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As palavras e as acções

por John Wolf, em 14.12.12

 

 

A crise financeira que eclodiu em 2008, e rapidamente se transformou em descalabro económico em vários países desenvolvidos, arrastou para o centro da arena o debate sobre os malefícios do capitalismo, a amnésia da política em relação às questões sociais, o enriquecimento de uns versus a pobreza de tantos. Nunca na história recente das nossas sociedades o conceito de riqueza havia sido discutido de um modo tão apaixonado. Nunca haviamos sentido esta clivagem de um modo tão visceral, de um modo tão mediático e contestatário, expressivo. E desse estado "gustativo" brotaram questões que sintetizam esse mal estar. Se é imoral ou não a ascensão económica que conduz o indivíduo à fortuna incalculável? Se há dignidade na fortuna? Ou se é possível enriquecer sem cometer ilícitos? As questões que configuram uma aparente simplicidade ética, exigem uma resposta mais elaborada, mas porventura incipiente e contraditória. Desde já poderemos afirmar de um modo empírico, que nenhum ser humano é "regressivo e auto-destrutivo". O homem procura sempre mais e exige sempre algo melhor. Contudo, esse processo não é reflexivo, nem epistemológico. Não põe em causa o significado da sua missão, nem as consequências que resultam desse acto de fé. Prostrados que estamos, somos obrigados a responder a um longo inquérito de deves e haveres. A uma extensa lista de deveres adiados. No cruzamento histórico em que nos encontramos várias propostas dissonantes estão sobre a mesa. Austeridade ou estímulo económico? Despesa pública ou iniciativa privada? Nessa procura de soluções, a política monetária e a política fiscal parecem ter destronado a política no seu sentido clássico. Ou seja, a capacidade de pensar o conceito estratégico de um país. A identidade económica que distingue um país dos demais e que concede uma relativa vantagem competitiva. Mas não é essa linha de argumentação que procuro explorar neste texto. Estou mais preocupado com os efeitos psicológicos da falência. O modo como os indivíduos irão procurar um modo alternativo de compensar a falta de remuneração sem ter de emigrar, sem ter de abdicar da ligação umbilical às suas tradições, à sua história e à sua língua. Convém pensar no mundo enquanto entidade contínua. Um corpo económico interrompido por processos burocráticos, costumes locais, regulamentos, regimes políticos e comportamentos sujeitos à dinâmica de uma cultura global com origens numa terra de ninguém. Um sistema totalmente escancarado que permite transferências de energia à revelia de nacionalismos económicos ou patriotismos bacocos. E é aqui que entram as acções. Não me refiro às acções humanas. Falo de algo diverso. Uma palavra politicamente incorrigível nos dias que correm. Um termo que traz algo no bico, no pico da sua expressão, no fundo da sua queda. A materialização de todos os males do capitalismo, associada a um outro pecado, ao tabu da especulação - os títulos negociados em bolsa. As acções que causam prurido e geram malentendidos no seio de socialistas que apenas acreditam na força do trabalho como forma de sustento. O crédito, para que fique assente, precede a existência física de divisas - o dinheiro no sentido quotidiano e que tilinta nos nossos bolsos. As acções também encerram em si o "acreditar" no projecto, no edifício que alguém deseja erguer. Nesse sentido, ao adquirir acções estou a emprestar dinheiro a uma entidade que opera no mercado, na economia e que gera emprego. Do ponto de vista do investidor, corro o risco da possibilidade de ser remunerado pelo depósito de confiança que efectuo. E não vejo nenhum mal nisso. Ironicamente, deter acções é participar numa empresa na sua expressão mais colectiva. O problema que um país enfrenta, no auge de uma recessão, tem a ver com a forma como os meios financeiros são aplicados por parte de investidores, sejam pequenos ou colossais. Convém pensarmos no próximo ciclo, na fase temperada por desígnios de poupança. A questão que será colocada por aforristas prende-se com a noção de remuneração. Um país tem de criar condições de atracção de capital. Se não o fizer, as acções de empresas de outros países serão procuradas. O dinheiro não permanece trancado na penúria. Procura o destino mais aprazível. Ao comprar acções de um empresa Brasileira ou de uma holding da Malásia estamos efectivamente a gerar emprego e inovação nesses países. E é bom que se tenha isso em conta. Por vezes as acções valem mais do que as palavras...

publicado às 16:33


3 comentários

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De fgh a 14.12.2012 às 21:24

O Moreira da Silva é um dos que vivem das "alterações climáticas" (como se o clima não consistisse em alterações, mas adiante!). Mas é disso que vive, é o ganha-pão dele:  "No início de 2011, foi nomeado Director (http://pt.wikipedia.org/wiki/Director) da área de Economia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Economia) das Alterações Climáticas (http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Altera%C3%A7%C3%B5es_Clim%C3%A1ticas&action=edit&redlink=1), Grupo de Energia e Ambiente, no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (http://pt.wikipedia.org/wiki/Programa_das_Na%C3%A7%C3%B5es_Unidas_para_o_Desenvolvimento),UNDP (http://pt.wikipedia.org/wiki/UNDP), em Nova Iorque. [7] (http://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_Moreira_da_Silva#cite_note-7) Nessas funções, coordena a área dos novos mecanismos financeiros e novos mecanismos de mercado na área da energia e alterações climáticas."
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De Anónimo a 15.12.2012 às 09:33

Desde 2008 que se optou por chamar crise financeira a uma crise social, derivada das escolhas erradas que as populações europeias e norte americanas fizeram ao nível das suas decisões de consumo, financeiras e politicas.

 

Um exemplo, foi o facto de milhares de norte americanos terem ficado no desemprego, devido à deslocalização de parte da produção para a Ásia, de que resultou uma incapacidade para poderem pagar os seus empréstimos hipotecário. Chamou-se crise financeira, a algo que derivou de decisões politicas e de consumo.

 

Após anos de expansão das economias dos países europeus e norte-americanos, sustentadas em crédito e má percepção do nível de riqueza produzida, a realidade acabou por surgir sobre a forma de incapacidade para pagar os compromissos assumidos.

 

Mas essa incapacidade não é um problema financeiro mas sim, social. A incapacidade surge porque, em primeiro lugar, as politicas de abertura de mercado conjugadas com os acordos com a China e outros países asiáticos custaram milhões de empregos.

 

Duas questões surgem : Quantas empresas lucraram com a abertura do mercado chinês ? Quantas empresas foram prejudicadas pela abertura dos mercados europeus e americano aos produtos chineses ? A resposta é óbvia. As populações destes países permitiram que, para algumas dezenas de empresas lucrarem com o mercado chinês, milhares de outras fossem prejudicadas. O que adianta ter produtos europeus mais baratos produzidos na China se ao perdermos o emprego não os podemos comprar ?

 

Qual era a dúvida da consequência da deslocalização de centenas de fábricas para os países asiáticos ? 

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De John Wolf a 15.12.2012 às 10:11

Caro Anónimo,
Muito obrigado pelo seu comentário que enriquece o debate que tem distintas dimensões que merecem aprofundamento. Tem razão nas afirmações que produz, nomeadamente no que diz respeito aos efeitos assimétricos da deslocalização da produção. O que pretendia sublinhar no meu texto reporta-se ao entendimento que fazemos das acções enquanto veículo de dinamização de economias. Se um país implementa um regime tributativo que penaliza fortemente os ganhos auferidos em bolsa, está efectivamente a castrar os "start-ups" e a expansão de empresas o que em última instância tem implicações sociais porque condiciona o proprio conceito de empreendedorismo que nasce no espírito humano. Tenho receio que Portugal (e a UE) vá penalizar em demasia aqueles que emprestam a mão financeira àqueles que efectivamente não reunem os meios para levar por diante os seus sonhos...
Muito agradecido.
Cordialmente,
John

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