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Estamos entregues

por Francisco Costa, em 30.09.12

Quando, a 7 de Setembro, Passos Coelho decidiu apresentar novas medidas de austeridade meia-hora antes do jogo da selecção nacional, o Samuel, adaptando uma célebre interrogação de Salazar sobre os diplomatas e o Minitério dos Negócios Estrangeiros, questionou se eles iriam para Primeiro-Ministro porque são assim ou se são assim porque vão para Primeiro-Ministro. Pasmado fico hoje com o facto de ter de reformular esta questão. Não nos podemos cingir apenas ao primeiro-ministro quando toda uma corja discorre constantemente um chorrilho de disparates, arrogâncias e devaneios de bradar aos céus.

 

Mais no Facebook do que aqui no blog, mas sobretudo em conversas com os meus colegas, tenho-me limitado a dar a minha opinião sobre as variadas temáticas do quotidiano político, social e económico do país, mas sempre sem forçar uma posição, sem me tornar intransigente. Porque só os casmurros não mudam de opinião, é um facto, mas sobretudo porque o que hoje é verdade não é amanhã que será mentira – já ontem o era. A informação e consequente contra chegam-nos a uma velocidade tal que é quase impossível seguir o curso de todo este folclore. Ainda assim, mais por necessidade e hábito do que por obrigação, acompanho o comentário que se tem feito por estas bandas, tendo chegado o momento em que a minha disponibilidade me permitiu escrever alguma coisa. Talvez disponibilidade a tenha tido antes, é certo, mas determinadas intervenções no dia de ontem foram, para mim, o culminar de um ciclo de observação e tentativa de absorção e entendimento, com alguma condescendência à mistura, do que a classe política e empresarial anda a perpetuar no país – o que se tornou, modéstia de lado, um exercício muito complicado, pois é notório que nem o governo sabe o que faz. 

 

Estamos pois, definitivamente, entregues. Entregues a uma coligação governamental que necessita de um órgão superior, com o seu crivo de independência e num patamar superior da intendência, que supostamente deve coordenar, controlar e encontrar convergência nas políticas dos dois partidos que formam o Governo. O arrufo conjungal necessitou de marcar na agenda consultas periódicas na terapia de casais o que, apesar de pouco recomendável, até pode ser aceite como uma maneira de evitar o descalabro de uma política comum, num esforço a dois para que a união resulte, sendo que, pese embora a graciosidade envolvente a toda metáfora, os destinos do país e dos portugueses seja aquilo que realmente deveria merecer a atenção de quem governa. E eis que na primeira reunião para afinar as agulhas o tema central da ordem de trabalhos são as eleições autárquicas, com a definição das autarquias em que os dois partidos irão concorrer coligados. É um importante primeiro passo, poderão dizer-me, que depois deste sim virá o concertar de posições, estratégias e medidas que digam realmente respeito ao quotidiano do comum cidadão português. Mas a imagem que passou foi a de que, de uma maneira ou de outra, a discussão se terá centrado em nomes, cargos, disposição dos candidatos nas listas. Mais do mesmo. Porque este governo demonstra uma descoordenação clara, sem uma linha de comunicação comum aos seus vários membros, muitos deles uns autênticos corpos estranhos sem habilidade política que dificilmente se irá remediar, pois tem quase todo o país contra si, incluindo grande uma parte que o suportava em termos eleitorais.

 

Daí que eu afirme, sem ponta de remorso, que estamos entregues. Estamos entregues a um Primeiro-Ministro que, mesmo anunciando a entrada do FMI em Portugal, parecia gozar de uma certa margem de manobra por, inicialmente, tudo ter tentado para apresentar uma postura política que fosse diferente do seu antecessor. Ultrapassado que foi, muito rapidamente, o seu estado de graça, esta possibilidade demorou tanto tempo a gorar-se como os cabelos de Passos Coelho a tornarem-se grisalhos – num ápice, passamos de um Governo com confiança para um grupo elitista em total descrédito. Algo que me pergunto vezes sem conta, provavelmente por ser uma das áreas que maior interesse tem para mim, é o porquê de em Portugal pura e simplesmente não existir consultadoria política. A bem saber, obviamente que ela existe (gabinetes de acessoria, markentig e comunicação são algo que não falta, é um facto); mas então eu pergunto-me qual o tipo de formação que esta gente tem ou que género de autores lhes são dados para estudar, pois em que mundo é que um gabinete de consultadoria dá aval a que o Primeiro-Ministro, depois do anúncio de novas medidas de austeridade, venha, enquanto chefe de governo, escrever uma nota no Facebook que, para além de patética e ridícula, chega a roçar a cobardia. É mau demais para ser verdade, dirão alguns; revelador do carácter do Primeiro-Ministro, concluirão outros. Mas este é apenas, como muito bem tem sido desenvolvido aqui no blog, o reflexo das juventudes partidárias e da (falta de) noção dos elementos básicos da ciência política junto de quem recruta militantes para as suas secções. É uma selecção feita à bruta, por números, que apenas trará vantagens ao pastor que concentrar mais ovelhas no seu rebanho. Aprendizes de Maquiavel que nem sequer o leram, como o Samuel apontou magistralmente.

 

Entregues estamos. A uma bicharada que constantemente vilipendia o país. Por vezes através de maneiras tão cruéis que fica difícil escapar ao seu rasto. Vitor Gaspar, um nome que regressou ao país com o prestígio internacional, cá dentro nesta cozinha interna, carrega contra os portugueses. Lá fora, tece elogios aos seus concidadãos. Pelo meio vai adormecendo os mais conformados com a sua voz monocórdica, que parece que não ser afectada por nada nem ninguém. Mas Vitor Gaspar sabe pouco de história – algo que é comum a toda a classe política e dirigente do país por estes dias. Ao destacar a tolerância e maturidade das manifestações, parece estar totalmente alheio da realidade e confiante que os brandos costumes o irão salvar. Talvez por não saber de História, permitam-me que recupere um episódio ilustrativo de como podem agir os portugueses mesmo em situações limite. Nas guerras liberais no Séc. XIX quando se deu a invasão do Porto e os Miguelistas foram derrotados, em acto de desespero/vingança incendiaram os armazéns do Vinho do Porto, que, na época, representavam a nossa única exportação e fonte de receita em divisas. Exemplo extremista e desfasado da realidade? O curso dos protestos assim parece não indicar. Mas a Gaspar pouco lhe importa, como podemos denotar pelo ar cada vez mais arrogante com que responde cada vez que é interpelado.

 

Não fosse o anteriormente descrito suficiente e, caros leitores, estamos totalmente domados e entregues a Miguel Relvas. Se o fenómeno da sua licenciatura nunca cairá no esquecimento da opinião pública mas percorria por estes dias o caminho da ‘brejeirice’ e mero escárnio, voltou ontem ao meu ideário quando o ouvi pronunciar, sustentando que a UE “deixou de ter o tempo do seu lado”, que “é na eficácia dos governos que reside em grande medida a adesão dos povos à democracia representativa”. Miguel Relvas apelou à capacidade de liderança da Europa face à “crescente impaciência das restantes economias mundiais e à volatilidade dos mercados financeiros”. O ministro considerou que a UE “precisa que os fortes continuem fortes, mas precisa igualmente que os mais fracos passem também a ser fortes”. Um alerta claro para a os perigos da falta de confiança das populações nos políticos do Velho Continente. Ora, eu não queria ter de assinar por baixo na lista de visitantes deste lugar comum, mas ser Miguel Relvas a pronunciar esta sentença é de um nível tão baixo que nem trinta cambalhotas consecutivas me deixariam tão zonzo e abananado. Para isto, uma só definição – gozar connosco à cara podre.

 

Assim como é um pagode completo que António Borges, consultor do executivo para as privatizações, venha crucificar aqueles que criticaram as alterações que o Governo queria introduzir na taxa social única (TSU), brindando-os com o mimo de que são “ignorantes”. “Não passariam no primeiro ano do meu curso na faculdade”, acrescentou. Isto vindo de alguém que, em Novembro de 2011, o Fundo Monetário Internacional (FMI) demitiu de director do seu departamento europeu, 'por razões pessoais'". Segundo dá a entender o autor de ‘O Banco - Como a Goldman Sachs dirige o Mundo’, Marc Roche, na introdução da versão portuguesa do seu livro, a razão de Borges ter sido dispensado do FMI, ao fim de um ano, poderá estar ligada "ao facto de ter sido também, durante oito anos (2000-2008), um dos dirigentes do GS International". Mas Marc Roche vai mais longe. "Com efeito, o papel do banco americano na maquilhagem das contas gregas em 2002-2003 poderia não ser estranho àquilo que aparece como uma destituição". "Por outro lado, a nacionalidade portuguesa do interessado jogou contra ele no momento em que os investidores - FMI, Comissão Europeia e BCE - davam a sua ajuda em troca de medidas de rigor draconianas". Borges, que a par de Mario Draghi, actualmente presidente do Banco Central Europeu, e Mario Monti, primeiro-ministro italiano, são alguns dos alvos desta investigação à Goldman Sachs, é a cabeça das privatizações em Portugal, o que segundo este jornalista de investigação financeira, "não deveria estar em posição de escolher os bancos na privatização porque sempre existe - algures - um Alumni da GS". Teorias da conspiração postas de lado, o Professor Adelino Maltez rapidamente se adiantou aos demais e postou no seu Facebook uma pérola. Recuperou uma entrevista de Borges ao Público, datada de 2008, onde o mesmo era confiante em afirmar que a crise financeira não iria provocar recessão, apenas abrandamento. Ao mesmo tempo, já defendia a privatização da Caixa, o que só demonstra que esta jogada de bastidores foi e está alicerçada em bases muito claras para os eus protagonistas, que de quando em vez irrompem do silêncio e tranquilidade do seu dia-a-dia para agitarem as águas, com o único intuito de fazer chegar a água ao seu moinho.

 

Por fim, estamos entregues a um Presidente da República que rapidamente se apressou a concluir que não estamos perante nenhuma crise política. O Conselho de Estado que por ele foi convocado é, uma vez mais, elucidativo de que estamos entregues a um conjunto de supostos notáveis a quem eu nem pediria conselhos sobre que roupa vestir no dia de amanhã. No restante das suas intervenções, Cavaco Silva parece totalmente alheio ao facto de ser presença comum na política nacional há mais de 25 anos, agindo com uma leviandade tal e uma sobranceria que me deixam a pensar que ele acredita piamente que não tem qualquer culpa no cartório.

 

Caros leitores, avançando a passos largos para uma conclusão, peço desculpa pela extensão deste post; como anteriormente afirmei, foi um longo período onde nada escrevi e, como tal, a regularidade desejada não foi atingida. Tendo vingando agora essas sensações, resta-me frisar que, ao repetir várias vezes que estamos entregues, não pretendo afirmar que foi de livre e espontânea vontade que nos entregámos. Aliás, pelo que bem sabemos da essência de ser português, nunca nos iremos entregar. A minha repetição do ‘estamos entregues’ tenta apenas transportar para o plano físico o que muitos de nós sentimos: o grupo com maior poder de influência e tomada de decisão no nosso país e que em muito define o nosso futuro, não presta.

publicado às 14:57


2 comentários

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De E.R. a 30.09.2012 às 20:31

post longo mas de fácil leitura. é triste mas concordo com o Francisco, estamos definitivamente entregues a estes animais que não zelam pelo nosso bem estar. o que antes eram direitos são hoje privilégios e isso não é uma boa evolução. os culpados não são apenas os que aponta mas está muito bem em observar que um tal de Cavaco anda por aí a assobiar para o lado... 
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De Duarte Meira a 01.10.2012 às 22:24


Tal e qual.

Parabéns pelo texto, caro Francisco Costa.

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