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Entrevista a Samuel de Paiva Pires (não editada)

por Francisco Costa, em 19.01.13

No seguimento do Ateliê de Imprensa que estou a frequentar no CENJOR (Centro Protocolar de Formação Profissional para Jornalistas), aproveitando o módulo destinado à entrevista, decidi conversar com o Samuel tendo como finalidade trocar algumas impressões acerca de todo o processo que nestes últimos dias o próprio decidiu partilhar. Falo, claro está, da denúncia pública de como é gasto - distribuído - o dinheiro público.

 

Apesar da amizade que nos une, a imparcialidade das perguntas foi algo que desde logo orientou o meu pensamento quando escrevi o guião da entrevista. Tentei focar o máximo de aspectos que possam ser relacionados com a denúncia efectuada, assim como procurei descobrir se esta situação não se trataria de um capricho ou ajuste de contas do Samuel apenas por não lhe ter sido atribuída a bolsa. As respostas são bem elucidativas de que este não é o caso, de modo que é bastante fácil estabelecer a separação homem/causa.

 

Posto isto, por agora deixo aqui a entrevista por extenso, não editada, com a promessa de um novo post com a sua versão final. Acima de tudo, a situação deve ser partilhada e este trabalho não é mais do que a confirmação de que o assunto merece honras de investigação jornalística.

 

 

 

Entrada. Mestre em Ciência Política, concluído em 2011 após a licenciatura em Relações Internacionais, desde muito cedo que Samuel de Paiva Pires acalenta o desejo de enveredar por uma carreira académica. A pretensão de efectuar o doutoramento no estrangeiro, que obriga a um avultado investimento financeiro, levou-o a candidatar-se a uma Bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT). Percorreu o trilho da burocracia três vezes. Três vezes esbarrou na resposta negativa. Perante as suspeitas de favorecimentos e discriminação de alguns candidatos, considera que estes equívocos podem gerar mais casos de má gestão de dinheiros públicos.

 

 

Samuel, o seu historial de candidaturas a bolsas da FCT é já algo extenso. Vai na sua terceira candidatura e viu novamente as suas intenções goradas...

 

“Quem espera sempre alcança”, “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”, “a esperança é a última coisa a morrer”, são apenas alguns ditados populares que facilmente ilustram o estado de espírito de alguém que sempre fez da persistência uma virtude cardinal, acreditando na verdade do ensinamento de que nos tornamos naquilo com que sonhamos e na ideia de que é sempre possível melhorarmos individualmente. Se é verdade que na primeira candidatura ainda não reuniria os requisitos suficientes para me ser concedida a bolsa, não deixa também de ser verdade que ao longo de 3 anos realizei um percurso no sentido de reunir precisamente estes requisitos, pensando que à terceira seria de vez, conquanto a avaliação das candidaturas decorresse de forma imparcial e justa. Mas se até mesmo os santos perdem a paciência, quanto mais um comum mortal que se vê recorrentemente prejudicado no acesso a fundos públicos para o desenvolvimento educacional e científico distribuídos por quem, infelizmente, montou e/ou faz parte de uma rede neo-feudal subsidiocrática que nem mesmo em face de uma conjuntura de degenerescência e descrédito das instituições públicas deixa de se considerar na posição de lamber os restos em favor de certos e determinados feudos, revelando à saciedade como aqui e agora ainda faz escola o velhinho princípio de que “Quem parte e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não sabe da arte”.

 

 

Que aspectos devem, na sua opinião, ser colocados em evidência quando refere que há suspeitas de favorecimento de uns candidatos em detrimento de outros?

 

Desde logo o facto, que já não é novo e é até bastante conhecido no meio académico lusitano, de que existe um claro favorecimentos de candidatos que tenham estudado ou pretendam estudar na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa ou no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, e simultaneamente uma discriminação sistemática dos estudantes do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, que tem sido apenas contrariada por muito poucos casos. No ano de 2011, estes mesmos factos levaram a que eu tivesse sido contactado por professores e deputados no sentido de providenciar elementos quanto ao meu caso e ajudasse a reunir informação relativamente a outros casos, que seriam utilizados para confrontar o Presidente da FCT numa audiência na Assembleia da República. Esta audiência não chegou a acontecer. Entre os factos mais comuns nas candidaturas dos vários candidatos do ISCSP, é de destacar a persistência de erros de cariz administrativo grosseiros que acabam por prejudicar os candidatos, como por exemplo, não ser atribuída a pontuação devida pelo candidato fazer parte de um centro de estudos, ou não ser considerado o facto de o candidato ter várias comunicações e publicações ou ainda o não ser tida em consideração a conclusão do mestrado. Por outro lado, não é despiciendo referir que, este ano, em 12 bolsas atribuídas, 9 foram para candidatos da FCSH. Há, no mínimo, suspeitas que consubstanciam a necessidade de uma averiguação ou inquérito por quem de direito.

 

 

Denuncia esta situação mas confessa, na nota que deixou no blog Estado Sentido (http://estadosentido.blogs.sapo.pt/) que, apesar das suspeitas de favorecimento, não recorreu da decisão e não pretende avançar para tribunal. O que o leva a tomar esta decisão?

 

Para além da reclamação que enviei ao cuidado do Presidente da FCT, que se encontra a aguardar resposta há já dois meses, a decisão era ainda passível de recurso no sistema informático da FCT, através de um processo burocrático que se divide em duas fases, uma primeira, a Audiência Prévia, em que são analisadas queixas quanto a erros administrativos, e uma segunda, o Recurso, em que são analisadas questões científicas. Acontece que é necessário apresentar uma reclamação na primeira, mesmo que não se tenha qualquer queixa quanto a questões administrativas, para poder depois apresentar o recurso. Não só isto me parece não fazer grande sentido, como o facto de se ter tornado insustentável permanecer em Inglaterra, tendo que desistir do doutoramento, tornou irrelevante o recurso, embora não deixe de reclamar e denunciar a situação. Ademais, o facto de ainda nem terem sido comunicados os resultados da Audiência Prévia, não havendo sequer uma previsão de prazos para tal por parte da FCT, é ilustrativo quanto baste de como este processo kafkiano potencia o desespero de qualquer reclamante. Quanto a recorrer a tribunais, tal como escrevi no texto da denúncia, não só já não acredito na justiça portuguesa como não pretendo enveredar por uma batalha perdida à partida e que me faria despender imensos recursos (tempo, dinheiro e disponibilidade mental).

 

 

Sente que pode ser acusado de estar a levantar falsas suspeitas apenas por ter visto o seu pedido de bolsa rejeitado três vezes e, dessa forma, sentir-se injustiçado com os factores de avaliação?

 

Não, não sinto que possa ser acusado de levantar falsas suspeitas, até porque como já referi, estes factos e casos idênticos são mais que conhecidos e comentados no meio académico português. O problema é que o sentimento de impunidade de uns quantos e o silêncio dos demais que compactuam com esta paz podre banalizaram esta distribuição indevida de dinheiros públicos na área da investigação científica. Quanto aos factores de avaliação, estou em crer que até são adequados, mas enquanto o Mérito do Candidato e as Condições de Acolhimento são factores objectivos, o Mérito do Projecto é um factor subjectivo que permite a manipulação a que fui sujeito.

 

 

Afirma que os critérios se adequam aos méritos dos candidatos, mas que outros aspectos poderiam ser escrutinados na atribuição de bolsas?

 

Como referi na resposta anterior, creio que os critérios são adequados. Só não são é muitas vezes cumpridos, quer quanto aos factores objectivos – quando ocorrem erros administrativos grosseiros – quer quanto aos subjectivos, sujeitos a uma manipulação que pura e simplesmente não é fiscalizada. Por outro lado, creio que os resultados deveriam ser públicos (apenas quem se candidate a um concurso consegue aceder à lista de candidatos e respectivas pontuações finais), bem como os projectos submetidos pelos respectivos candidatos. Seria talvez o bastante para diminuir o tal sentimento de impunidade por parte dos avaliadores, que mencionei na resposta anterior.

 

 

Quando declara ter sido adulterada a atribuição de dinheiros públicos, não considera estar a ser demasiado tendencioso ao afirmar que neste ano ser-lhe-ia atribuída uma bolsa, 'conquanto a avaliação decorresse de forma imparcial e justa'?

 

A experiência decorrente das candidaturas anteriores, que me fez reforçar a candidatura deste ano nos pontos em que anteriormente havia tido classificações mais reduzidas, bem como a noção clara de que o projecto que submeti este ano é qualitativamente muito superior, a todos os níveis, ao submetido anteriormente, levaram-me a crer que me seria atribuída a bolsa, e fizeram-me acreditar que, agora que sabia que teria a pontuação máxima nos factores objectivos, a FCT não seria capaz de algo tão escandaloso como prejudicar-me deliberadamente na pontuação atribuída ao projecto. A verdade é que o fizeram. Confesso que fui demasiado ingénuo ao acreditar que a FCT agiria, finalmente, de forma correcta, e não como a instituição que na academia portuguesa é conhecida por ser uma prepotente rede de interesses instalados com contornos que só agora começam a ser revelados na praça pública.

 

 

Que razões o levam a assumir declaradamente que o último dos seus projectos é, passo a citar, 'de longe muito melhor' do que qualquer um dos anteriores?

 

Conforme escrevi no blog e na carta enviada ao Presidente da FCT, o primeiro projecto, que obteve as classificações de 4,1 e 3,8 nas candidaturas de 2010 e 2011 respectivamente, foi elaborado entre 2008 e 2009, quando ainda estava a finalizar a licenciatura. Embora tenha tido qualidade suficiente para me garantir a entrada em várias universidades britânicas, tendo eu optado pela de Durham, não tem a qualidade do projecto que submeti este ano, e que a minha orientadora em Durham também considera ter uma qualidade superior – tendo esta escrito ao Presidente da FCT precisamente neste sentido. Este novo projecto foi escrito no início do ano de 2012, já depois de ter terminado o mestrado, que muito contribuiu para o amadurecimento intelectual que originou este projecto, que decorre das leituras que fiz para a dissertação de mestrado e de uma parte desta. Devo também referir que o novo projecto foi alvo de contribuições e revisões de vários professores de referência da Ciência Política em Portugal, desde logo o Professor José Adelino Maltez, meu orientador da dissertação de mestrado e também orientador em Portugal do meu projecto de doutoramento. Os dois projectos estão disponíveis online, com os links no texto publicado no blog. Mesmo qualquer pessoa que não seja da área da Ciência Política consegue comparar os dois projectos e perceber como o segundo é muito melhor que o primeiro. E só para finalizar a resposta a esta questão, permita-me terminá-la com duas perguntas: i) que sentido faz que no Mérito do Candidato eu tenha melhorado a pontuação ao longo das 3 candidaturas, atingindo a classificação máxima nesta candidatura de 2012 (5 valores), mas tenha piorado na classificação do projecto, e ii) não será estranho que me tenha sido atribuída uma classificação tão penalizadora, de 2 valores, no novo projecto, o que significaria que este teria uma qualidade medíocre, quando se tivesse a pontuação de 3 valores já me seria atribuída a bolsa, sendo ainda de salientar que dados os próprios critérios objectivos da FCT no que diz respeito aos outros dois factores (Mérito do Candidato e Condições do Acolhimento), não tinham como não me dar classificação máxima nestes, pelo que restava apenas manipular a classificação do projecto para me prejudicar?

 

 

A concluir, apesar de não ter, para já, intenções neste processo para além da denúncia, que impacto espera que esta declaração pública assuma?

 

Em O Homem Revoltado, Albert Camus escreveu que “um rebelde é um homem que diz não”, que se revolta contra uma situação que não pode mais suportar, assinalando que a revolta surge do espectáculo do irracional a par com uma condição injusta e incompreensível. E escreve ainda o autor francês que embora um acto de revolta tenha normalmente uma origem individualista, mina a própria concepção individual, porquanto um indivíduo está disposto a sacrificar-se por um bem comum que não lhe diz apenas respeito a ele, mas também à humanidade ou pelo menos, acrescento eu, à comunidade de que faz parte. Como português que quer contribuir para que Portugal possa ter um ambiente mais respirável, acredito que temos que fazer retornar ao centro do nosso contrato social uma há muito perdida noção de justiça, embora creia que isto não se faz de um dia para o outro, mas sim com pequenos actos, que podemos praticar diariamente. Basta que passemos a dizer não, que deixemos de compactuar com a paz podre da mediocridade, da corrupção e da falta de transparência, e que passemos a fiscalizar mais e melhor as instituições públicas. Basta, talvez, e para finalizar, que percebamos o que La Boétie nos transmitiu no seu Discurso sobre a servidão voluntária – que não há que ter medo –, inspirado no qual o Professor José Adelino Maltez ensina que “Na “servitude volontaire” o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá.” 17.01

publicado às 15:26







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