por Samuel de Paiva Pires, em 08.06.12
O Dragão, "Introdução ao Paradoxo - III.A nobreza do carácter antes da pureza do sangue":
"«Por nobre entendo aquele cujas virtudes são inerentes a uma estirpe; por de nobre carácter entendo aquele que não perde as suas qualidades naturais. Ora, a maior parte das vezes, não é isso que acontece com os nobres, pelo contrário, muitos deles são de vil carácter. Nas gerações humanas há uma espécie de colheita, tal como nos produtos da terra e, algumas vezes, se a linhagem é boa, nascem durante algum tempo homens extraordinários, depois vem a decadência. As famílias de boa estirpe degeneram em caracteres tresloucados, como os descendentes de Alcibíades e de Dionísio, o Antigo; as que são dotadas de um carácter firme degeneram em estupidez e excesso (hubris), como os descendentes de Cimon, de Péricles e de Sócrates.»
- Aristóteles, "Retórica"
"Aquele que não perde as suas qualidades" é, dito muito sucintamente (e bem adaptado aos nossos tempos) aquele que não se deixa corromper. É aquele que permanece fiel aos princípios e perseverante nos fins que esses princípios autorizam. É por isso que a nobreza é, mais que um mero existir (enquanto fruto ocasional de uma estirpe ou linhagem) , um deliberado agir. E como o acto puro está reservado para Deus, ao homem de carácter nobre resta-lhe o acto virtuoso (a coragem, a magnanimidade, a generosidade, a temperança, a equidade, etc ):. Não vou alongar-me para aqui num tratado sobre Aristóteles (assunto em que dando-me corda correríamos o risco de só me calar por interrupção da morte), mas sempre adianto que tudo isto tem um consequência muito simples tanto quanto inexorável: a nobreza é uma característica indivídual, não é um qualidade específica suscetível de produção em série. Na verdade, não há hereditariedade garantida na própria nobreza enquanto estirpe. Não é possível, para Aristóteles, treinar ou produzir espécies (raças, traduzindo para categorias o século XIX) nobres. E a principal razão porque não é possível é porque mão é natural. As regras da fusis são as regras do antropos. Este não está separado daquela. Apenas é possível, no melhor dos casos, instruir indivíduos. Alexandre o Grande foi a prova cabal e exemplar disso mesmo.
Porém, qual o termo na língua grega com que Aristóteles (e a antiguidade) designava "nobreza"? Eugenia, nem mais. Uma palavra que, como calculam, irá fazer uma grande - e abissal - viagem..."