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Do patriotismo e da nação portuguesa

por Samuel de Paiva Pires, em 15.06.12

Aqui fica o meu terceiro artigo escrito para a secção de opinião do Diário Digital, também publicado no blog da Real Associação de Lisboa:

 

 

Como quase todos os conceitos políticos e filosóficos, também o patriotismo é alvo de inúmeras conceptualizações conflituantes que, segundo Alasdair MacIntyre, ocorrem num espectro que tem num extremo a ideia de que o patriotismo é uma virtude e, noutro, que é um vício. Resumidamente, pode-se definir o patriotismo como o amor pelo próprio país, identificação com este e preocupação com os nossos compatriotas. Não é despiciendo referir a comum sobreposição e confusão com o nacionalismo, pelo que importa salientar a distinção que Lord Acton opera, afirmando que o nacionalismo está ligado à raça, algo que é meramente natural e físico, enquanto o patriotismo se prende com os deveres morais que temos para com a comunidade política.

 

Por outro lado, talvez seja mais fácil pensar que o patriotismo pertence àquela categoria de conceitos que se não me perguntarem, eu sei o que é. Isto acarreta vários problemas, especialmente no que concerne à transposição e utilização do patriotismo no debate político. Também o interesse nacional e o bem comum são conceitos que podem pertencer a esta categoria, e também sobre estes há inúmeras perspectivas. José Sócrates invocou recorrentemente o interesse nacional para se recusar a pedir ajuda internacional, quando já era mais do que sabido que não só a viabilidade financeira do estado português estava em causa, como também a soberania nacional. Como poderia ser do interesse nacional – conceito que está directamente relacionado com o patriotismo – persistir naquele caminho?

 

Acontece que, em democracia, os partidos políticos são necessários mas promovem, frequentemente, a fragmentação da sociedade num clubismo irracional e num sectarismo que deixa ao critério da opinião da maioria a decisão sobre o caminho a seguir. Quando os limites à acção governamental não são bem definidos e fortes, quando a separação de poderes não actua como deveria no sentido da difusão do poder, isto pode ser perigoso para todos os indivíduos de uma comunidade nacional organizada politicamente num estado. Ademais, tendendo o estado moderno para a adoração de símbolos nacionais, contribuindo para a criação, acrescentando-se ou substituindo-se a um sentimento patriótico, deixar que no debate político uma das partes se possa livremente ancorar no patriotismo para justificar as suas acções, ou seja, apelando à emoção e não à razão, pode ser fatal não só à parte contrária como à nação.

 

Claro que a política é feita em larga medida de emoção. Mas sendo o patriotismo o amor pelo próprio país, cada indivíduo desenvolve à sua maneira esse amor. Frequentemente, como acontece em Portugal, este amor revela-se numa assertiva e mordaz capacidade de crítica, provavelmente herdeira da nossa veia queirosiana. Pode até levar a um “intenso sofrimento patriótico, o meu intenso desejo de melhorar o estado de Portugal”, como no caso de Fernando Pessoa. Aquilo que o patriotismo não deve ser, é um amor acrítico, muito menos por partidos políticos e governos, porque também de acordo com Pessoa, "O Estado está acima do cidadão, mas o homem está acima do Estado", e é preciso não esquecer que o falso patriotismo, que, por exemplo, descura o bem-estar dos nossos compatriotas, e que habitualmente se revela nos auto-proclamados patriotas, é, como Samuel Johnson afirmou, "O último refúgio de um canalha."

 

Vem isto a propósito, também, do momento que vivemos de ocasional exaltação patriótica, em virtude da participação da selecção nacional de futebol no Euro 2012. Gosto de futebol, e gosto de vibrar com futebol, especialmente com a selecção nacional. Mas é com pesar que observo o lamentável espectáculo a que por estes dias podemos assistir nas ruas de Portugal: as bandeirinhas nacionais na janela. Parece-me ser um fenómeno de patriotismo falso, artificial, ainda para mais quando em Portugal existe uma enorme apatia pelo envolvimento na causa pública, que se reflecte na falta de fiscalização e limites à actividade governamental, não sendo, por isso, de admirar os abusos a que governos vários nos sujeitam.

 

Uma nação que se deixa esbulhar e ir à bancarrota sem espernear, que deixa que a sua pátria seja violada por algo como o Acordo Ortográfico, que ainda assiste impávida e serena ao pavonear dos actores principais deste triste fado, e que só com a selecção nacional de futebol se deixa exaltar num patriotismo pífio, não é uma nação. É uma caricatura e o espelho da pobreza de espírito que grassa em Portugal.

publicado às 09:46


7 comentários

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De Miguel C.B. a 15.06.2012 às 13:24

Muito bem, belo texto. Só não concordo com os futebois, uma praga que tem de ser arrancada da paisagem portuguesa. Potência da bola ! Antes fossemos a potência da cutelaria, a potência dos rice-Kriespies ou a potência dos pipos para câmaras de ar.
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De Samuel de Paiva Pires a 15.06.2012 às 13:56

Obrigado, Miguel! Pior que a praga dos futebois só a praga da futebolítica.
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De Anónimo a 15.06.2012 às 18:23

Comentário apagado.
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De MCB a 16.06.2012 às 02:03

Mexericos deve se da sua laia, ó cobarde anónimo
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De KP a 16.06.2012 às 02:07

Miguel:
É deixar esse lixo falar. São sempre assim e para mais nem têm cara. Devem ter uma vida bem dura.
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De Luis a 15.06.2012 às 19:00

"Uma nação que se deixa esbulhar e ir à bancarrota sem espernear, que deixa que a sua pátria seja violada por algo como o Acordo Ortográfico, que ainda assiste impávida e serena ao pavonear dos actores principais deste triste fado, e que só com a selecção nacional de futebol se deixa exaltar num patriotismo pífio, não é uma nação. É uma caricatura e o espelho da pobreza de espírito que grassa em Portugal."

Nem os grandes da nossa literatura o disseram tao bem!
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De Joao amorn a 15.06.2012 às 20:09




Muito bem, caro Samuel, óptimo discurso.
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De Anónimo a 16.06.2012 às 15:28

Belo texto. Parabéns.
Discordo do Miguel relativamente ao futebol. Pode-se apreciar um jogo de futebol sem se ser obcecado. Gosto de futebol q.b. Fomos habituados a isso, eu e os meus irmãos, desde pequeninos, mas não sou facciosa. Adoro ver os jogos da Selecção quando participa Portugal, assim como os mesmos no Mundial e nos Olímpicos. E se estiver em casa  e houver jogo que meta o meu clube, sigo com interesse o meu  Sporting quanto mais não seja por respeito para com a memória do nosso pai que nos inoculou este vírus  e que ficou para sempre:). Não vejo mais nada de futebol.

Quanto às quantidades incríveis de futebol neste regime versus as do anterior, a conversa é muito outra. Havia futebol, sim, mas não todos os dias e a todas as horas. Quanto muito uma transmissão cada 15 dias ou uma vez por mês. Havia-o com conta peso e medida e assim é que devia ser. Estes 'democratas' que temos a desdita de aguentar à força, hipócritas até à raíz dos cabelos, que nos têm dado cabo do corpo e do espírito, diziam tudo o que há de pior do anterior regime: que era com o futebol que o regime distraía o povo da política; proclamavam aos quatro ventos que estes três acontecimentos, Fátima, futebol e fado, enraízados na alma dos portugueses independentemente dos regimes,  faziam o povo esquecer-se da pobreza em que vivia; que a religião era o ópio do povo (adoptando a frase de Estaline, pois claro), etc., etc.
Hipócritas e cínicos até dizer basta, agora que reinam e vivem que nem marajas à custa do roubo desenfreado que praticam desde há quase quatro décadas ao tal "povo" que tanto desejavam 'libertar' do tenebroso 'faxismo' para lhe devolver a tão ansiada prosperidade e emprego para todos os portugueses...,   calam-se que nem ratos!

E afinal o que foi que nos 'devolveram' com o novo regime em substituição do negro 'faxismo'? ABSOLUTAMENTE NADA! Ou melhor,  instituíram muitas coisas, sim, mas então inexistentes e neste regime re-inventadas: podridão, promiscuidade, ladroagem, corrupção, criminalidade, violência, insegurança e muitas mais, tudo isto numa escala incomensuràvelmente maior e sem comparação possível com o regime autoritário anterior: neste novo nregime tudo quanto fazem, agora sim, é intoxicar o 'povo' com lérias e falsas promessas de melhoria de vida, sempre incumpridas, para que se abstraia da desgovernação criminosa; os cínicos criticavam as transmissões das procissões de Fátima, que aliás só aconteciam nos dias solenes; agora fazem as mesmíssimas transmissões e, diga-se, sempre com mais e mais peregrinos (devoção que quiseram destruir mas não o conseguiram e ainda bem); sobre o futebol de cujas poucas transmissões  eles fartavam-se de dizer mal..., hoje a 'democracia' dá-nos futebol à barda e tanto que já enjoa, mesmo para quem gosta deste desporto; e o que dizer sobre as pragas que eles rogavam ao negregado fado, raramente transmitido pela TV, nem é bom falar!, diziam que o fado era 'faxista', que era a canção escolhida para fazer propaganda ao Estado Novo, que era uma canção salazarenta e desprestigiante, sem cabimento nesta 'esplendorosa democracia'...; pois era mas agora temos fado todos os dias e a todas as horas (tal como o futebol) e os meninos e meninas comunistas, socialistas e outros, desunham-se  para ver quem vai mais vezes às televisões cantar o fado... até há concursos e tudo! E os filhos e filhas da esquerda caviar ou champanhe, como se queira, também lá andam a cantarolar a canção que pelos seus próprios pais tão vilipendiada foi.

E estes bandidos ainda tiveram a supina lata de durante pelo menos 50 anos (40 cá dentro +10 lá fora) caluniar sistemàticamente o Estado Novo e difamar o Estadista! Uma inveja desmedida da paz, alegria e ordem social que se vivia e sobretudo do desenvolvimento económico que se fazia sentir a todos os níveis nos anos sessenta e que os cegava de ódio e raiva. Tomaram eles! Em honestidade, integridade, dedicação total à causa pública e amor incondicional a Portugal e ao povo português, nem aos tacões dos sapatos dos governantes do anterior regime eles chegaríam mesmo que vivessem mil anos. E quanto ao Estadista, nem sequer à sua sombra, muito menos aos calcanhares.
Maria

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