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A ex-ministra da saúde do governo de José Sócrates, agora ex-provedora da Santa Casa da Misericórdia, a médica Ana Jorge, é apenas mais uma de uma longa lista de personalidades embrenhadas em teias de interesses bastante opacas. A também ex-enfermeira pediátrica simplesmente não detém, nem nunca deteve, as ferramentas e o know-how adequados para realizar cirurgias financeiras capazes de extrair de comas profundos instituições como a santa caixa de dinheiros questionáveis. Uma enfermeira não pode ser tida como responsável por processos de internacionalização decididos por governos. E é aqui que reside uma parte da patologia política. A dermatite da gestão da instituição afinal corresponde a um diagnóstico errado. Lidamos com um cancro, como tantos outros, sem cura assegurada. Os sintomas, embora não revelem corrupção activa ou passiva, ou de outro teor (por enquanto), definem um quadro de prognóstico reservado à rudeza da forma como Ana Jorge afirma ter sido exonerada mas que, em abono da verdade, correspondem a uma patologia degradante de desfalque continuado de Portugal. A auditoria forense remetida para o Ministério Público parece ter falhado redondamente. Não foi capaz de identificar procedimentos alegadamente questionáveis e fatais para a saúde da instituição. A decisão de exonerar deve ser declaradamente política por manifesta incompetência da ex-provedora. O Partido Socialista, ao seu bom estilo, a saber destas maleitas, deixou para os sucessores, que agora governam, mais um presente envenenado. Mas pelos vistos a coisa não fica por aqui. Pelo que sabemos, a Segurança Social e as pensões dos reformados também fazem parte da mesma carambola de enganos e decepções. Embora não haja uma ligação directa entre os dois casos, identificamos um património comum de intenções que fere ainda mais os portugueses. Agora perguntem novamente: quem foi rude com quem? Quanto às calúnias e as "sobrancelhas", deixemo-las para outras sortes. Em todo o caso, as exonerações e as nomeações fazem parte da lotaria clássica que gira na tômbola dos interesses partidários. Pelos vistos, o governo anterior nada viu e nada escutou. Sexta-feira anda à roda...
Passam hoje 50 anos sobre o 25 de Abril e 1 sobre a morte do meu avô, Carlos Armando de Paiva Rodrigues.
Muito poderia escrever sobre a história da vida do meu avô, que desde cedo foi pautada por difíceis provações e árduas lições que fizeram dele um grande homem. Tudo o que conseguisse reduzir a escrito, porém, não só não faria justiça à sua magnanimidade e nobreza de carácter, como desonraria a sua maneira de ser caracterizada pela reserva e discrição.
Limito-me, assim, volvido um ano sobre a sua morte, a reflectir sobre a sua importância e influência na minha própria vida. Todos os defeitos que possuo são inteiramente meus, mas o melhor de mim vem do meu avô. Tal como Marco Aurélio, também eu “Aprendi com o meu avô o carácter e a rectidão” e tive, aliás, a honra e o privilégio de com ele aprender muito mais.
Foi o meu avô quem fomentou em mim, desde muito cedo, o gosto pela leitura e o interesse pela política. Foi ele quem me iniciou na reflexão filosófica à maneira de Aristóteles, de forma peripatética, nos nossos muitos passeios em que me ensinou praticando um método dialéctico e conversacional que fácil e rapidamente atravessava vários assuntos, obrigando-me a pensar afincadamente para poder avançar como seu discípulo. Com o meu avô aprendi a distinguir os homens bons dos maus e compreendi que ser bom é ser justo, tendo o meu sentido de justiça sido gerado directamente pelo dele. Ao vê-lo lutar contra as injustiças que cometeram contra ele, compreendi as implicações práticas da afirmação de Albert Camus, em O Homem Revoltado, de que “É melhor morrer de pé do que viver de joelhos”. Devo o que sou hoje, também, à ética de trabalho de que ele sempre foi um exemplo ímpar.
Foram tantas as conversas que tivemos acerca dos mais diversos temas, que, para além de meu avô, foi o meu melhor amigo e o meu primeiro e principal mestre. Porque como também escreveu Marco Aurélio, “O aperfeiçoamento da leitura e da escrita requerem um mestre. A vida requere-o mais.” E o meu avô foi o melhor mestre que poderia ter tido.
Uma das suas mais importantes lições, transmitida ao longo de décadas, foi a respeito da morte. Ouvi-lhe frequentemente a expressão “Até amanhã, se a Providência deixar” e habituei-me a ouvi-lo ecoar a sabedoria dos clássicos gregos e romanos sobre esta questão. Praticou, no fundo, os ensinamentos de Montaigne em “Que filosofar é aprender a morrer”: “É incerto onde a morte nos espera; vamos esperá-la em todos os lugares. A premeditação da morte é a premeditação da liberdade. Quem aprendeu a morrer desaprendeu a ser escravo. Saber morrer liberta-nos de toda a sujeição e constrangimento. Não há nada de mal na vida para o homem que compreendeu bem o facto de que ser privado da vida não é um mal.”
Ao longo dos anos, ouvi-o falar recorrentemente deste tema com a naturalidade e serenidade que apenas está reservada aos grandes homens. Grandeza esta que ficou patente na hora da partida, após várias semanas de uma luta estoica que foi a maior carta de amor que o meu avô me escreveu e à Ana, a quem generosa e carinhosamente tratava por neta. Quatro dias após ter estado presente no nosso casamento, quis a Providência levá-lo na madrugada do dia 25 de Abril de 2023, em Santarém, precisamente a cidade de onde saiu a coluna de Salgueiro Maia pela qual o meu avô passou às primeiras horas da manhã do dia 25 de Abril de 1974, na Baixa de Lisboa.
Deixar-nos no Dia da Liberdade foi o último acto poético de um homem livre, bom e justo, que viveu como pensava, casando a honra com a inteligência e a justiça com a integridade, praticando o bem e evitando o mal.
Em todos os dias 25 de Abril, o meu avô saia à rua com o cravo na lapela. Hoje, por ele, pela democracia e pela liberdade, lá estarei a fazer o mesmo, na Avenida da Liberdade.
Oriental-rural
Pedro Nuno Santos foi afastado da Champions League nas derradeiras legislativas. Depois dessa derrota estrondosa, aposta tudo na Liga Europa — o campeonato onde caem os coxos e os mancos. O Partido Socialista (PS) lança a extremo Marta Temido, como a grande surpresa da convocatória para encabeçar a lista partidária às eleições europeias. Ana Catarina Mendes, Fernando Medina, Francisco Assis, que não têm onde cair mortos, também devem seguir no mesmo tacho sem fundo. António Vitorino parece que não quer molhar o bico da sua estatura de alto-comissário no pântano da União Europeia, ou seja, nem se vislumbra sequer no banco de putativos titulares. Mas regressemos à Temido que, convém lembrar, também foi aliciada para a presidência da Câmara Municipal de Lisboa. Esta réplica de candidatura, a repetição do mesmo prato, espelha algo sintomático: não há sangue novo que valha no PS. Mas o PS está de peito inchado e orgulho ferido — quer à força toda e com raiva revanchista ganhar as eleições europeias. Por outras palavras, para os socialistas, estas eleições são as mais importantes do mundo até deixarem de ser. Ou seja, até sofrerem outro percalço. E tomem nota, os partidos do bloco centrão, desconsideram outros players — o Chega ou a Iniciativa Liberal: mais uma gaffe. A nossa sorte é que essa viagem para a Europa é de ida apenas. Deixaremos de escutar as suas indagações aqui no burgo, para ter a garantia que as suas ideias têm poucas pernas para andar lá no Parlamento Europeu. Quanto a Costa, nem uma palavra. Parece um tabu. Mas não é. O homem está na pós-graduação até abrir o mercado de transferências dos comissários europeus. Acabo abruptamente este post como uma pergunta para um milhão de dólares — qual o escalão de IRS em que se inscrevem os parlamentares que forem eleitos nas europeias?
"As iras do IRS" deveria ser o título do filme que decorre em sessão contínua na Assembleia da República. Os portugueses assistem sem surpresa ao diz que disse, ao diz que fez, ao faz o que não fez ou ao fez o que não disse que ia fazer. Mas tomem nota: o novo governo ainda nada fez. Mas há quem tenha feito. E está ali, à vista de todos, a estrebuchar — a Alexandra Leitão. Ou refundido, quase na galeria do público — Fernando Medina. A ira do Partido Socialista (PS) é de tal ordem expressiva que não consegue dissimular que não sabe viver sem (o) poder. Os camaradas foram mimados pelos portugueses em demasia e por um período excessivamente extenso. O PS deve aprender, de um modo célere, o desmame da governação. O governo agora em funções tem de lidar com um monstro bicéfalo. A realidade económica e social do país e, simultaneamente, com o PS. Por outras palavras, nunca terá a aprovação do PS, do BE, da CDU, do Livre ou do PAN. A descida de impostos sobre o trabalho, que tenha impacto efectivo na vida dos portugueses, não se atinge no mês inaugural do governo. Se a Aliança Democrática (AD) tivesse prometido gastar as balas todas num choque fiscal demolidor estaria a cumprir a ficção demagógica. Não o fez, como ficou patente. É plausível que se comece por um alívio maior no IRC — sem malha empregadora reinvigorada e geradora de riqueza não se fazem farturas. Mas o PS sempre fez tudo ao inverso. Procurou sempre comprar os portugueses por via do grosso da sua falange de apoiantes — os funcionários públicos. Mas nem isso foi capaz de realizar, deixando na beira da estrada, professores, polícias e profissionais do sector da saúde. O exercício de oposição que o PS realiza é uma campanha de demolição, de destruição, de bombardeamento de qualquer plantação do novo governo, sem que refira o legado que deixou a quem agora governa — um governo que não concebeu uma coligação conveniente, uma maioria absoluta com o Chega, que serviria para silenciar os socialistas. Mas não o fez. Montenegro manteve aberto o microfone dos adversários que não merecem sequer a designação de oposição.
Agora que a poeira assentou, aqui ficam algumas considerações acerca da polémica em torno da publicação do livro Identidade e Família:
1 – Comungando a totalidade dos autores do livro da doutrina católica, destacam-se alguns deles por o seu pensamento político ser classificado pelos próprios e por terceiros como “conservador”, casos de Paulo Otero, João César das Neves, Jaime Nogueira Pinto e Gonçalo Portocarrero de Almada.
2 – Sendo certo que existem duas grandes correntes do conservadorismo - teoria política cujo berço (e local onde foi mais desenvolvida) é a Grã-Bretanha -, uma com um substrato religioso e outra de teor secular, no nosso país, o conservadorismo tem revolvido, ao longo das últimas décadas, em torno da doutrina social da Igreja Católica, da democracia cristã e de temas como o saudosismo do Estado Novo, a crítica ao 25 de Abril de 1974 e a oposição ao liberalismo e ao socialismo nas suas várias declinações, que se reflecte, por exemplo, na oposição à interrupção voluntária da gravidez, ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, à co-adopção por estas e à eutanásia. Fundamentalmente, estamos em presença de um conservadorismo católico.
3 – É completamente estranho ao pensamento de vários conservadores portugueses o pensamento de autores como David Hume, Edmund Burke ou Michael Oakeshott. Sinteticamente, estes últimos dão voz a um conservadorismo que aceita a mudança contanto que seja resultante da evolução orgânica da sociedade, gradual e reformista, não revolucionária, total e ideologicamente guiada. Para esta corrente, que alguns classificam como sendo um conservadorismo liberal, a mudança deve ainda resultar de necessidades concretas e não de princípios abstractos alcançados por uma razão dedutiva e apriorística, i.e., pelo que Oakeshott, Popper ou Hayek classificaram como racionalismo dogmático ou construtivista. Por outras palavras, é uma teoria política herdeira das Revoluções Inglesa e Americana e crítica da Revolução Francesa, sendo ainda hoje o substrato ideológico do Partido Conservador do Reino Unido.
4 – Esta corrente, como explica Oakeshott, não implica necessariamente quaisquer crenças religiosas, morais ou de outros domínios “acerca do universo, do mundo em geral ou da conduta humana em geral.” O que está implícito na disposição conservadora em política são “determinadas crenças acerca da actividade governativa e dos instrumentos do governo”, que nada “têm a ver com uma lei natural ou uma ordem providencial, nada têm a ver com a moral ou a religião; é a observação da nossa actual forma de viver combinada com a crença (que do nosso ponto de vista pode ser considerada apenas como uma hipótese) que governar é uma actividade específica e limitada, nomeadamente a provisão e a custódia de regras gerais de conduta, que são entendidas não como planos para impor actividades substantivas, mas como instrumentos que permitem às pessoas prosseguir as actividades que escolham com o mínimo de frustração, e portanto sobre a qual é adequado ser conservador”.
5 – O pensamento plasmado nos artigos de alguns dos autores do mencionado livro, por seu lado, assenta em crenças religiosas e morais e visa restaurar uma determinada concepção de sociedade reminiscente do Estado Novo. Pretende repudiar regras de conduta gerais e abstractas desenvolvidas através da evolução cultural da sociedade portuguesa que têm a liberdade individual e a possibilidade de escolha no seu cerne e substituí-las por uma visão ancorada numa doutrina e crença religiosa que prescreve condutas específicas e substantivas e não é partilhada por todos os cidadãos. Tem como objectivo substituir uma perspectiva liberal e pluralista de sociedade, em que não existe uma verdade única e é deixada aos indivíduos a capacidade de prosseguirem diversas concepções de vida boa, por uma ortodoxia pública imposta pelo Estado alicerçada numa única definição do que constitui uma vida boa, reduzindo a esfera de liberdade de todos os cidadãos.
6 – A visão de sociedade patente em vários destes artigos implica, consequentemente, uma oposição a mudanças que ocorreram de forma evolucionista e gradual na sociedade portuguesa ao longo de 50 anos, tendo sido possibilitadas pelo 25 de Abril de 1974. Estamos perante um pensamento contra-revolucionário e providencialista – próximo de Joseph de Maistre e Louis de Bonald -, que se reflecte num conservadorismo autoritário que pode e deve ser definido numa única palavra: reaccionário.
7 – Este pensamento reaccionário critica o que classifica como “ideologia de género” partindo da premissa de que o que considera ser a “família natural” é a única concepção legítima de família, dela derivando o conteúdo normativo do que pretende impor autoritariamente a toda a sociedade, sendo todas as outras concepções consideradas desvios patológicos produzidos pela modernidade ou pelo pós-modernismo. Para além de não aceitarem mudanças produzidas pelo curso natural e gradual da evolução social, acreditam que a sua concepção de família é ideologicamente neutra, como se não fosse ela própria uma ideologia de género, uma visão ideológica dos papéis de género e da sexualidade. Talvez falte aos seus cultores capacidade para apreciar esta ironia.
8 – Para finalizar, perdoem-me a deselegância de citar um artigo da minha autoria, escrito a propósito do combate que muitas das figuras desta direita reacionária promoveram à disciplina de Educação para a Cidadania, que, infelizmente, retém actualidade:
Todavia, esta ideia não chega a ser surpreendente, porquanto boa parte da direita, naquilo que vê como um combate cultural gramsciano, acolhe uma inversão entre as matérias onde o primado da comunidade política se impõe e aquelas onde a esfera da liberdade individual deveria tomar preeminência. É uma marca característica desta direita, por um lado, recomendar a liberdade de escolha em áreas como a educação, a saúde e a segurança social com propostas de políticas públicas que serviriam essencialmente os interesses das classes sociais privilegiadas à custa do bem comum, e, por outro, defender a imposição a todos os cidadãos, pela coerção estatal, de uma visão do mundo alicerçada em larga medida na religião católica em matérias eminentemente do foro da liberdade individual e da esfera privada, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a despenalização do aborto e a eutanásia.
Por outras palavras, nuns dias são liberais que acolhem a separação entre sociedade civil e Estado e clamam contra a intromissão deste e da ideologia em domínios em que, por definição, o aparelho político tem de tomar opções políticas e ideológicas, e noutros prosseguem a herança do absolutismo para defender a imposição de uma perspectiva ideológica em matérias em que o Estado se deveria limitar a respeitar o foro privado e a liberdade individual.
Estive ausente uns dias e algumas noites. Não acompanhei em real-time o que se passou no parlamento. Peço perdão pelo lapso. Mas regressei e não fui surpreendido. O parlamento carece de identidade e de um sentimento de família. Os partidos políticos presentes não entenderam o tempo que vivemos — o tempo de urgências e perigos que enfrentamos. Corroboram os nossos maiores receios. Portugal não parece ser a prioridade máxima. Os Portugueses não são elevados à condição de espécie em vias de extinção, à luz do seu risco de sobrevivência económica e social. Mas há mais. Parece que vem aí algo maior do que uma pandemia: uma "externalidade" que exigirá a noção de partido único — o partido de Portugal. Na iminência de uma resposta iraniana a Israel, os lideres de Portugal andam equivocados e melindrados, ocupados com miudezas dos corredores do parlamento. As coisas irão mudar num ápice, e não fará diferença alguma a paixão ideológica ou os lugares ocupados na bancada. A inflação não foi dominada em parte alguma. E muito menos pelo Houdini-Medina da bolsa farta de dinheiros subtraídos aos portugueses. Em vez de estarem dois passos à frente, quem habita o parlamento prefere o vão de escada, o lugar comum da miserabilidade e da vantagem labial. A política em Portugal está ao nível do herpes, da derme manchada por tatuagens deslavadas, fora de moda, que segue em contramão a uma ideia de avanço em direção ao esclarecimento, à convicção de que Portugal saberá ter o discernimento necessário para se salvar. Quando mais precisamos de uma união nacional, somos contemplados com manobras de diversão da parte daqueles que podem escolher. Escolher entre ser oposição destrutiva ou parceiros da única saída possível — o esforço concertado para que Portugal saiba ser igual a si, dando razão a uma ideia de identidade e família.
No programa de governo hoje apresentado anuncia-se a intenção de eliminar o IMT e garantir financiamento a 100% do crédito à habitação para os jovens até aos 35 anos.
Tenho 37 anos, um vínculo laboral precário, e pago, em conjunto com a minha mulher, uma renda de quase 1500 euros num concelho limítrofe de Lisboa, cidade onde trabalhamos. Não beneficiamos de uma rede de suporte familiar em termos financeiros, atravessámos crises económicas sucessivas desde 2008 e temos tentado, na medida do possível, amealhar para adquirir habitação própria, o que se tem tornado verdadeiramente utópico num país com rendas exorbitantes (na região em que trabalhamos), condições de acesso ao crédito restritivas e (mais) um imposto absurdo, o IMT, que se constitui, em conjunto com a exigência de uma entrada de 10% do valor do casa, num enorme obstáculo, especialmente num contexto em que a especulação imobiliária vingou perante a inércia dos governos anteriores, tornando os preços da habitação incomportáveis para milhares de pessoas que se encontram em situação idêntica à nossa.
Impõe-se perguntar: por que raio seremos agora excluídos de uma medida que beneficia os que têm até 35 anos em vez de criar condições equitativas para todos aqueles que necessitam de adquirir uma primeira habitação neste contexto particularmente exigente e desafiante?
Que sentido faz introduzir esta distorção no mercado, privilegiando um segmento etário à custa de outros que estando há anos a lutar para ter uma primeira habitação própria se vêem agora completamente marginalizados pelo governo da AD?
Por que razão somos excluídos de uma medida essencial para as nossas vidas por um critério totalmente arbitrário assente exclusivamente na idade?
Daqui se deduz que, para a AD, todos os que têm mais de 35 anos e se vêem na contingência de pagar rendas exorbitantes e não conseguir adquirir habitação própria servem essencialmente para pagar impostos. Que miséria de país.
Um extraterrestre que aterrasse em Portugal, transportado pela recente poeirada subsariana, julgaria certamente que Pedro Nuno Santos (PNS) era o chefe incontestável da tribo lusitana, o manda-chuva, o chefão — o vencedor das eleições legislativas. A carta é curta, mas é grossa. Exige alguma transliteração. Requer tradução. Ou seja, para quem domine minimamente o idioma socialistês, e tenha um grau de proeficiência ideológico q.b., a coisa torna-se translúcida, fácil. Há abundância da forma condicional — o "se" e mais outro "se" e ainda outro "se". E soa tudo a charada — a chantagem dissimulada por floreados de facilitismos, a generosidade de espírito que encaixa bem na época festiva das liberdades, dos cravos e das revoluções. Pedro Nuno Santos instrumentaliza a Administração Pública como se a mesma fosse um cão amestrado para o circo das vontades socialistas. A negociação prévia é um oximoro-paradoxal — nada significa. As organizações dos trabalhadores há muito que foram organizadas pelos mesmos de sempre. E para demonstrar que o Partido Socialista soube acomodar-se à mudança horária, disponibiliza um cronómetro temporizado aos 60 dias, que quase rima com os 50 anos da invenção democrática, a solução congeminada em exclusivo pelos antepassados de Pedro Nuno Santos. Se o lider da oposição, com "enorme vontade de colaborar", já se manifestara publicamente, esta carta é perfeitamente dispensável. Sugere cabeça de cavalo numa cama ensanguentada da Aliança Democrática. Se eu fosse alguém, passava o tempo todo a olhar por cima do ombro. Se eu fosse o Montenegro, ou o Montecristo...
No ano em que se celebra o 50 aniversário do 25 de Abril de 1974, o Centro de Administração e Políticas Públicas do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas decidiu desenvolver um projecto de investigação "com o objetivo de mapear e descrever, a partir de um nível individual, como os portugueses percebem e compreendem as principais características da democracia".
A equipa responsável é liderada pelos Professores Pedro Fonseca (coordenação geral), Conceição Pequito (coordenação científica) e Manuel Meirinho (coordenação institucional).
São parceiros deste projecto a Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril e o jornal Público.
A sobrevalorização da forma sobre a matéria, do método sobre a teoria, da comunicação sobre a substância, é sintomática de sociedades permeadas pela superficialidade e efemeridade associadas à modernidade líquida. Nesta, com a relevância assumida pela “empresa” e pelo “mercado” em resultado da globalização económica a manifestar-se na forma como a governação política é encarada e exercida, o poder político vê-se na contingência de poder mudar, frequentemente de modo autoritário, sem uma discussão alargada, características identitárias patentes nas formas comunicacionais, como se um Estado ou um Governo fossem uma qualquer empresa privada. Tratando-se de alterações cosméticas a que subjazem disputas estéticas e políticas, não existe, neste ambiente social e cultural, qualquer possibilidade de arbitrar tais contendas por referência a critérios racionais e comunitariamente partilhados, com as preferências a residirem somente em gostos individuais. O que é feito encontra justificação apenas na força, na vontade de quem temporariamente exerce o poder político. Quem vier a seguir pode sempre fazer como quem veio antes, voltando a mudar a identidade visual, que com tantas variações acaba por erodir o seu próprio significado e, consequentemente, a identificação da comunidade política com o Governo. Nesta matéria, os diferentes governos têm-se comportado como um novo conselho de administração que opera um “rebranding” para se distinguir do anterior. Que as elites governantes não se apercebam do processo de desinstitucionalização do poder político associado a tal comportamento, não é surpreendente. Mas nem assim tudo isto deixa de ser lamentável.
Portugal sempre teve uma relação complexa e reacionária com a ideia de património. Leram bem? Não escrevi nem riqueza nem fortuna. Mas não faz mal. Vai dar ao mesmo. Tive a ocasião, mas não necessariamente o gosto, de ler as 6 grandes mudanças no preenchimento do IRS para investidores, e vejo que o terreno das mais-valias está minado. Aliás, terreiro esse que tem vindo a ser armadilhada por sucessivos governos equivocados, de forte inspiração anti-liberal, para não usar a expressão revanchista-marxista. Existe algo na matriz cultural nacional avessa à ideia de sucesso monetário. Vou embirrar apenas com uma das cláusulas do contrato tributário. A tributação de mais-valias obtidas de posições acionistas detidas há menos de um ano que passa de 28% ou 35% para um máximo de 48%. Esta solução, desenhada certamente nos derradeiros oito anos do socialismo-comunista de inspiração geringonçal, é um ataque violento a quem tenha alguns trocos para investir e, que por força do destino, possa ter necessidades de tesouraria e ser forçado a libertar algum capital antes do término do período de um ano. Com tanta conversa sobre start-ups e a excepcionalidade da unicornidade lusitana, há algo que não bate certo. Em ambientes voláteis de venture capital, inovação e criação de valor, seja qual for a sua escala ou dimensão, o movimento de capital é uma constante e uma condição necessária. O entrar e o sair de dinheiro é a espinha dorsal do sistema monetário, o motor que permite que as ideias possam brotar na economia. Existe um programa de televisão da SIC que diz defender o bem fiscal e patrimonial dos portugueses, mas não passa de uma cantiga do regime instalado. Tomei a liberdade de perguntar aos responsáveis do programa Contas-Poupança se tinham certificação da Comissão de Mercado de Valores Mediários (CMVM) para poder aconselhar financeiramente os espectadores, e responderam, sinceramente e honestamente, que não — que a sua missão era salvar os portugueses das teias fiscais em que se vêem embrenhados. De louvar, pensei eu. Mas parei para pensar melhor. Será que são tão insonsos e estão tão comprometidos com os donos disto tudo que não ousam uma vez sequer atacar o esquema gizado pelo aparelho fiscal que assalta descaradamente os portugueses? Dão umas dicas para esquivar o trânsito contributivo, mas falta-lhes muito. Estarem acreditados pela CMVM e deterem o conhecimento necessário para efectivamente ajudar os portugueses a inverter certas tendências comportamentais. Ensinar a investir, a crescer, a ter algo mais no futuro para compensar o descalabro dos sistemas de segurança social e pensões. Incentivar o investimento em veículos concretos, com pouco ou muito, ou assim-assim, para, ao fim de 25 anos verem uma simples aplicação num Exchange Traded Fund (ETF) multiplicar e por muito o valor inicial. Em suma, de um lado temos perseguidores tributários e do outros supostos paladinos do bem-estar fiscal dos portugueses. Ainda bem que não estou autorizado a investir em veículos financeiros em Portugal. Poderia querer mudar de ideias e levava logo com 48% de um punho fiscal nas trombas. Ainda bem que o governo socialista caiu. Mas a Aliança Democrática tem muito trabalho pela frente.
créditos fotográficos não financeiros: John Wolf