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O caso de ontem nas redes sociais foi o novo pivô da SIC Notícias, Cláudio Bento França. Permitam-me recapitular e tecer breves comentários aos três previsíveis “argumentos” que logo começaram a ser derramados por aí contra aqueles que se regozijaram com o acontecimento:
1 - “Não é o primeiro pivô negro em Portugal”. Claro que não, mas foram e são tão poucos, devido ao que se segue nos próximos pontos, que não pode deixar de ser notícia.
2 - “A cor da pele não é relevante, o que importa é que as pessoas desempenhem cargos para os quais têm competência e que alcançaram por mérito próprio”. Assim seria num mundo ideal, que não é o nosso. Estamos perante a perniciosa ideia de meritocracia, um pilar do capitalismo contemporâneo que permite justificar e normalizar estruturas e relações de poder que contribuem para a perpetuação de desigualdades e discriminações. Nos últimos anos, vários autores têm evidenciado efeitos negativos da crença na meritocracia, sendo esta, aliás, o tema do mais recente livro de Michael Sandel (The Tyranny of Merit). Mas podem continuar a acreditar que não partimos todos de situações desiguais resultantes de diferentes condições económicas das famílias em que nascemos (que os sistemas de educação, saúde e segurança social não conseguem atenuar como seria desejável), que em sociedades capitalistas onde os brancos constituem a maioria étnica e a burguesia é a classe social dominante basta ser trabalhador e competente para se conseguir ascender socialmente sem que a classe social, a cor da pele, o sexo, a orientação sexual ou a aparência (atente-se nos comentários sobre as rastas de Cláudio Bento França) sejam barreiras ao sucesso, e, por último, podem também continuar a adoptar o pensamento mágico de que todas as pessoas em posições profissionais e políticas destacadas estão lá por mérito e devido à sua competência – as últimas duas décadas demonstraram à saciedade a imensa competência de tantos políticos, CEO’s e banqueiros portugueses. Ou seja, podem continuar a viver no vosso domínio ontológico privado e a achar que o mundo é o vosso umbigo, mas não esperem que a realidade social se conforme aos vossos simplismos intelectuais.
3 - “Lá está a esquerda a abanar a bandeira do racismo outra vez quando Portugal não é um país racista, o que se comprova, entre outras coisas, por este caso, como por outros congéneres e até por termos um Primeiro-Ministro de ascendência goesa”. Em primeiro lugar, se aceitarmos este argumento, em que a selecção de um reduzido número de casos individuais (cherry picking, falácia de atenção selectiva) aparentemente valida uma tese (“Portugal não é um país racista”), então, a contrario, teremos de aceitar igualmente a selecção de outros casos, como Marega em Guimarães ou os assassinatos de Alcindo Monteiro e Bruno Candé, para confirmar a tese contrária (“Portugal é um país racista”). Como é óbvio, ambas as teses não podem estar certas, o que indicia a presença de vícios de raciocínio impeditivos de uma discussão racional. Ora, para começarmos a vislumbrar alguma racionalidade nesta discussão, importa desde logo questionar o que se entende por “Portugal”, se é o Estado-aparelho de poder, se é o Estado-comunidade. Com efeito, o Estado-aparelho de poder não prossegue políticas públicas racistas - pelo contrário. Já o Estado-comunidade - a sociedade portuguesa - é composto por indivíduos (e estes, por sua vez, compõem e moldam instituições e estruturas sociais formais e não-formais) com os mais diversos preconceitos racistas e outros que não têm quaisquer preconceitos. Portanto, o Estado-aparelho de poder não é racista, mas na sociedade portuguesa encontramos tanto indivíduos racistas como não-racistas. A discussão tem sido feita em termos maniqueístas e absolutos, i.e., de forma errada, porque a esmagadora maioria das pessoas não compreende que a realidade social é muito mais complexa que a sua mundividência e porque os actores políticos de ambos os lados têm interesse em alimentá-la naqueles termos para poderem dela retirar ganhos políticos.
Por último, permitam-me ainda sublinhar que se a direita persistir em deixar a esquerda reclamar como suas causas que deveriam ser transversais, ou seja, se deixar o combate às desigualdades económicas e sociais para a esquerda e continuar mais preocupada com certos espantalhos e os interesses de classes sociais privilegiadas, estará a condenar-se a uma ainda mais prolongada irrelevância política - leia-se, a não governar.
O texto de um médico chamado Gustavo Carona, publicado no jornal Público circula nas redes sociais como uma espécie de grito de alerta contra «as campanhas de desinformação, conspiração e negação» em tempo de pandemia. O artigo, intitulado, «Resistam à estupidez» é uma espécie de puxão de orelhas a quem se atreva a questionar a gravidade da situação.
Em tom paternalista diz-nos que «quando a vontade é muita, somos capazes de acreditar nas coisas mais estúpidas e inverosímeis». Tem razão. E tem-na de tal forma que, no início de 2020 havia médicos como o Dr. Gustavo Carona que acreditavam em coisas estúpidas como o facto de um vírus já conhecido e potencialmente perigoso como o que fazia tremer a China, 1.º nunca chegaria à Europa, 2.º se chegasse seria inofensivo, 3.º tendo chegado, não seria preciso máscara, etc., etc, de coisa estúpida e inverosímil, em coisa estúpida e inverosímil até hoje!
O Dr. Gustavo Carona, que administra uma página de facebook intitulada Gustavo Carona - Humanitarian Doctor, onde promove abundantemente o seu humanitarismo, rebate em cinco pontos (1.“A ciência aos cientistas”, 2.“Morrem mais pessoas de cancro!” 2“Dinheiro e Felicidade” 3“Avante, Fátima, Futebol e 4. Discotecas” 5. “Numerologistas”) a trupe de estúpidos que circula pelas redes sociais, semeando discórdia e falsos rumores, coisa que parece dever-se única a exclusivamente a gente mal informada ou sem formação.
Qualquer dos pontos é difícil de rebater, mas é sobretudo difícil passar do primeiro, que inicia assim:
«Eu não imagino que alguém se levante do seu lugar num avião a passar por uma tempestade e tente tirar os pilotos do cockpit: “Sai daí! Eu é que sei aterrar este AirBus 380 no meio desta tempestade”. É isto que estamos a presenciar. Doutorados em patetices a dizer que sabem mais do que toda a comunidade científica.»
Suspeito que a maior parte dos cientistas também não saberá pilotar um avião nem, portanto, arrogar-se a isso em pleno voo. Mas duvido que a comunidade científica, à frente da qual fala o Dr. Carona, se pronuncie a uma só voz na questão da pandemia. E mantendo a alegoria do avião, pressinto que se a pandemia fosse um boeing 747 que exigisse uma aterragem segura, dependendo da tal comunidade científica a esta altura não só o avião já teria caído, como certamente teria destroçado uma cidade bastante populosa, causando o maior número de vítimas possível, tal a evolução da pandemia.
O avanço deste vírus trouxe ao de cima o melhor e o pior da humanidade face a uma situação destas: há os que, se não morrerem da doença, morrem de medo; os ignorantes para quem o perigo não existe; e os que pura e simplesmente tiram partido do momento.
Os primeiros persignam-se, barricam-se, sofrem os horrores dos números de mortos e infectados que a comunicação social, com um prazer diabólico, debita todos os dias.
Os segundos vociferam contra a Nova Ordem Mundial, o Club Bilderberg, os Illuminatti e outras quejandas parvoíces com que Hollywood os alimenta. Uns não acreditam, são os tais «negacionistas», outros acusam poderes invisíveis e outros, ainda, acham que é um plano maquiavélico e à vista de todos para controlar a humanidade pela vacina que virá.
Entre os terceiros há os que acham que o Mundo está a purificar-se, outros que o confinamento foi uma época deliciosa de leitura, música, artes e culinária e ainda outros que acreditam que vai ficar tudo bem.
Nesta ausência de serenidade e equilíbrio é muito difícil ser-se sério ou objectivo. É muito difícil comparar este vírus com outros, pesando o seu verdadeiro perigo para a saúde pública em geral; é muito difícil acreditar em mensagens fiáveis, seguras, definitivas quando tantas antes delas, transmitidas pela comunidade científica foram o seu oposto; é muito difícil contribuir para um discussão ampla, aberta e franca, quando há tanto ruído.
Estamos todos no mesmo barco, esta é uma verdade, médicos e não médicos, cientistas e não cientistas. Não há lugar para teorias da conspiração, que o bom senso desconstrói facilmente com a imagem de um mundo paralisado há vários meses – qualquer conspiração perderia o controlo sobre este cenário.
Mas se, felizmente, deixámos para trás um tempo em que a superstição, o misticismo, a idolatria e o pietismo controlavam as mentes, não podemos achar bem que os sacerdotes de outrora, guardadores dos mistérios da religião, sejam substituídos pelos cientistas e pelo cientificismo.
Tudo pode ser questionado. Tudo deve ser questionado e escrutinado. Mais ainda a Ciência a quem a Humanidade deve a sua sobrevivência e o seu progresso, preciosos bens que várias vezes alguns os mesmos cientistas lhe roubaram. O Dr. Gustavo Carona diz que a ciência é para os cientistas e eu fico, em parte satisfeito com este aviso, pois há anos que me vejo confrontado pela apropriação do meu campo científico de investigação – a História- por não cientistas ou até mesmo por colegas de profissão do Dr. Carona.
Mas a arrogância da expressão não contribui para acalmar o tempo de crispação que se vive. Nem isso, nem o bloqueio nas redes sociais método que alguns colegas do Dr. Carona usam amiúde para silenciar opiniões divergentes. Também não será a atribuir rótulos como “negacionista” ou “fascista” que alguém fará valer o seu ponto de vista. Pelo menos dignamente. E nem sequer é preciso invocar a ética ou deontologia que tem andado arredada da boca e da escrita de muitos médicos .
Sem tolerância ou paciência creio que a Ciência só produzirá ignorantes sábios.
"Lançamento do livro "Quando o Povo quiser", uma antologia de textos monárquicos comemorativa dos 10 anos do Correio Real, que será apresentado pelo poeta e ensaísta Pedro Mexia e com a presença de Suas Altezas Reais os Duques de Bragança.
"Organizado por João Távora e editado por Vasco Rosa, "Quando o Povo quiser" inclui um prefácio de Nuno Pombo, um posfácio de S.A.R. o Senhor Dom Duarte de Bragança, e textos de António de Souza-Cardoso, Augusto Ferreira do Amaral, Carlos Bobone, Diogo Tomás, Francisco Teles da Gama, João Mattos e Silva, João Távora, João Vacas, Joaquim Costa e Nora, Jorge Leão, José Adelino Maltez, José Manuel Quintas, Leonor Martins de Carvalho, Luís Barata, Manuel Braga da Cruz, Miguel Castelo-Branco, Nuno Miguel Guedes, Nuno Castelo-Branco, Nuno Pombo, Nuno Resende, Paulo Cunha Porto, Paulo Teixeira Pinto, Pe. Pedro Quintela, Samuel de Paiva Pires, Teresa Côrte-Real, Teresa Maria Martins de Carvalho, Vasco Rosa e Dom Vasco Teles da Gama.
"O livro estará à venda no local pelo preço de 20,00€.
"O Centro Cultural de Santa Joana Princesa tem lotação para 300 pessoas sentadas: o distanciamento físico será garantido e serão observadas todas as normas sanitárias em vigor."
Mais informações no site da Real Associação de Lisboa e no Facebook.
A proposito da polémica sobre a Educação para a Cidadania, hoje escrevo no Observador sobre a crise que grassa na direita:
"Basta olhar para o programa da mencionada disciplina, como fizeram Pedro Mexia e João Miguel Tavares no Governo Sombra de 5 de Setembro, ou atentar no que escreveu Paulo Guinote no Público, para perceber que esta direita incorreu pela enésima vez na falácia do espantalho, facilmente explicada pela eterna obsessão com a igualdade de género, a sexualidade e o marxismo cultural, misturada com muita prosápia em torno de chavões como a liberdade de escolha e a doutrinação ideológica.
(...).
"Enquanto esta direita for incapaz de se organizar, de se consagrar como oposição efectiva e de apresentar um projecto político mobilizador que atenda às prioridades do país, continuará a infligir a si própria a menorização política a que temos assistido nos últimos anos em face de um PS cuja linha dominante não acolhe a inversão a que acima aludi e que, quando no governo, bem ou mal, vai procurando responder aos anseios concretos da maioria dos portugueses. Enquanto não conseguir sacudir-se de espantalhos, continuará uma penosa travessia do deserto."