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Em boa hora, o Miguel disse o que muitos pensam e preferem guardar. Sem qualquer receio dos bloquinhos de notas do politicamente correcto, cremos que o Primeiro-Ministro deu aquele murro na mesa que todos aguardam há décadas. A história constitucional portuguesa tem sido pontilhada por um outro dirigente que diz aquilo que é urgente realizar, não se compadecendo com cálculos acerca do seu próprio destino político. Há cento e poucos anos, D. Carlos I - pela acção de João Franco - pagou cara a honestidade, quando na célebre entrevista ao Le Temps, mostrou a verdadeira situação a que partidocracia tinha conduzido o sistema liberal-representativo. Tal como então, os sátrapas do comodismo da nossa época, não apreciam a verdade que incomode a contabilidade de rezes ao dispor nas urnas. Se noutros tempos os valentes caíam num qualquer Terreiro do Paço sito algures na Europa, este período de acanhadas e tímidas vilezas, apenas propicia a liquidação de uma carreira política destinada mais cedo ou mais tarde, a um inglório reconhecimento.
Passos Coelho poderá perder as próximas eleições, sejam elas as locais, sejam as nacionais. No quadro de todas as decadências que o regime apresenta, arriscam-se mesmo a ser as derradeiras dentro do esquema edificado em 1976. A ser assim, pouco importará saber se a perda de uma maioria ou de uma liderança, significarão algo mais senão o obliterar de algumas panças impantes que não deixam ver os próprios pés que se aproximam do precipício.
Muito há para fazer, desde o enfrentar da vergonhosamente esmagadora herança das PPP, até aos gastos e mordomias dos agentes da política e administração pública. O país deve de uma vez por todas entender que um "lugar político" consiste antes de tudo, no sacrifício a que o dever obriga. É certo verificarem-se erros no quadro da racionalização do aparelho do Estado - numa situação explosiva, os cortes a eito na saúde, educação e nos rendimentos de inserção deverão ser reavaliados -, mas há que seguir adiante, num momento em que PPC decerto terá entendido um Portugal que antes de construções teóricas acerca de uma certa liberdade individual plasmada pela servidão à iniciativa privada "liberal", tem como esteio de uma história que lhe garantiu a independência e a expansão, um Estado forte, regulador e eficaz nos múltiplos campos da sua acção. Sobretudo, o governo deverá ser intocável em matéria de lisura de procedimentos e no definitivo cercear de favoritismos. No campo externo, PPC poderá parecer "interessar-se pela Europa" e de facto procurar voltar às paragens de onde Portugal jamais deveria ter saído. Ora, isto está a ser feito. Até os ditos liberais recorrentes aos cofres do Estado disso sabem, embora prefiram continuar a procissão de queixinhas e indignações com autos-da-fé sem nexo. É mesmo necessário que se faça o que a contragosto há a fazer, pois ceder-se agora às conveniências de Partido, seja ele qual for, de uns tantos oportunistas sem espinha ou categoria para sequer governarem um quiosque de praça, condena o país a um mortal esfaqueamento sem remédio. Não está em causa o PS ou o PSD, é-nos totalmente indiferente o agente da mudança que gostemos ou não, há que realizar.
Ou aguentamos isto até ao fim, ou teremos um déspota de óculos escuros - em alternativa a um de barbas e boina - que nos submeta a infindáveis discursos sem tino, mordaças, barrigas vazias, pés descalços e pauladas lombo abaixo. No quadro institucional e internacional que se apresenta, não há outra forma.