Completamente afastado de qualquer círculo dos sucessivos poderes que têm dirigido o país, foi com surpresa ter recebido um convite para na companhia de uma dúzia de bloggers, jantar com o Ministro da Economia.
Uma longa conversa de três horas e a constante colocação de problemas candentes e incómodos, apenas serviram para confirmar aquilo que já sabia. Não estamos a lidar com um “soldado da fortuna” recrutado para preencher o lugar por um determinado tempo e compor fotografias de eventos de circunstância, sejam estes cimeiras à beira Tejo ou visitas a amigáveis empresas. Em suma, este Ministro não precisa do lugar para nada e tendo-me atrevido a deixar a questão da transumância habitual para postos mais rendosos, meio a sério, meio a brincar pronuciei a frase:
- Decerto o senhor Ministro não irá depois para uma qualquer Mota Engil, pois não…?
Chocado e surpreendido – o homem não consegue disfarçar, é genuíno e a expressão facial foi flagrante – A.S.P. de forma sucinta retorquiu, dizendo estar disposto para a qualquer momento regressar às funções que durante tantos anos desempenhou, ou seja, à sua carreira, a “vida habitual” que muita falta fez a tanta gente imprescindível. Num país habituado a depender da acção ou boa vontade do Estado, são incontáveis os exemplos em que este foi capaz de responder às necessidades do momento histórico. Isto é tão verdadeiro como a ainda existência do pinhal de Leiria atesta a iniciativa da Coroa que despoletaria os Descobrimentos, organizaria o trato da Índia, a colonização e organização económica do Brasil e muito mais tarde, as campanhas de ocupação em África. De longe vêm os tempos em que o Estado criava o que hoje designamos de empresas, fossem aquelas as Companhias destinadas a encher a praça de Lisboa com mercadorias preciosas oriundas da Índia, China costa africana e Brasil, ou tão só, as sempre bem presentes obras públicas, entre as quais a reconstrução de Lisboa é o exemplo mais flagrante. Assim, ao terrível mas felizmente ultrapassado transe da guerra nacional pela Restauração, segue-se uma interminável lista de gente sonante que em nome da Coroa, o Estado, decidiu o porvir dos assuntos que noutras paragens normalmente pertenciam a indivíduos ou grupos organizados em iniciativas cujo móbil era o justo, mas por cá ainda negregado, enriquecimento comum. Nomes como o Conde da Ericeira, a série de ministros de D. João V, o período do reformismo josefino que teve em Pombal o expoente máximo e o prosseguimento desta constante política intervencionista mesmo após a Viradeira, sofreram breve interrupção pelos desastres decorrentes dos acontecimentos de 1789-1815 e mesmo assim, no caso português, a intervenção estatal foi decisiva para o arranque daquele Novo Portugal criado além-Atlântico. o Brasil. Em pleno século XIX, as desamortizações, o fim dos morgadios, o assalto e confisco da propriedade da Igreja e a abertura do imenso horizonte propiciado pela revolução Industrial, durante algum tempo criaram a ilusão do alvorecer de uma classe empresarial tão activa e florescente como as que construíam os caminhos de ferro e faziam erguer chaminés fabris Europa fora. Pois no nosso caso e desde cedo, em pleno Fontismo, verificamos o regresso á constante da presença do Estado como o motor determinante para o arranque do desenvolvimento, a preciosa garantia para a chegada de dinheiros emprestados pelas praças financeiras: pontes, estradas, caminhos de ferro, as “novidades científicas” plasmadas em Institutos, as escolas e os portos deste país outrora marítimo, contaram sempre com esse factor interventivo e de tal forma decisivo, que em 1892 Portugal encontrava-se numa posição ironicamente idêntica àquela que hoje vivemos. Mas hoje já não existe Império, aspecto ainda não interiorizado pelos nossos iracundos “progressistas conservadores”.
De tudo isto se falou e o Ministro não se escusou a qualquer pergunta colocada por convivas dispostos, segundo me pareceu, a deixarem opiniões acerca daquilo que verdadeiramente interessa a quem manda, ou seja, a chamada opinião pública. Há que salientar o facto de A.S.P. ter tecido os mais rasgados elogios ao aturado trabalho de uma imensa coorte de funcionários públicos cuja abnegação e serviço ao Estado não podem ser menosprezados. Ficou desde logo assente e sem contestação, um generalizado sentimento de falhas governamentais quanto à comunicação naquele sentido vertical que os portugueses intimamente tão apreciam. A grande quantidade de reformas previstas por parceiros europeus e já aqui realizadas sem que a sociedade delas desse conta devido ao ensurdecedor ruído criado pelo tropel mediático habilmente conduzido por interesses bem identificados, não é fruto de qualquer fixação por um totalmente inexistente – porque impraticável – programa neo-liberal. Trata-se apenas de fazer aquilo que todos sem excepção, sabermos ser impossível de adiamento. Como é evidente, a redução o peso do Estado na despesa e a reformulação dessa mesma despesa evitando abusos, desperdícios e compadrios benevolentes, torna-se num imperativo apenas passível de contestação pela guerrilha partidária que sem qualquer base de sustentação no campo das realidades da nossa economia, ainda não se apercebeu do fim do ciclo imperial iniciado em 1415. O pendor para sonhos intervencionistas que um dia emularam os regimes da Alemanha, Itália e URSS num totalitarismo que teve as bem conhecidas consequências, em Portugal repercutiram-se nos Planos de Fomento, na infinidade de pautas e regulamentos, no “espírito Cahora-Bassa, Caminho de Ferro de Benguela, portos angolanos e moçambicanos” e em certas campanhas agrícolas que ainda hoje se encontram bem presentes no subconsciente dos habituais contestatários do capitalismo. Não pode haver qualquer dúvida quanto à perfeita consciência que A.S.P. tem do país real e é lícito dizer existir uma grande falta de discernimento – outra das nossas lusas características, em paralelo com a desconfiança – de ideias que surjam de fora. Se há décadas um Secretário de Estado U.S.A. tivesse sugerido a transformação da Kentucky Fried Chicken numa marca capaz de encher as avenidas, esquinas e praças das cidades do planeta, decerto não teria ouvido um milésimo dos disparates que a comunicação social portuguesa durante semanas a fio grasnou em desespero e a propósito do caso do Pastel de Nata. Como a estupidez é coisa ilimitada e permitida por decisão democrática garantida constitucionalmente, Portugal vai perdendo uma após outra, as almejadas hipóteses de criação de marcas para o mundo, a tal publicidade essencial a qualquer economia saudável e ao prestígio das nações. Mais ainda, há que dizer sem rodeios consistir o principal problema, a monomaníaca fixação megalómana da “obra que se vê”, normalmente recorrendo-se ao betão que exaure recursos essenciais, enche os bolsos à meia dúzia de omnipresentes oportunistas e acaba por criar conhecidos problemas paquidérmicos como o CCB, os Estádios, as auto-estradas de Lisboa e Porto para nenhures, as barragens cuja manutenção consome mais recursos que aqueles criados pela produção de energia e muitos etc mais. Álvaro Santos Pereira está bem ciente das extremas dificuldades de uma banca que todos sabemos – para quê fingirmos ignorar? – à mercê da falta de liquidez que mina a economia e ousamos acrescentar, o próprio regime.
Não sendo por regra uma criatura simpática para os detentores do poder, terei de frisar a minha surpresa por pela primeira vez ter escutado “ao vivo”, alguém responsável e com uma visão de conjunto que não circunscreve os assuntos do Estado àqueles que detém como pelouro. Saúde, Educação, Energia, as obras públicas que “não enchem o olho” mas são essenciais à modernização da economia, os Negócios Estrangeiros e a necessária coordenação entre as representações diplomáticas e o nosso tímido e dependente mundo empresarial, os “novos mercados” – precisamente aqueles com quem estabelecemos contactos há mais de cinco séculos -, a libertação de recursos até há pouco consumidos para as nossas obras do Príncipe de Potemkine, fazem parte de uma análise realista que gostaríamos de ouvir mais vezes nos órgãos de comunicação actualmente arrogantemente “balsemizados” e ao serviço dos habituais interesses mais ou menos escusos.
O Primeiro-Ministro talvez ainda não tenha dado a devida relevância a alguns dos membros do seu governo e no meu modesto e ignaro parecer, Álvaro Santos Pereira poderá ser uma agradável surpresa num futuro não muito distante. Falta ao governo, aquilo que no anterior executivo sobejava e irritava: a informação. Ao contrário do formato durante anos histrionicamente presente e seguidor a velha cartilha do Dr. Göbbels, o país deve ser regularmente informado acerca da situação em que se encontra. Quanto a isto o governo não deve temer gravosas consequências, pois ao invés de certos parceiros da União Europeia, Portugal não se tratou de um retalho destacado por franceses, ingleses e russos em bem audível disputa por um quinhão das outrora vastas possessões do Sultão de Constantinopla. Portugal é bem mais sólido do que muitos dos nossos parceiros alguma vez imaginaram e entre nós, a auto-estima apenas tem necessidade do elemento que tanto tem faltado para uma real mobilização de boas vontades: o dizer da verdade, seja ela agradável ou não.