Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
A malta que está entre o espanto e a indignação por Jaime Gama ter sido convidado por uma empresa de produção de cannabis para o seu Conselho Consultivo só pode andar a dormir. Não deram por o filho, João Taborda da Gama, advogado bastante conhecido na nossa praça, andar há anos a fazer a apologia da utilização da cannabis para fins terapêuticos? Ainda não perceberam o país em que vivemos?
No dia em que se tornam públicas as consequências da gestão ruinosa da CGD, o assunto quase passa despercebido nos telejornais, as televisões noticiosas mantêm a sua programação habitual com os ignóbeis programas de comentário futebolístico, num dos quais até está André Ventura, pelo que é bom ver que um político à beira de formar um partido tem as prioridades bem definidas, e apenas a RTP3 dedica um programa à situação na banca, pasme-se, com Faria de Oliveira, Presidente da Associação Portuguesa de Bancos, em clara operação de contenção de danos. Já dizia Rodrigo da Fonseca que "nascer entre brutos, viver entre brutos e morrer entre brutos é triste”.
Os pequenos devedores lá vão fazendo o que podem para pagar as suas prestações, quando em risco de incumprimento mal conseguem renegociar os seus créditos e aqueles que entram em incumprimento não se livram de ter as empresas de cobrança de créditos à perna durante anos, sem esquecer que são ainda incluídos na lista negra do Banco de Portugal, ficando impedidos de contrair empréstimos junto de qualquer instituição bancária. Por isso, da próxima vez que pensarem em pedir um empréstimo à CGD não sejam tímidos. Peçam logo em grande e não dêem quaisquer garantias. Se a coisa correr mal, paga o Zé Contribuinte. Não conhecem ninguém na Administração? Azar o vosso. Todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais que outros, já dizia Orwell. Talvez esteja na hora de pararmos de brincar com o erário público e privatizarmos a CGD. E já agora, se não for pedir muito, responsabilizar criminalmente quem esteve nas Administrações que autorizaram estes empréstimos escandalosos.
O Partido Comunista Português (PCP) sempre foi o moralista supremo, o campeão da ética, a auto-proclamada voz da verdade, o exemplo de justiça, o símbolo-maior de liberdade, a bandeira do universalismo dos valores humanos, o farol dos direitos dos trabalhadores, o adversário dos capitalistas, o dono da isenção ideológica, o santo padroeiro da inovação política, o exemplo-maior de fulgor existencial, o muso inspirador do cancioneiro nacional e da estrofe lusa, o intérprete exclusivo da ideia de governação, a excelsa repartição de pensamento e filosofia, o único agente da transformação civilizacional, o derradeiro instigador de revoluções e mudança de paradigmas, o timoneiro do pacifismo, o libertador das correntes do colonialismo e da opressão...e, mesmo dispondo desse património rico, bastou um genro e uma rosca para deitar abaixo tanta presunção e água-benta.
Alguém devia dizer aos líderes do PCP que agitar os fantasmas do "fascismo", "extrema-direita" e "Salazar" contra tudo o que se lhes oponha ou os critique já não resulta enquanto estratégia discursiva, pelo que talvez esteja na hora de pensarem em mudar de cassete. De resto, Bernardino e Jerónimo fizeram o que todos fazem, que aparentemente até pode ser legal, mas é eticamente reprovável. O busílis da questão reside, tal como no caso Robles, na hipocrisia de os líderes do PCP recorrerem frequentemente, no debate político, a uma auto-proclamada superioridade moral, que é contrariada pelas práticas próprias em que utilizam o mesmo tipo de expedientes que muitos outros alvos habituais das suas críticas. Diz-me a minha intuição, aliás, que investigações e auditorias a muitas Câmaras Municipais com executivos comunistas provavelmente revelariam infindas situações congéneres.
David Cameron, que era contra a saída do Reino Unido da UE, prometeu e realizou o referendo do Brexit, tendo-se demitido na sequência deste. Nigel Farage, Boris Johnson, Michael Gove e companhia fizeram uma campanha demagógica pelo Leave e a seguir puseram-se ao largo - excepção para Johnson, que ainda conseguiu demonstrar ao mundo, enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros, que é mais pateta do que se pensava. Theresa May fez campanha pelo Remain e, numa atitude que tanto pode ser vista como contraditória (à luz da weberiana ética da convicção) ou patriótica (à luz da ética da responsabilidade), manteve-se ao leme do Governo britânico, sendo a principal responsável por implementar uma decisão de que discorda e tendo várias vezes rejeitado a possibilidade de se realizar um novo referendo.
Tenho, sobre este assunto, já de há algum tempo a esta parte, uma teoria parcialmente explicativa e parcialmente preditiva (ainda que bastante especulativa), que vou aqui arriscar colocar, finalmente, por escrito. O mais provável é que esteja errada, mas na remota hipótese de vir a mostrar-se certa, lembrem-se que a leram aqui primeiro.
May tem estado, ao longo dos dois últimos anos, num putnamiano jogo de dois níveis. À luz deste modelo de análise de negociações internacionais, no nível ou tabuleiro de xadrez nacional ou doméstico, May lida com uma maioria de agentes políticos favorável ao Leave e uma sociedade civil fragmentada mas cuja maioria provavelmente votaria a favor do Remain caso se tivesse realizado um novo referendo. No entanto, esta probabilidade poderia ser contrariada por uma nova campanha demagógica a favor do Leave, desta feita até exageradamente focada na crítica a Theresa May, pelo que, mais uma vez, corria-se o risco de a campanha e o resultado do referendo espelharem essencialmente questões e lutas políticas internas.
Por outro lado, no tabuleiro internacional, o governo britânico encetou duras negociações com a União Europeia, tendo chegado a um acordo que, não sendo ideal e não agradando a ninguém, parece ser o possível - algo que tantas vezes acontece em política. Boris Johnson, Jeremy Corbyn e afins consideram que conseguiriam fazer mais e melhor e acham que ainda há forma de obter um acordo em que o Reino Unido consiga eat the cake and have it too, contra todas as evidências no sentido contrário.
A estratégia que May poderia adoptar para maximizar as possibilidades de um novo referendo ter como resultado a permanência do Reino Unido na UE foi precisamente a que adoptou até agora, utilizando aquilo que me parece poder ser inspirado na brinkmanship. No nível internacional, foi negociando o acordo possível para, no nível nacional, ao mesmo tempo que ia rejeitando a realização de um novo referendo por o resultado ser ainda algo incerto, mostrar à sociedade civil que a decisão de saída será prejudicial aos interesses do Reino Unido e reduzir o espaço de manobra dos seus adversários políticos que acham que seria possível negociar um bom acordo. Os adversários de May, ao contrário do que muitos poderiam pensar, não estão no nível internacional, não são a UE nem os negociadores europeus. Pelo contrário, estes foram essenciais para a sua estratégia. Os seus verdadeiros adversários estão no nível doméstico e foi em relação a estes que utilizou a brinkmanship, ou seja, que conduziu este processo a um ponto de tal forma perigoso que lhe permita finalmente ter a vantagem suficiente sobre estes, não para garantir a sua posição de Primeira-ministra - bem pelo contrário -, mas para almejar realizar um novo referendo com uma elevada probabilidade de o resultado ser o da permanência na UE. A votação de hoje no parlamento britânico, que May sabia antecipadamente que iria perder, foi apenas mais um passo na estratégia da Primeira-ministra de reforçar a percepção, na sociedade civil britânica, da irresponsabilidade da maioria dos seus políticos.
Como escrevi acima, é provável que esteja enganado. Mas na remota hipótese de estar certo, a esta luz, May revelar-se-ia uma estadista de elevadíssima craveira, alguém que se arrogou a responsabilidade de manobrar um dos mais perigosos, incertos e complexos processos políticos contemporâneos, com evidentes prejuízos para a sua carreira política, mas que teria salvaguardado o Reino Unido e a União Europeia dos ímpetos demagógicos e irresponsáveis de uns quantos outros políticos. Certo é que o processo ainda não terminou e os próximos dias serão decisivos. Aguardemos.
Nesta altura do campeonato, inclino-me para votar na Aliança de Santana Lopes. Mas se o Miguel Morgado se tornar líder do PSD, o que seria óptimo para o partido e para o país, ficarei perante um enorme dilema. De resto, provoca-me bocejos ouvir tantos putativos virgens impolutos (Rio segue destacado na liderança) que se escandalizam com agitações e alegadas tentativas de golpes palacianos porque, pasme-se, os agitadores só estão preocupados com lugares, como se, em democracia, a política intra-partidária fosse outra coisa que não isto e como se não andassem eles próprios nestas lides há décadas. Ide ler Maquiavel e relembrar que a política, num sentido restrito, é a conquista, manutenção, exercício e expansão do poder político. Se são inábeis nas últimas duas (como Rio demonstrou à saciedade durante o último ano), sofrem as consequências. É a vida, ou como diria Paulo Portas, "as coisas são o que são."