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1- O fim-de-semana passado foi prenhe em emoções políticas que, em grande medida, extravasaram os limites comezinhos do debate público corrente, pondo a nu a vileza e ridicularia de uma governação entregue às capelinhas do costume, e aos interesses venais de uma elite pouco ilustrada.
2- A revolta latente das classes médias é uma realidade insofismável cuja negação corresponde à recusa em aceitar os efeitos económicos e sociais de um conjunto de medidas que devidamente sopesadas só têm contribuído para inchar um Estado já de si excessivamente gordo.
3- O aviltamento das amplas manifestações populares realizadas no sábado - como fez alguma blogosfera dita liberal - com o argumento rezingão da insensibilidade dos manifestantes relativamente ao esforço reformista empreendido pelo Governo é, queira-se ou não, equivalente à coonestação do discurso político "mainstream" cujo pressuposto nuclear, aberto ou oculto, reside na apologia desenfreada do poder passista.
4- O sentimento de indignação patenteado sobrepujou em muito os estreitos limites da partidarite aguda, congregrando amplas camadas da população - as classes médias urbanas mais afectadas pela crise e pelo endividamento - que, por uma panóplia infindável de razões, não se revêem na extorsão fiscal em curso.
5- É certo que a classe média - a pequena burguesia que dominou o funcionalismo público - que se manifestou no sábado participou de bom grado na "weltanschauung" consumista e emprestadeira que infeccionou o ambiente público do país durante os últimos dois decénios, todavia, seria, no mínimo, estulto e pouco assisado menosprezar o amplo acolhimento que estas manifestações tiveram, partindo do pressuposto, obviamente falível, de que as mesmas são filhas da cultura imediatista que nos trouxe a esta bancarrota económica e moral.
6- Perante isto, um Governo minimamente empenhado em assegurar o bem-estar dos seus cidadãos tentaria, a todo o custo, reverter o caminho de dissenso que sub-repticiamente vai emergindo na sociedade portuguesa.
7- A reacção dos diversos actores políticos, com particular destaque para os dirigentes do principal partido de Governo, denota, outrossim, o estado de perturbação - próprio de um ambiente de fim de regime - que tomou conta da narrativa política dominante.
8- À "húbris" passista, própria de um político medíocre sem referências nem mundo, há que adicionar a permeabilidade de uma camarilha política sem escrúpulos - "adesivista" por natureza -, entregue à dissipação dos parcos recursos de um Estado em decomposição.
9- No meio do desastre comunicacional passista - não há manuais que valham para cobrir as óbvias deficiências de discurso de um Governo deficitário por natureza - o único factor de esperança reside na atitude do CDS perante as inúmeras problemáticas que afectam o bem-estar dos portugueses.
10- A gestão do silêncio delineada por Paulo Portas - ainda que não seja isenta de críticas - foi rematada por uma tomada de posição pública cujo âmago foi o reforço da estabilidade política, contra as pulsões desestabilizadoras dos pirómanos do caos social.
11- A declaração política de Paulo Portas foi clara nas suas críticas e garantias, acentuando a importância da governabilidade, sem descurar, contudo, o papel de consciência crítica que o CDS deverá desempenhar no debate concernente às medidas mais gravosas.
12- Sem querer ceder ao "wishful thinking" que tanto agrada aos comentadeiros dos nossos media, há um facto que pela sua singeleza deve ser ressaltado: num país pouco atreito ao liberalismo, o CDS é, indiscutivelmente, a última reserva política que resta aos liberais na defesa de um país mais livre e próspero.
13- Será o CDS capaz de cumprir este desiderato? Terão os centristas a vontade, a disponibilidade, e o espírito suficientes para encetar um caminho próprio e autónomo - estribado, sobremodo, na abertura e libertação do país dos corporativismos que tolhem o Estado - que possa ser maioritário a médio e longo prazo na sociedade portugesa?
14- Uma coisa é certa, o liberalismo em Portugal é um projecto cuja operacionalização teima em não concretizar-se, seja pela cultura paternalista que impregna de alto a baixo o país, seja pela doblez que aflige os seus mentores mais visíveis.
15- À guisa de conclusão gostaria de recordar um aspecto crucial que tem sido deliberadamente esquecido pelos nossos "opinion makers": a revisão da CRP.
16- Sem a alteração do actual modelo constitucional será extremamente difícil reformar o país, sendo que a recente intervenção do Tribunal Constitucional na questão dos subsídios, é a prova acabada de que a governabilidade do país - no fundo, o que está em causa é o "design" institucional do regime - estará, a curto prazo, em causa.
17- A direita portuguesa terá forçosamente de levantar a questão constitucional antes que a voragem e o devorismo do estadão traguem a necessária reforma do país.