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Boa noite a todos.
Se eu tivesse que resumir, para um estrangeiro ou para um extraterrestre, a condição vigente em Portugal, diria apenas "irreversível". Tão só.
Com tal confiança o digo, que somente o filme homónimo de Gaspar Noé, com o seu retrato hiper-realista das mais vis e animalescas vivências - da suma entrega à desesperança - consegue fornecer-me uma referência cinematográfica que aluda convenientemente à repulsa que me acomete quando interiorizo em que ponto, afinal, nos encontramos.
Com vossa licença, carrearia para o início deste meu primeiro despautério uma citação, datada de hoje, emanada pelo edil da capital:
"É uma situação inesperada. Como a rotunda exterior dá para todas as saídas e as pessoas têm medo de se enganar, estão a ir para essa."
E aqui se encerra mais do que à vista é dado destrinçar. Senão vejamos, passe o trocadilho infame.
Há uma situação inesperada que ocorre logo no primeiro dia em que exequenda obra é posta à prova. Ninguém é inquirido, e ainda menos punido, mas mais grave, voz alguma se eleva. Porquê? Porque "bacalhau basta". Pode ser por isto, pela atávica necessidade de atender à voz do dono, ainda que os desmandos deste se resumam a exigir contínua, perene, passiva, bovinidade. Pode ser por isto, de facto.
Mas ao autarca pode ter fugido, por atavismo de igual porte, a boca para a verdade. As pessoas têm medo.
E o maior pavor, tal como o sonho da razão produz monstros, é que seja esta a verdade. Que as pessoas, na verdade, nunca tenham deixado de ter medo, diluindo uma forma de despotismo noutra, nova, tanto ou mais brutal que a anterior, certamente mais insidiosa e torpe, acoitada na aleivosia de quem se faz, há 38 anos, eleger em nome de um bem comum que reiteradamente só a alguns beneficia , e isto às custas de todos - com a inclusão, à revelia, de nascituros e "voluntariamente interrompidos".
Contudo, manda a curiosidade, motor para o Mal e para o Bem de todas as transgressões do Homem, que se aclare esta noção de irrevogabilidade.
Crime. O sistema de justiça, pilar primeiro de um Estado de Direito, deixou-se inflar como uma cabaça podre, minado a partir de dentro por uma Constituição anacrónica e colectivista, deixando lavrar, a eito, leis que somente ao legislador e seus correligionários podem ser benfazejas. Também isto grassa sem oposição no seio de quem vota.
Cui bono?
Programas operacionais, obras faraónicas, processos infindáveis ou que se finam num arquivo sumário, autarcas convocados às custas do erário para que neguem gostar de automóveis: o ridículo e a pilhéria cobriram de desgraça, à falta de vergonha, três gerações de portugueses. Onde em tempos o teor das minhas palavras faria soerguer debate, hoje haverá quem me queira empalado por não acrescentar "e as portuguesas", sintoma maior da parvoíce e da leviandade incrustadas no meio de todos, e em cuja senda caminham males ainda maiores.
Corrupção. Nos partidos, há já filhos e netos à espera da sua fatia. De entre os que não se abstêm, alguns ainda acreditam, na inocência de quem labora honestamente, que é uma questão de tempo, que Roma não se fez num dia, enfim, que podia ser pior. Que dantes andávamos descalços e sem pão, e como tal devemos fechar os olhos e relativizar o esbulho e o gáudio em que refocilam os mesmos de sempre, que chamaram à União Europeia um figo dourado.
Cui bono?
A quem favorece a burocracia e a imanente estagnação da sociedade?
Ignorância. Infantilização por via do amorfismo cultural e académico, do escárnio para com a dissonância; a promoção subsidiada da puerícia, a salvo de tudo, particularmente de si mesmos. Uma redoma que traduz com o viés necessário qualquer tentativa individual de interpretação da realidade. Jornais, televisões e rádios que complementam a apatia e o catéter anestésico. Jovens promissores reduzidos à boçalidade, crianças nascidas livres mas tornadas em títeres mimados e incapazes de vingar uma vez desligados da máquina estatal.
É isto que os portugueses querem para o futuro. Reparem, não falta aqui nenhum ponto de interrogação. Querem-no e estão de boas relações com as suas consciências, pois assim têm votado, livres de coacção, sem que ninguém sobrevenha no acto do sufrágio, coarctando a sua real intenção. E assim o têm, ou pelo menos, certamente que assim o dirá o espelho de suas casas, quando todas as manhãs, na mesma insatisfação modorrenta do dia anterior, se forçarem a encarar mais um dia, ainda outra jornada.
Terei mais a dizer. A razão dita-me que cerceie essa vontade agora, para que possa postar isto, mas a emoção manda que escreva mais.
Um verdadeiro liberal, aprendi, é humilde. Não diz que sabe, ainda que saiba. E muitas vezes, a maioria das vezes, dirá que não sabe, por ser verdade. É agnóstico, e senta-se entre os muros ávido do saber, do rigor que advém com o entendimento da própria discussão, do próprio debate. Não advoga o fanatismo e chama uma crença a uma crença e um facto a um facto. Lida com absolutos com a mesma tranquilidade que lhe permite relativizar a comédia e a tragédia.
A lacuna de liberalismo, em Portugal, passou de risível a gravosa, mas para azar dos imperecíveis que teimam sangrar a tudo e a todos, é para eles o princípio do fim.
Se vi na manifestação de sábado a herança do PREC, os idiotas úteis, e os meninos bem postos que se charram e querem ser "mitras"? Se vi gente desvairada que pretende apenas mais dinheiro fácil para estoirar em futilidades? Vi tudo isso. Querem saber, contudo, a melhor parte? Eram peduncularmente minoritários. Contar-se-iam dois ou três em cada cem.
É aos outros que este post é dedicado, porque a ninguém deve ser permitido, impunemente, que escarneça e apouque daqueles que, finalmente, saíram de casa e começaram a resistir.
Desde 2008 que se optou por chamar crise financeira a uma crise social, derivada das escolhas erradas que as populações europeias e norte americanas fizeram ao nível das suas decisões de consumo, financeiras e politicas.
Um exemplo, foi o facto de milhares de norte americanos terem ficado no desemprego, devido à deslocalização de parte da produção para a Ásia, de que resultou uma incapacidade para poderem pagar os seus empréstimos hipotecário. Chamou-se crise financeira, a algo que derivou de decisões politicas e de consumo.
Após anos de expansão das economias dos países europeus e norte-americanos, sustentados em crédito e má percepção do nível de riqueza produzida, a realidade acabou por surgir sobre a forma de incapacidade para pagar os compromissos assumidos.
Mas essa incapacidade não é um problema financeiro mas sim, social. A incapacidade surge porque, em primeiro lugar, as politicas de abertura de mercado conjugadas com os acordos com a China e outros países asiáticos custaram milhões de empregos.
Duas questões surgem : Quantas empresas lucraram com a abertura do mercado chinês ? Quantas empresas foram prejudicadas pela abertura dos mercados europeus e americano aos produtos chineses ? A resposta é óbvia. As populações destes países permitiram que, para algumas dezenas de empresas lucrarem com o mercado chinês, milhares de outras fossem prejudicadas. O que adianta ter produtos europeus mais baratos produzidos na China se ao perdermos o emprego não os podemos comprar ?
Qual era a dúvida da consequência da deslocalização de centenas de fábricas para os países asiáticos ?
Enquanto os orçamentos estatais permitiram, estas consequências foram “tapadas” pelo emprego criado no Estado. Mas agora os ajustamentos terão de ser feitos, terão de ser reduzidos postos de trabalho no Estado e não há criação de emprego no sector privado, para esta nova vaga de desempregados. O resultado será uma gravíssima crise social.
Mas esta crise social era evitável se as populações entendessem e exigissem maior protecção para os seus empregos e empresas onde trabalham. Não se pode liberalizar mercados com condições desiguais. Países com direitos laborais justos estão a competir com países em que a escravatura laboral é uma realidade.
Por outro lado, permitimos que as actuais politicas desacreditassem as economias europeias e norte americanas, como se pudéssemos comparar o que é produzido nestes países com o que é produzido na China ou na Ásia.
Quantos de nós ambiciona ter um produto chinês ? Comparem os desejos de consumo das populações mundiais e onde estão os mais desejados produtos e serviços ? É completamente errado dizer que a Europa está decadente. Alguém pensa em comprar um automóvel chinês ou brasileiro ? E uma mala ? E um perfume ? E ver um filme ? E um telemóvel ? E quando estamos doentes recorremos a medicamentos chineses ? Faz algum sentido o dinheiro estar a fluir para os chamados BRIC’s ?