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Deixando agora de lado a questão sobre a que Ministério se encontrará adstrito tal gabinete meramente hipotético, vou agora debruçar-me sobre o ponto central que pode permitir começar a vislumbrar algumas respostas à primeira questão.

 

Se tal gabinete existir, e não estando as suas funções enquadradas legalmente, e por isso não estando sujeitas à fiscalização democrática, é legítimo conjecturar sobre a forma como o gabinete funcionará. Este gabinete pode realizar funções perfeitamente legítimas, como a leitura de blogs e distribuição por canais do governo de posts considerados relevantes, mas terá também rédea livre para realizar funções que se afiguram como potencialmente perigosas e que não estão sujeitas a escrutínio público. O quê? Recolher e tratar dados relativamente aos bloggers. 

 

Por que é que isto pode ser preocupante? Porque qualquer centralização e sistematização de dados é potencialmente perigosa, por aquilo que é possível fazer com os dados recolhidos e tratados. Imaginemos, por exemplo, que um determinado blogger se candidata a uma vaga de emprego, seja no sector público ou no privado. Supondo-se que o tal gabinete exista e que realiza esta recolha e tratamento de dados, será  que podemos estar seguros que o júri do concurso ou o recrutador não recebe um ficheiro sobre o candidato onde são expostas as suas visões ideológicas, políticas e religiosas e as suas filiações partidárias e associativas e que, por isso, venha a prejudicar o candidato por discordar destas visões e filiações, ou a beneficiá-lo injustamente em detrimento de outros candidatos com mais valor caso concorde com aquelas? Não, não podemos. 

 

Todos os regimes autoritários e totalitários dependem em larga medida das polícias políticas e serviços secretos. E isto remete-nos para um dilema entre liberdade e segurança e para a questão dos direitos, liberdades e garantias constitucionais dos cidadãos. Até que ponto é legítimo vigiar uma sociedade num regime democrático extravasando todos os limites no que diz respeito à liberdade individual? Tomemos o exemplo do Reino Unido e alguns resultados práticos de perversões e abusos de poder num regime democrático. Trata-se de um dos países mais vigiados do mundo pelo respectivo governo, com extensas instituições burocráticas que vigiam quer as ruas, quer a internet, onde existe uma absurda Lei dos Insultos e onde uma sociedade caminha rapidamente para a fragmentação, deixando-se capturar pelo multiculturalismo. Ora a liberdade individual inclui o direito a ser estúpido, idiota ou pateta. Mas quem, no Reino Unido, tenha uma atitude genericamente considerada como de um indivíduo estúpido, idiota, ou pateta, corre o risco de ser preso e ver a sua vida desfeita. Foi o que aconteceu neste caso, por exemplo.

 

Felizmente, em Portugal, até ver, não enveredámos por semelhantes loucuras, que obviamente fazem recordar outros tempos e outro regime. Não é por acaso que muitos ainda se gabam de ter tido ficha na PIDE. Como também não é por acaso que os ficheiros da Stasi, provavelmente os serviços mais eficazes de que há memória no que diz respeito a espiar e controlar uma população inteira, começaram a ser destruídos assim que a RDA caiu, o que levou muitos dos vigiados a invadir as instalações da Stasi, quer para ficarem a saber a informação relativa a eles próprios constante dos ficheiros, quer para ficarem a saber quem eram os agentes da Stasi. Estas coisas mexem com o âmago de qualquer ser humano, que naturalmente aspira à liberdade. Não é por acaso que 1984 de George Orwell é um clássico e um dos grandes livros do século XX.

 

Por isso, continuando, importa desde logo questionar por que é que são recolhidos os dados, quem os recolhe, a que tratamento são sujeitos e para que efeitos, onde é que são armazenados, e quem é que tem acesso a eles? Se existir tal gabinete, a sua acção pode tanto ser perfeitamente inocente, como não. É porque o estado tem o potencial quer para praticar o bem, quer para praticar o mal, que os regimes políticos democráticos têm no estado de direito um vector essencial, que permite não só enquadrar o poder do estado por via da lei, como também limitá-lo. Não estando o tal gabinete enquadrado no estado de direito, o céu é o limite quanto ao que se pode fazer com os dados, de que o exemplo acima dado é apenas o menos imaginativo. Pior, este gabinete pode tornar-se uma agência autónoma e perigosa para a liberdade individual e para a democracia. Recorde-se, por exemplo, a importância dos arquivos secretos de J. Edgar Hoover, o poder que lhe conferiram e a forma como actuou perante os seus opositores.

 

Para finalizar este post, ficando-me apenas pelo exemplo dado acima quanto à discriminação no acesso a um emprego, é conveniente salientar o que diz a Constituição relativamente a este tipo de discriminação, no Art.º 13.º, relativo ao Princípio da Igualdade:

 

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

 

Retenham estas ideias, que o próximo post, que será o mais importante desta série, segue dentro de umas horas.

 

Leitura complementar (posts desta série): UmDois; Três.

publicado às 19:33







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