando de soslaio e com um certo desprezo para os demais que se alavancavam, segundo ele abusiva e pateticamente, a essa duvidosa condição. A partir dos anos 80 insistia uma e mais uma e outra vez no voto PS num agora é que é, naquela bem conhecida e inexplicável fórmula de "PS à PS", uma espécie de dito do recorte "Benfica à Benfica". Nunca nos conseguiu dizer o que isso significava e ficou sempre uma genérica impressão familiar de simpatia pela sigla. Para além do CNC, nunca se inscreveu em entidade alguma.
** Confirmou-se uns tempos mais tarde, em 1980, quando com um grupinho de amigos fui lanchar ao Vá-Vá. Reconhecia-a de imediato e sentando-me numa mesa bem próxima, ouvi-a discorrer sem populeirices forçadas. Era uma burgesa dos arrabaldes perpendiculares da Av. de Roma, precisamente daquela casta mazinha e disposta a todo o tipo de camaleonismos, dependendo estes de cada momento. A propósito, já não ostentava a patinha de galinha.
Quando é que o sempre excitado afectuoso vai distribuir afectados afectos à pobre e desvairada gente que silenciosa e discretamente todos os dias e aos magotes chega ao aeroporto do Funchal? Já que está nos Açores, aproveite para fazer uma voltinha e aterre na Madeira, pois dentro de momentos terá mesmo de fazê-lo remediadamente aqui bem perto, na Portela.
Não, não vale a pena dizer que são apenas "turistas como quaisquer outros", ansiosos visitantes do busto que nem de longe faz lembrar o Cristiano Ronaldo.
Alguns deles são refugiados, perdão, retornados e talvez pela segunda vez nas suas vidas, irra!
Há décadas que conheço os "comunas" de Portugal que apenas o são porque não têm onde cair mortos. Mas coloquem um milhão de euros nas mãos de um ideólogo desta estirpe que serão dos primeiros a comprar um Ferrari e a fazer um cruzeiro de gosto duvidoso. Não há volta a dar. A ascensão monetária faz esquecer os princípios ideológicos, as lutas, as causas e a reforma agrária - o povo unido jamais será vendido? Lá no fundo, o pobretanas socialista ou comunista sonha em ser o capitalista da ostentação farta, do Rolex no pulso e comportamento selvagem. E a Câmara de Almada quer dar uma mãozinha, e lá foi à ourivesaria Coimbra abastecer-se de relógios para enfeitar a vontade do eleitorado e dos assalariados autárquicos. Se isto não configura gestão danosa, compra de favores e tráfico de influência não sei que nome dar à prática. Será que Jerónimo de Sousa me sabe dizer que horas são?