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Caridade e solidariedade

por Samuel de Paiva Pires, em 15.12.12

Depois de já ter referido o post de José Pacheco Pereira, recomendo ainda a leitura deste artigo de João Cardoso Rosas, que aqui deixo na íntegra:

 

«Acompanhei com distanciamento a polémica sobre as declarações de Isabel Jonet, no mês passado, acerca da necessidade do empobrecimento em Portugal.


Afinal de contas, ela tem feito um trabalho admirável no Banco Alimentar contra a Fome e todos devíamos estar-lhe gratos por isso. Uma pessoa que faz um trabalho de natureza prática não tem de ter um pensamento sofisticado sobre a pobreza e a desigualdade. Não devemos esperar que Isabel Jonet, depois de um dia de trabalho no Banco Alimentar, passe os serões a ler John Rawls ou Amartya Sen. Por isso, as críticas que então lhe foram dirigidas pareceram-me claramente excessivas e mesmo deslocadas. Agora, mudei de opinião.

 

Jonet dá esta semana mais uma entrevista, desta feita ao jornal i, onde declara: "Sou mais adepta da caridade do que da solidariedade social". De forma cuidadosa, admite que necessitamos tanto de uma coisa como da outra e até considera errada a diminuição dez algumas prestações sociais. Na verdade, se Jonet tivesse dito que precisamos tanto de caridade como de solidariedade, eu concordaria. Mas ela disse algo subtilmente diferente, ou seja, que a caridade é preferível à solidariedade. Isto é, que a benevolência individual trata melhor os problemas da pobreza e da injustiça do que a solidariedade socialmente organizada através do Estado.

 

Estas declarações - que Jonet dirá sempre que foram mal interpretadas, como se quem fala publicamente tivesse o monopólio da interpretação daquilo que diz - recordaram-me aquilo que se contava aqui há uns anos sobre as aulas do filósofo libertarista (ou neoliberal) Robert Nozick. Este escreveu uma famosa obra, intitulada "Anarquia, Estado e Utopia", na qual atacava a ideia de justiça social considerando que, na verdade, qualquer esquema solidário ou distributivo implicava interferir na propriedade e liberdade dos mais ricos, o que significava tratá-los instrumentalmente e isso era indefensável de um ponto de vista moral. Pois bem, enquanto ensinava estas teorias, Nozick faria correr entre os estudantes uma caixa-mealheiro onde estava escrito "Contribuições para a pobreza em África". A ideia era clara: a caridade substituía com vantagem a solidariedade.

 

Quando Isabel Jonet vem agora dizer que a caridade é preferível não podemos desligar-nos de um contexto político no qual o Governo pretende impor um corte devastador no Estado social, em especial nas prestações sociais. Ou seja, os discursos de Jonet e do Governo funcionam em tandem. Eles fazem cada um por si aquilo que Nozick fazia em simultâneo na sua sala de aula. Ao dizer que a caridade é preferível, Jonet está também a dizer, de forma sub-reptícia, que o Governo tem razão em cortar na solidariedade.» 

 

Leitura complementar: O mito do viver acima das possibilidadesMarx a rirDuas petiçõesPobreza intelectualVamos brincar à caridadezinhaA indecorosa leveza da ideologia da caridadezinhaRaiva; Ainda Isabel Jonet

publicado às 18:12


3 comentários

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De Herr Flick a 15.12.2012 às 19:48

Excelente, como sempre. Convém referir que apesar de I. Jonet ser o rosto do BA ,  em bom rigor, o mérito deve ser atribuído
aos milhares de
voluntários que se entregam à causa sem querer saber de quem está à
frente da organização, e dos destinatários dos seus dislates, sem os quais não haveria provisões. O P Pereira está certíssimo na análise que fez.
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De Duarte Meira a 15.12.2012 às 21:06


O sr. João Cardoso Rosas, professor universitário de filosofia política, uma pessoa que passa os dias a fazer um trabalho de natureza teórica, tinha obrigação de saber que a caridade, a genuína, a que entrou na vida intelectual e social do Ocidente com a vida cristã, não se confunde com a mera "benevolência individual" da filantropia. (Embora não lhe seja incompatível.)

E, enquanto cidadão, o sr. Cardoso  Rosas devia saber que a "solidariedade socialmente organizada" por um Estado mau gestor, esbanjador e falido à custa dos contribuintes que não podem fugir e já estão asfixiados com impostos, não é "solidariedade" nenhuma - mas roubo politicamente organizado.

Não se consegue  imaginar como estaria hoje a vida social portuguesa sem a actividade dos bancos alimentares e de toda a rede assistencial sustentada pelos privados e pela Igreja Católica.

Possivelmente, o sr. Cardoso Rosas julga-se capaz de achar alguma razão suficiente e convincente para nos fazer crer na existência de uns sábios, alçapremados ao poder político, com superior competência para "redistribuir" com "justiça" o que não é deles e não lhes custou nada. E falávamos nós ontem de mitos, meu caro Samuel!... Eis o que acontece quando a gente substitui a crença na Providência de um Deus que é Pai, e se desconhece o que é a cristã caridade, por estas ficções funestas que uns iluminados doutores querem  tornar reais.
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De Luciano Mestre a 19.07.2013 às 15:18

Este professor que tem tantos cursos e uma parafernália de manteigas e outras gorduras como medalhas que exibe na internet devia meter o bedelho onde alguém o leva a sério.
A Isabel Jonet faz mais pelas pessoas a dormir que este senhor acordado a discutir teorias de panela de latão em lume de vaidades. A ridícula frase " Acompanhei com distanciamento a polémica..." é típica de um complexo de superioridade medíocre e pretensa above leverage " intelectualidade de um sonso, cínico e pretensioso, como aqueles travestis que querem imitar mulheres mas têm pelos que nunca mais acaba no peito. A diferença entre este senhor e a Isabel Jonet é que ela tem alguma coisa a dar à sociedade, ele apenas pode tirar como funcionário público que vive à custa dos impostos dos privados numa redoma de privilégios e corporações de interesses com que convive com naturalidade.

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