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A indecorosa leveza da ideologia da caridadezinha

por Samuel de Paiva Pires, em 04.12.12

Isabel Jonet, hoje, no Correio da Manhã (daqui): 

 

 

Vamos por partes:

 

1 - Se se diz que algo é inexplicável, não se pode partir logo a seguir para uma tentativa de explicação, ainda que parcial. Contudo, fechemos os olhos a este erro e procedamos.

 

2 - À semelhança das afirmações de há umas semanas, Isabel Jonet volta a insistir no ónus da responsabilização do lado dos indivíduos, descurando o estado e as consequências nefastas que as políticas de asfixia fiscal e empobrecimento estrutural dos portugueses têm. Eu não tenho a certeza, mas suspeito que a causa desta narrativa pode estar numa aprovação ou indiferença de Isabel Jonet quanto a estas políticas. Afinal, quantos mais forem empurrados para fora do Estado Social, quantos mais pobres houver, maior a sua relevância e influência.

 

3 - Ao mesmo tempo que se dedica a ajudar os portugueses através do Banco Alimentar, Isabel Jonet parece gostar de os acicatar, deixando a descoberto a sua manifesta falta de contacto com a realidade. Se no programa na SIC, Manuela Ferreira Leite ainda a tentou trazer de volta à realidade - a esmagadora maioria dos portugueses já fez ajustamentos brutais que, nas palavras de uma outra tia da nossa praça, neste caso pseudo-escritora, representam um grave downsizing de lifestyle -, desta feita não parece ter havido alguém que lhe chamasse a atenção para a gravíssima insensibilidade revelada.

 

4 - Que insensibilidade é esta? A que lhe permite, com uma desfaçatez indecorosa, colocar como causa principal da chegada de crianças à escola com fome a falta de responsabilidade dos pais. Repare-se, mesmo passando por cima do erro referido no ponto 1, se se tenta dar uma explicação parcial a um dado fenómeno, tender-se-á a dar relevância ao que cremos ser a explicação com maior potencial explicativo ou significância. Isabel Jonet não salienta aquela que é a explicação principal que o senso comum e que qualquer comum português lhe poderão dar: porque não têm dinheiro!

 

5 - Não estou, com isto, a dizer que não existem pais que descuram a alimentação dos filhos. Mas sejamos francos, tratar-se-á de uma minoria residual, que não pode ser colocada sequer em pé de igualdade, quanto mais acima, com a generalidade das famílias que, infelizmente, dadas as políticas referidas no ponto 2, já mal se conseguem alimentar.

 

6 - Isabel Jonet deveria resumir-se a fazer aquilo que sabe fazer, deixando-se de intervenções públicas que se revelam cada vez mais desastradas. Mas se quer insistir nestas, permita-me que lhe recomende que contrate alguns assistentes: um que lhe ensine lógica elementar, outro que a prepare em termos de comunicação e outro que a faça contactar a sério com a realidade portuguesa.

 

7 - O primeiro que me vier dizer que o facto de ter desenvolvido a obra meritória que é o Banco Alimentar obsta a qualquer crítica a Isabel Jonet, vai directamente recambiado com uma recomendação para regressar à escola primária, a ver se aprende a pensar. E quanto aos que tentarem defender o indefensável, enfim, afundem-se nessa impossibilidade e façam como Pacheco Pereira recomendou, «Experimentem passear a vossa riqueza, a vossa indiferença diante deles, sem polícias, sem barreiras de metal, e dizer "aguentam, aguentam!" aos "piegas"

 

Leitura complementar: O mito do viver acima das possibilidades; Marx a rir; Duas petiçõesPobreza intelectualVamos brincar à caridadezinha.

publicado às 16:21


18 comentários

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De Anónimo a 04.12.2012 às 16:27

Quanto custa um pacote de leite ? Uma maçã ? Uma carcaça ? Um bocado de manteiga ? Tudo junto chega a 50 cêntimos ?
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De Anónimo a 04.12.2012 às 20:53

Que comentário idiota.
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De Anónimo a 05.12.2012 às 00:06

Se conseguir exprimir mais do que 3 palavras, explique porque acha idiota.
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De Anónimo a 05.12.2012 às 01:37

Eu consigo, mas não são precisas muitas mais:



é idiota porque não tem que ver com preço, mas com liquidez.

Economia para idiotas.
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De Anónimo a 05.12.2012 às 10:39

Tem razão. Peço desculpa. Não tenho tanta informação quanto o(a) senhor(a) sobre a liquidez alheia.
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De xico a 04.12.2012 às 16:59

Trata-se de um recorte de um jornal onde não é indicada qualquer data. A ser actual é mau. A não ser, parece-me má fé de quem colocou o recorte.

De Anónimo a 04.12.2012 às 18:51

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De Samuel de Paiva Pires a 04.12.2012 às 23:58

Conforme respondi a um comentário semelhante no meu FB,  se o ponto 5 não fosse verdadeiro, já o país inteiro teria dado por isso, já que essas crianças são sinalizadas pelas Comissões de Protecção de Crianças e Jovens em Risco. Tendo não só isto em consideração, querem convencer-me que a esmagadora maioria dos pais descuram a alimentação dos filhos, enviando-os para a escola com fome de propósito, contrariando vários dos instintos mais fortes da espécie humana, apurados com milhares de anos de evolução? Boa sorte na defesa dessa posição.
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De Zephyrus a 04.12.2012 às 19:16

Mas que idade têm essas crianças? Com 7 anos já preparava o meu pequeno-almoço, a minha família sempre me educou para ser responsável e independente. É que vejo por aí muitos marmanjos na adolescência que precisam dos papás para preparar as refeições e ir para a escola...

E assim anda a nossa sociedade a formar débeis mentais dependentes, em primeiro lugar, da família, e mais tarde, do Estado.
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De Samuel de Paiva Pires a 04.12.2012 às 22:40

Comigo foi o mesmo, meu caro. 
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De PiErre a 04.12.2012 às 19:20

Resta saber com que critérios é feita a distribuição.
É que a caridadezinha feita com dinheiro alheio parece ser um negócio muito lucrativo e sem riscos.  
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De Samuel de Paiva Pires a 05.12.2012 às 00:01

Pois...há por aí muita gente que gosta muito de falar do sector da "economia social"... Como se a economia per se não fosse outra coisa que social, enfim.
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De Duarte Meira a 05.12.2012 às 00:10


Caro Samuel:

Só para lhe dizer que estou maravilhado com percuciência e qualidade literária dos novos colaboradores que trouxe para aqui.

Fico feliz pela notícia certa de termos gente  jovem tão boa!

Parabéns pelas suas escolhas!

(Com tais etão certeiras,  o Pedro Quartin devia levá-lo para o seu Sporting...)
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De Samuel de Paiva Pires a 05.12.2012 às 00:11

Muito obrigado, caríssimo Duarte! E já começou a dar frutos esta remodelação. Há umas horas aparecemos na Sic Notícias, onde leram um parágrafo do post de hoje do Joshua.


Quanto ao Sporting, eu até sou Sportinguista, mas não gabo a sorte de quem queira pôr ordem naquela casa.
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De Anónimo a 05.12.2012 às 13:44

"entre uns pais que estoiram o RSI em imperiais e os outros a quem o Estado esbulha, os putos vão para a escola sem comer. Não come a boca, nem come a alma, porque lá também já pouco aprendem. " autoria de Fernando Melro Dos Santos, uns posts mas acima.
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De xyz a 06.12.2012 às 00:20


Quantas famílias conhecem que estejam na referida situação, em que as crianças não comam o pequeno almoço? 
Dessas quantas o fazem pelo motivo A ou pelo motivo B?
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De xyz a 06.12.2012 às 09:07


Infelizmente não são raros os casos em que as prioridades não são as melhores e os membros mais frágeis de uma família é que sofrem. Isto dos casos que eu conheço. 
Por isso repito a pergunta, quantos casos concretos conhecem?
A Isabel Bonet suponho que conheça alguns, mas parece-me que aqui poucos conhecem casos concretos. 
Também deve acontecer que as situações de miséria de uma dada zona tenham raízes diferentes das de outras zonas, mas a minha região é uma das mais afetadas pelo desemprego, em todo o país e uma das menos afetadas pela desestruturação familiar e mesmo assim a desestruturação familiar é a causa principal dos casos de miséria. E essas situações são situações que mexem bastante com as pessoas, ficamos sempre chocados quando nos apercebemos que o pai vai tomar o almoço ao café e deixa em  casa os filhos a correr arroz com arroz, a mulher não toma a medicação que lhe pode fazer a diferença entre a vida e a morte, mas o marido gasta mais em tabaco que o custo dessa medicação. Isto são casos concretos que conheci. 
Repito a pergunta, quantos casos concretos conhecem? 

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