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Espanha: o Rei errou

por Nuno Castelo-Branco, em 17.04.12

Sem sequer recorrermos às elaboradas teses velhas de séculos que consolidaram ou pelo contrário procuraram minar o poder real, parece-nos certo atalhar e colocar como padrão esta verdade insuspeita e indesmentível: o edifício monárquico do Estado é o mais justo, mais estável e aquele que propicia a melhor harmonia social.

 

O Rei João Carlos I cometeu um erro crasso, dando o gosto ao dedo no gatilho. Desde sempre a caça me pareceu uma coisa detestável e ainda criança, vivendo no paraíso cinegético que era Moçambique, sempre me recusei a esse tipo de "cretinismo escopeteiro". No caso em questão, um disparate imperdoável, uma indecência, mesmo que esta caçada tenha respeitado a legalidade e o excesso da população de elefantes na zona. O Rei não deve fazê-lo. É tão simples quanto isto.

 

Em Espanha existem mais de 3.000.000 de caçadores com licença, entre os quais, infelizmente está o próprio monarca. Embora tal apetite pretensamente desportivo seja para mim uma incógnita, há que reconhecer a sua existência. Se por cá temos republicana gente que parte para carabineiros safaris ou dispendiosíssimas jagatinas de golfe intra e extra fronteiras, tais notícias não passam de curiosidades para cinco minutos de charla. Pois em Espanha a coisa parece ser diferente. Conhecendo-se a situação periclitante da unidade do próprio Estado, há quem procure tirar dividendos de uma desastrada opção lúdica do monarca. Consistiu num inexplicável erro, é verdade, e tratando-se de reis, este tipo de atitudes são escrutinadas da forma impiedosa que se sabe. Qualquer Presidente pode caçar livremente, ter férias por conta de escroques da finança internacional, "vencer eleições" através de fraudes, ser ostensivamente subornado por um qualquer potentado centro-africano, mandar liquidar gente do Greenpeace a bordo do Rainbow Warrior, escutar adversários, criar redes de tráfico de influências, traficar diamantes e marfins de forma impune ou até ir amealhando acções, propriedades fora do registo público e outros malabarismos que a sua posição pública - ou melhor, política - lhe permite.

 

Aos reis, tudo isto está muito justamente vedado. Os monárquicos devem ser e são exigentes.

 

Na longa noite da Tejerada, D. João Carlos obrigou o então garoto D. Filipe a permanecer acordado, assistindo ao desenvolvimento da situação explosiva que o golpe criara no novel regime espanhol. Mais ainda, declarou tê-lo advertido quanto à "profissão real", ..."necessário sendo construí-la dia a dia, incessante e perseverantemente". Aproximando-se dos oitenta anos, o homem que ainda há pouco tempo colocou no seu devido lugar o grotesco chefão de Caracas, parece ter-se esquecido de si próprio, partindo para um safari em terras quentes e ricas em grassa grossa. Fisicamente decaído, surge esgotado e não será difícil compreender o quão trabalhoso é o cargo que ocupa, mesmo descontando o longo período de expectativa e criação das condições que o guindariam ao trono e por sua mão, a Espanha à democracia plena.

 

Uma breve leitura das caixas de comentários nos principais periódicos espanhóis, apenas nos confirmarão muitos dos alegados preconceitos que normalmente são atribuídos aos nossos vizinhos: gente pouco curiosa pelo outro, ensimesmada, fanática por qualquer fait-divers, sanguinolentamente reactiva a qualquer minudência, por muito inconsequente que esta possa ser. É este, o caso. Em suma, bramem pelos oito milhões anuais gastos com a Casa Real - o cerne de todos os discursos é este - , desconhecendo totalmente o que se passa no seu arruinado "vizinho ibérico" e nem sequer sonhando com o elíseo regabofe parisiense. Pior ainda, mergulhados no seu castelhano-centrismo, olvidam o que significa uma república em Espanha, ou seja, a própria extinção desta denominação como uma entidade política no concerto dos Estados. 

 

A Espanha está sob cerrado ataque. Cerrado ataque por parte da mafiosa plutocracia que se faz sentir na questão da dívida soberana e principalmente, cerrado ataque àquilo que neste momento mais deveria preocupar todos os espanhóis: as suas empresas, precisamente esses bem conhecidos polos de criação de riqueza que o regime da Monarquia Parlamentar conseguiu firmar em todo o mundo. Uma patética aventureira de marcantes características caudilhistas, num daqueles enxertos fascisto-leninistas, resolveu-se a uma golpada que precisamente há trinta anos, seria de outra forma tentada pelo seu antecessor Leopoldo Galtieri. Esta expropriação da YPF/Repsol, além de esconder o claro interesse privado da famiglia Eskenazi no assunto, subverte todas as regras do Direito. A um anúncio de expropriação precipitado pela descoberta de novas jazidas petrolíferas, seguiu-se um inopinado e vergonhoso ataque, ocupação da sede e expulsão dos gestores da Repsol e mais ainda, a ameaça de continuação do processo de extorsão, apontando-se o Santander, a Mapfre e a Telefónica como próximos alvos.

 

Entretanto e em Madrid, a dúzia e meia de tricoloridos "demócratas porque nada", insiste em questões próprias do revistismo cor-de-rosa.

 

O Rei errou. Pois sim, e daí?

publicado às 21:00


1 comentário

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De Wanderson a 18.04.2012 às 02:13

 Presidentes matam o próprio povo directa e indirectamente, roubam o próprio povo quando não o fazem de maneita directa, isto é, a omissão; fazem o diabo com a própria nação e mesmo assim ainda há pessoas que se prezam gosto á este masoquismo, os aplaudem ou não fazem nada para mudar! Pobre do Rei, a cobrança é muito maior á monarquia do que a república, esta sim representa a pior e mais insolente aristocracia e todos já estão acostumados à ela, como se a verdade suprema fosse escolhida por maioria de votos!

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