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Miguel Sousa Tavares, na SIC, afirmou há pouco que se o Prémio Nobel da Paz for entregue a Trump, algo que foi hoje sugerido pelo Presidente da Coreia do Sul, a instituição do Prémio Nobel acaba e até a própria família de Trump se rirá a bandeiras despregadas. Sendo eu insuspeito nesta matéria, dada a minha opinião negativa acerca de Trump, e considerando as devidas cautelas quanto à concretização da desnuclearização proclamada por Kim Jong-Un, não deixa de ser irónico que Trump possa ser um factor determinante para a pacificação da Península da Coreia.
Ora, atentemos na justificação do Comité Nobel Norueguês para atribuir o Prémio a Obama em 2009: “The Norwegian Nobel Committee has decided that the Nobel Peace Prize for 2009 is to be awarded to President Barack Obama for his extraordinary efforts to strengthen international diplomacy and cooperation between peoples. The Committee has attached special importance to Obama's vision of and work for a world without nuclear weapons.”
Claro que as visões e ideias são importantes, mas a concretizar-se a desnuclearização da Coreia do Norte, talvez valesse a pena relembrar, em linha com Maquiavel, que em política o que importa é a verdade efectiva das coisas e os resultados, não a imaginação. Como escreveu o florentino: “Nas acções de todos os homens, e mormente dos príncipes, em que não há um tribunal para onde reclamar, olha-se é ao resultado. Faça, pois, um príncipe por vencer e por manter o estado: os meios serão sempre julgados honrosos e por todos serão louvados, porque o vulgo prende-se é com o que parece e com o desenlace das coisas.”
Mas claro que o Comité Nobel Norueguês pode sempre preferir continuar a desvalorizar a importância do Prémio Nobel da Paz. Afinal, a Academia Sueca tem feito o mesmo, com bastante sucesso, com o Prémio Nobel da Literatura. São, aliás, cada vez mais aqueles que atribuem pouca ou nenhuma importância à instituição dos Prémios Nobel - bem como às opiniões de Miguel Sousa Tavares.
Já estamos habituados. Ouve-se muito em Portugal. Escutam-se uns. Filmam-se outros. Criam-se comissões. Fazem-se perguntas. Mas os resultados são fracos. Não interessa de que bancada parlamentar se fala. Não importa qual o partido político em causa. A soma final é igual a zero. Zero à Esquerda e Zero à Direita. E assim, sem grande sobressalto, escutaremos Manuel Pinho, como tantos outros que já falaram e ofereceram a sua versão corroborrada pelo bom nome e a verdade única que certamente sai pela boca fora. O cidadão português, visado mais do que os outros pela falência ética dos governantes, já se deveria ter indignado de um modo transversal e arrepiante. Refiro-me à podridão sistémica que contamina há décadas a realidade política nacional. Os parlamentares já não podem invocar imunidade seja de que espécie for. Estão comprometidos, mesmo que em conluio abstinente, mesmo que o assunto em causa nada tenha a ver directamente com a sua bancada. A casa da representatividade legislativa, de onde emanam as lideranças, deveria demitir-se em bloco. O mês de Abril, que serve para evocar lirismos e sentimentos de fraternidade, não passa de uma farsa. Há muito que o espírito e corpo da Democracia são postos em causa pelo vil desempenho de lideres no governo ou pela oposição. Assistimos a um festival sem fim de corrupção e transgressões. Confirmamos a associação insidiosa de toda a classe política que não ousa sair à rua em causa própria. Amanhã é feriado. Dia do trabalhador e de uma mão cheia de ladrões.
Esta entrevista deveria estar afixada por todo o país ou mesmo pelo mundo. Não só pelo que diz respeito às fraudes das terapias alternativas, mas especialmente pelo diagnóstico lapidar de um certo ambiente anti-científico e anti-intelectual (reflectido, por exemplo, no movimento anti-vacinas), de rejeição da autoridade da tradição científica em áreas em que ela, ainda que imperfeita e com muitas incertezas (como é característico da ciência), é a melhor forma de interpretação e compreensão de diversos fenómenos e processos e, no caso da saúde, de tratamento dos seres humanos. Eric Voegelin escreveu que “Quando a episteme é arruinada, os homens não deixam de falar acerca da política; mas agora têm de se expressar no modo da doxa." Substituam "política" por "ciência" ou "saúde" e começarão a vislumbrar como pode ser perigoso para o nosso futuro colectivo aplicar ideais de democratização e rejeição da autoridade onde estes não devem ser aplicados.
Aqui fica o artigo sobre o declínio das democracias, da autoria de Gustavo Sampaio, publicado na edição de 29/03/2018 do Jornal Económico, para o qual contribuí com alguns comentários.
Há uma boa dúzia de anos visitei Portugalete, Bilbau. Mas isso não vem ao caso. O que vem ao caso é a preocupante constatação de que os meus compatriotas, que agora vêm em força a Portugal, são apenas turistas. Ou seja, na maior parte dos casos envergonham-me - "Oh, wow! Isn´t that neat?" ou "Are you good?". Enfim, deixem-nos vir à vontade para deixar o pilim, mas não lhes perguntem sobre o Brexit, sobre as eleições na Áustria, sobre a Troika - eles pouco ou nada sabem. E foi essa insularidade existencial que elegeu Trump. Tenho a nacionalidade, mas sou crítico como o raio em relação ao dossiê. Não confundamos certas coisas. A "inteligência" americana existe no topo do topo da Ivy League, nos centros de investigação confortados pelas dotações milionárias de civis que escalaram com labor e suor a pirâmide da sociedade. Os americanos que me confortam são aqueles que não tornam à federação. São aqueles que têm uma epifania repentina (não são todas repentinas?) e decidem que ainda vão a tempo de cultivar vistas largas e abandonam a América com a carga pronta e metida nos contentores. Eu sei, também se pode tecer críticas ao atraso de vida em Portugal. Mas hoje não estou para aí virado. Acho que fiquei mesmo irritado quando ontem me cruzei com um compatriota relativamente vocal que envergava uma sweatshirt com o seguinte estampado: "Detroit Dog Savers". E pronto. Fico-me por aqui. Hoje há bola?
Os dados não são novos, mas insisto neles. Em 1960, nasciam 24 bebés por cada mil residentes. Em 2016, nasciam apenas oito. Em 1960, havia em Portugal 27 idosos por cada cem jovens. Em 2011, para cada cem jovens havia já quase 130 idosos. Podia continuar com outros números, mas o significado de uma taxa de natalidade de 1,2 filhos por mulher, uma das mais baixas do mundo, é evidente: Portugal é um País de bengala e não de risos de crianças.
Este País envelhecido ajuda a explicar muitas das políticas fiscais, orçamentais e de segurança social que têm sido tomadas nos últimos anos. Quem governa anseia por continuar a governar e, como tal, tem a natural tentação de satisfazer clientelas. E as clientelas são os idosos, não são as crianças nem os casais de classe média com filhos. É por isso que a Segurança Social tem uma forte tónica na política de pensões e reformas e praticamente desiste do que seriam incentivos à natalidade. Isto reflecte-se, por exemplo, nos valores que os pais pagam às creches. É absurdo que, num País em que cada mulher tem, em média, apenas um filho, uma família de classe média pague tanto a uma creche comparticipada pela Segurança Social como uma família de milionários. Com excepção das famílias mais carenciadas, qualquer casal de classe média, isto é, com um salário per capita equivalente ao salário médio, que ronda os 750 euros, tem enormes dificuldades para ter mais que um filho.
É verdade que há factores sociais, sobretudo nas grandes cidades, que conduzem ao decréscimo da natalidade, como o hedonismo ou o foco noutras coisas que não a família. Mas também é verdade que em estudos recentes se demonstrou que a grande maioria das mulheres portuguesas pretende ter filhos. Com a crescente dificuldade em aceder ao mercado de trabalho e em estabilizar economicamente um lar, é natural que a maternidade seja adiada – o que explica que a idade média das mulheres no nascimento do primeiro filho seja cada vez mais avançada, ultrapassando já a barreira dos 31 anos de idade.
Ana Alexandra Fernandes, demógrafa da Universidade Nova, alertou recentemente para esta realidade, afirmando que toda a sociedade devia proteger o nascimento de uma criança – desde as entidades empregadoras ao Estado na sua dimensão fiscal, de providência ou de mobilidade.
Este deserto demográfico terá, obviamente, consequências devastadoras para a sociedade portuguesa. Seremos cada vez menos, mais velhos e com o Estado mais falido. Incapazes de gerar riqueza, por falta de gente jovem que trabalhe, teremos cada vez mais encargos com pensões e reformas a suportar. É este inverno populacional que nos fará encolher enquanto País e enquanto sociedade. Já não bastava tudo o resto.
Quando jornalismo se traduz em minudências e insignificâncias deixa de ser jornalismo. Passa a ser uma ementa grosseira, uma reles lista de supermercado. Pensava eu que era apenas a TVI a desviar a atenção dos factos, mas estava redondamente enganado. O Jornal Sol descreve em detalhe o décor da novela da prisão de Lula, mas não ficamos a saber no artigo o mais importante de tudo: as acusações de corrupção que pendem sobre o senhor. Sabemos que mastiga o pão e sorve o café. Sabemos que o seu clube Corinthians não deixou de ter o seu apoio. Sabemos que tem uma sanita e um chuveiro para a higiene confinada a uma cela. Sabemos que um repasto de carne assada, arroz com feijão e macarrão serve para encher o bandulho. E sabemos que não se esqueceram do chuchu. Não sei quem dá as ordens na redacção do jornal Sol, se é o Saraiva grande ou o Saraiva júnior, mas esta peça está ao nível da sarjeta. Mas bate tudo certo. Já tivemos o Sócrates a analisar a vida de gangues e malfeitores, já tivemos o Bruno de Carvalho com um torcicolo verbal e espasmos lombares. O que se seguirá? O que vamos ter de levar de frente, de chapão, na fuça?
Jan-Werner Mueller, "Can Liberalism Save Itself?":
Needless to say, technocratic rhetoric provides an excellent opening for populists, because it invites the very questions that populists are wont to ask: Where are the citizens in all this? How can there be a democracy without choices? This is how technocracy and populism can start to reinforce one another. They can seem like opposites – the intellectual versus the emotional, the rational versus the irrational. And yet each is ultimately a form of anti-pluralism.
The technocratic assertion that there is only one rational solution to a problem means that anyone who disagrees with that solution is irrational, just as the populist claim that there is only one authentic popular will means that anyone who disagrees must be a traitor to the people. Lost in the fateful technocratic-populist interplay is everything one might think of as crucial to democracy: competing arguments, an exchange of ideas, compromise. In the absence of democratic discourse, politics becomes a contest between only two options. And those committed to either side share the view that there are never any alternatives.
Portugal sofre de pseudo-elitismo crónico. O mito sagrado da cultura tem servido fetiches de diversa ordem, mas sobretudo para invocar poderes sobrenaturais e reclamar dinheiro dos contribuintes. Em nome de causas maiores, do bem público e do dever do Estado, um conjunto alargado de "estruturas" (termo querido da Catarina Martins) tem recebido, a fundo quase perdido, somas interessantes para tirar o povo da sua ignóbil miséria cultural. São estes agentes em missão de salvamento que resgataram Portugal profundo da tirania da estupidez e ignorância. O contínuo endeusamento de uns quantos "grandes", que consubstanciam a máxima "em terra de cegos quem tem olho é rei", é o derradeiro responsável. São esses iluminados, tocados pela magistratura do privilégio da corte de vantagem, das ligações especiais, que foram levados em ombros na luta cultural de classes levada a cabo pelas Esquerdas, ditas titulares exclusivas das artes performativas e do seu integral entendimento. No entanto, o modelo (falido, falhado) não se localiza na régua ideológica ou partidária, nada tem a ver com a Esquerda ou a Direita. É problema de fabrico. É uma patologia respeitante à matriz estatutária do país que distingue despudoradamente a superioridade cultural de uns e afasta a mediocridade avultada de outros. Confirmamos a eternização dos mesmos jogadores. São eles; políticos-poetas, escritores-aclamados, críticos-intocáveis, actores-consagrados, cantoras-diva e encenadores-inamovíveis que degeneram a possível e desejável alteração das regras, do modelo. São esses mesmos, próximos da poltrona do funcionalismo público, que não desejam grandes sacudidelas. Para eles, a cultura deve estar divorciada do mercado, porque o público nada sabe e portanto não saberia distinguir uma ópera bufa de uma simples libertação de gases. Os agentes ditos culturais não entenderam pelo menos duas coisas: a arte é sinónimo de ruptura e desequilíbrio. E os empreendimentos culturais financiam-se de um modo social, sem ser necessariamente socialista, mas intensamente escrutinado em função dos valores investidos e do retorno qualitativo e expectável das obras de arte apresentadas. Neste capítulo das artes e da cultura, da programação e dos modelos de financiamento, poucos o sabem fazer como os americanos. Ora vejam este exemplo e descubram as diferenças. Isto é apenas dinheiro dos contribuintes. Mais nada.
Já houve muitos golos de bicicleta na história do futebol. Mas executados como o de Cristiano Ronaldo hoje, a correr em direcção à bola, com uma movimentação acrobática digna de um ginasta, àquela altura e de deixarem o guarda-redes (Buffon, diga-se de passagem) pregado ao chão, só me recordo de ver noutro jogador: o capitão Tsubasa.
Ana Catarina Mendes mostra-se altiva e defende os camaradas socialistas com especial nobreza e carácter - em especial aqueles que fizeram fortuna alegadamente com contactos coleccionados à pala da actividade política. A secretária-geral adjunta não concorda que se controlem os rendimentos dos políticos. O contrário de "quem nada deve nada teme" parece ser o lema orientador das suas consternações. Na entrevista, "para distrair" a malta, refere aquela bandeira de democratização, aquele preservativo para ocasiões especiais - a regionalização ou a descentralização. E acrescenta que já tem saudades de Mário Centeno num futuro governo. Mais bizarro ainda é a definição dos temas-chave para a próxima legislatura: "clima, digitalização, demografia e desigualdades." Faz lembrar tudo e nada, mas sobretudo uma certa incoerência intelectual de natureza orgânica e conceptual. Ora vejamos; o clima já fugiu a sete pés de este governo que, no meio do caos do planeamento florestal preventivo de incêndios, leva tudo pela frente, com a imposição do desbaste da mata. A digitalização parece-me uma jogada para dar razão a Sócrates e revalidar as suas teses Simplex e Magalhães. A demografia é aquela que se conhece - velha, emigrada e pouco dada à reprodução. E a expressão "desigualdades" é apenas um erro de semântica. Queriam dizer igualdade do género, mudança de sexo, cães e cadelas no restaurante, etc, etc. Ana Catarina Mendes faz bem em olhar para o futuro, mas existe um limite no que diz respeito ao que os outros devem ou não devem fazer. Sentimos, por entre estas linhas ténues de afirmações, um certo desleixo em relação aos parceiros do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português. Quem não soubesse melhor diria que o Partido Socialista já governa em maioria absoluta. Não precisa de ninguém e sabe tudo. Vamos lá controlar as contas dos barões socialistas e já falamos, está bem?
Créditos fotográficos: OBSERVADOR