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A realidade da pandemia mostrou dissensões que, em tempos de catástrofe, afloram mais rapidamente. Posto à prova, o Homem torna-se rato ou leão, com respeito para a diversidade do reino animal, sem distinções que hoje possam suscitar acusações de xenofobia ou, neste caso, “animalofobia”.
Tais dissensões levaram à formação de posições, naturalmente extremadas, e devidamente baptizadas pela vox populi: os covideiros, grosso modo os hipocondríacos e, do outro lado os negacionistas, todo aquele que nega, se opõe ou desvaloriza a pandemia de sars-cov-2.
Mas, muito embora, a designação negacionista tenha sido aproveitada do termo que designa os que recusavam a acreditar no Holocausto, a expressão é diferente quando aplicada no presente por ser mais heterógena do que quando aplicada a alguém que nega a História. Uma coisa é negar o que não vemos, aquilo do qual nos afastamos no tempo, outra é negar a evidência do que vemos e vivemos. Há gente a morrer à nossa volta e existimos (a palavra é esta, não vivemos, nem sobrevivemos, existimos, apenas) num tempo de suspensão de liberdades individuais que, dizem-nos, se justifica como principal estratégia sanitária.
Mas há ainda outro tipo de negacionistas: os que vivem em negação, os que acham que vai ficar tudo bem, os que consideram que o vírus desaparecerá (como se algum vírus, algum dia, alguma vez tivesse desaparecido) e os que acreditam verdadeiramente que daqui a 2, 3 ou 10 anos, o mundo voltará ao normal anterior. Não é por nada que se utiliza já, e bem quanto a mim, a expressão “novo normal”. O novo normal é a normalização do controlo das massas, a higienização do pensamento individual e o recuo em relação a modos de vida anteriores a 2020, nomeadamente o turismo, os grandes eventos.
A Globalização sofre agora um rude golpe: parece não estar a sucumbir à mão de políticas proteccionistas, mas perante estratégias higienistas seculares de quarentena, confinamento e guetização. Voltamos ao longínquo ano de 1021.
A convite de Luis Francisco Sousa, estive à conversa com Riccardo Marchi sobre o Chega e André Ventura para o podcast Jota a Jota. Podem ouvir no formato podcast ou assistir ao vídeo que aqui fica.
Parte do PSD e do CDS está mentalmente presa em 2015. O PCP, em 1975. A IL ainda está entre 1944 e 1945, quando Friedrich Hayek publicou O Caminho para a Servidão e Karl Popper deu à estampa A Sociedade Aberta e os Seus Inimigos. Bastaria avançarem até 1960 para, a respeito do comunismo, encontrarem o mesmo Hayek, em The Constitution of Liberty, 30 anos antes do término da Guerra Fria, a afirmar o seguinte: “If, fifteen years ago, doctrinaire socialism appeared as the main danger to liberty, today it would be tilting at windmills to direct one's argument against it.”
É certo que, a Portugal, muitos acontecimentos e movimentos políticos e ideológicos chegam sempre com algum atraso. Mas já era tempo de os liberais perceberem que a Guerra Fria acabou há 30 anos e que o maior sinal da vitória do liberalismo é aquilo a que Michael Doyle chama “zona de paz liberal” - uma actualização da teoria da paz democrática elaborada a partir de Kant -, uma área composta por cerca de 100 países onde o jogo político se faz num campo estabelecido pelo liberalismo, implementado em vagas sucessivas desde as Revoluções Atlânticas, apoiado e gerido no pós-II Guerra Mundial pelos que anteriormente criticavam o liberalismo (democratas cristãos e social-democratas) e que é a sua maior dádiva à humanidade: o regime político da democracia liberal.
Claro que a insurgência dos liberais portugueses contra a comemoração do 100.º aniversário do PCP se percebe facilmente, não só pelo supramencionado, mas também porque incorrem em dois erros do liberalismo assinalados por conservadores e comunitaristas, segundo William M. Curtis: o ahistoricism e a abstracção racionalista míope, i.e., a formulação racionalista e abstracta de esquemas de direitos e de teorias da justiça desligados das experiências morais e políticas dos indivíduos, que “são condicionadas e enraizadas nas tradições normativas historicamente desenvolvidas da nossa comunidade política”; e as pretensões universalistas, ignorando os particularismos de cada sociedade e pretendendo aplicar um padrão de direitos e uma concepção de justiça a todas as sociedades independentemente das suas particularidades históricas.
Por outras palavras, o PCP não é o Partido Comunista da União Soviética e a História de Portugal também não é a História da União Soviética ou da China maoista. O mesmo não é dizer que o PCP e o comunismo em Portugal, com episódios execráveis, odiosos e trágicos como o PREC e as FP25 são imunes a críticas - muito longe disso. Mas a IL, ao fazer constantemente do PCP e do BE os seus principais adversários, está não só a condenar-se a não ultrapassar a mesma relevância política destes, como a demonstrar que não percebe a importância de, num país com a nossa história de violência política - os brandos costumes não passam de um mito salazarento -, os comunistas respeitarem as regras do jogo demoliberal. Nada de novo, porém, num país onde a indigência intelectual é a imagem de marca do debate político.
O Partido Comunista Português, fundado em 1921, é um dos pilares essenciais para a construção da democracia em Portugal. Ninguém o pode negar. Foi fundamental para opor-se à ditadura e ao Estado Novo e, depois de 25 de Abril de 1974, tornou-se uma das forças essenciais para regular o equílibrio da democracia embora cedendo à vertigem do poder absoluto, característica genética da sua filosofia.
Posto isto, 100 anos depois da sua fundação ainda que o PCP mostre a decrepitude do seu conservadorismo, partido plenamente instalado no sistema e ainda há pouco tempo parte dele através da Geringonça, cada vez mais brando na sua forma de faz oposição, sobrevive. É natural. Cem anos pesam na mobilidade de qualquer um e das muletas já passou à cadeira de rodas. Não obstante querer trazer sangue novo com o recente candidato apresentado à presidência da república - vontade de mostrar sangue novo em corpo velho - tem vindo a ser punido pelo eleitorado, mesmo o mais fiel, como se viu pelos resultados das recentes eleições.
No entanto, num ano já cumprido de plena pandemia, não deixou de se fazer ouvir, lutando contra os embargos aleatórios que suspenderam a democracia e silenciaram os oponentes ao novo situacionismo. O Primeiro de Maio de 2020 cumpriu-se, assim como a Festa do Avante. Nem a Igreja Católica, com milénios de intervenção directa nas consciências dos indivíduos, levou a melhor frente ao vírus e aos estados de emergência, aceitando a asseptização social e deixando-se vencer pelo cientismo instalado.
Perante o vírus, mais do que nunca, é certo que deus morreu. O PCP, embora esteja moribundo, não.
E por isso, os parabéns que lhe dirijo e as celebrações que animam as ruas (ainda que semidesertas das nossas principais cidades) são mais do que merecidos.